O governo admitiu que houve um freio no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em outubro, mas tratou de desvincular a queda nos investimentos da crise financeira e usou as greves do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT) e da Caixa Econômica Federal (CEF) como explicação.
A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, prometeu "um salto em novembro" e disse não acreditar "em uma desaceleração profunda do crescimento que leve à queda da arrecadação". Em outubro, até o dia 23, os empenhos dos ministérios dos Transportes, das Cidades e da Integração Nacional alcançaram R$ 319 milhões, de acordo com o balanço do PAC divulgado ontem. Em setembro, haviam sido empenhados R$ 1,576 bilhão pelos mesmos ministérios.
Servidores do DNIT entraram em greve no fim de setembro e só voltaram na quarta-feira ao trabalho. A ministra estimou em R$ 1 bilhão os recursos parados na autarquia, à espera de ordens de desembolso. No caso da CEF, segundo o governo, a paralisação impediu o repasse de verbas federais a Estados e prefeituras.
"Foi uma redução localizada, que será compensada e não causará atrasos nas obras", afirmou Dilma. Dos investimentos previstos para 2008 com recursos do orçamento da União, no total de R$ 17,9 bilhões, menos da metade - R$ 8,2 bilhões - foi efetivamente desembolsado. Ela descartou qualquer relação com o agravamento da crise. "A comparação é forçada. O governo está bastante forte em relação às reservas (internacionais), estamos fazendo uma política de liberação do compulsório e temos uma visão clara de que o PAC é anticíclico", avaliou.
Além das greves, o atraso em algumas obras prioritárias também afeta o ritmo dos investimentos. O caso mais notável é o da Infraero. Nos aeroportos, irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) paralisaram obras em Guarulhos, Vitória, Goiânia e Macapá. Em Guarulhos, a reforma da pista principal está parada desde março e o TCU determinou à Infraero uma repactuação dos preços definidos em contratos com as construtoras. O Valor apurou que há impasse nas negociações com as empreiteiras, que se recusam a baixar seus preços, e a Infraero já cogita mobilizar o Batalhão de Engenharia do Exército para terminar a recuperação do terço final da pista, se não houver acordo entre as partes até o fim de novembro, para evitar eventuais restrições a pousos e decolagens em 2009.
O mesmo drama é vivido pela Infraero na construção dos terminais de passageiros de Goiânia e de Vitória. Em Macapá, a situação é ainda pior: a empreiteira responsável pelas obras - que já era substituta da Gautama, do empresário Zuleido Veras, alvo principal da Operação Navalha da Polícia Federal - entrou em recuperação judicial e paralisou os trabalhos. A Infraero fará licitação para contratar outra construtora. Também precisará divulgar novo edital para a ampliação do aeroporto de Brasília e começar praticamente do zero o planejamento do terceiro terminal de Guarulhos, cujas obras, orçadas em pouco mais de R$ 1 bilhão, tiveram sobrepreço apontado pelo TCU. Nas próximas semanas, será feita a contratação dos novos projetos básico e executivo de engenharia. "Muitas vezes, a paralisação de uma obra pode implicar mais prejuízo do que a sua continuidade", afirmou Dilma.
Não é apenas a Infraero que tem tido dificuldade em seguir seus cronogramas. Atrasos afetam o lançamento de editais de todos os portos contemplados pelo programa nacional de dragagem. A concorrência para tocar as obras de aprofundamento dos portos de São Francisco do Sul e Itajaí (SC), por exemplo, era esperada para novembro de 2008. Agora só deve sair em janeiro. Em Santos, o atraso também é de cerca de dois meses.
O ministro da Secretaria Especial de Portos, Pedro Brito, reconheceu a existência de problemas na montagem dos editais, ao introduzir o conceito de dragagem por resultados e de longo prazo, na qual o vencedor das licitações fica responsável pela manutenção por até cinco anos dos trabalhos realizados. Mas o ministro argumentou que, do ponto de vista de cronograma das obras e dos recursos, não há atrasos. "A licitação para o porto de Recife, embora seja uma dragagem relativamente pequena, recebeu oito propostas", disse.
Apesar da crise internacional, o governo planeja novas rodadas de concessões para projetos de infra-estrutura no fim deste ano e início do próximo. Para o dia 1º de dezembro, na Bovespa, está marcado o leilão de 680 quilômetros da BR-116 e da BR-324, na Bahia. Outras três estradas federais - a BR-040 entre Brasília e Juiz de Fora, além dos trechos mineiros da BR-116 e da BR-381 - devem ter seus leilões até março de 2009. Em janeiro, o governo pretende lançar o edital de subconcessão da ferrovia Norte-Sul, no trecho que vai de Palmas a Estrela D´Oeste (SP).
"A maioria dos projetos de infra-estrutura é de alta lucratividade porque tem demanda certa", afirmou Dilma. O BNDES terá recursos para financiar as obras e não houve reclamações até agora de que a falta de crédito tenha afetado empreendimentos do PAC, segundo ela.
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria de Construção (CBIC), Paulo Safadi Simão, disse que a crise tem contornos "impressionantes" para o setor, que chegou a temer por falta de capital de giro para atender às ordens de serviço do PAC. Segundo ele, no entanto, a abertura de linha de crédito de R$ 3 bilhões pela CEF "dá fôlego suficiente" para as construtoras em 2009, quando prevê uma diminuição da demanda. Dilma lembrou que, além da linha de financiamento, a Caixa-Par estará à disposição de construtoras que queiram associar-se à estatal.
Veículo: Valor Econômico