Indústria perde fôlego, mas varejo segue forte

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A economia brasileira dá sinais de desaceleração neste ano, mas o movimento está longe de ser homogêneo, como evidencia uma rápida análise da evolução dos indicadores de indústria, comércio, crédito e mercado de trabalho. Na indústria, a perda de fôlego é clara, enquanto as vendas no varejo mostram crescimento um pouco menos intenso do que no ano passado, mas que segue forte.

 

O crédito avança em ritmo um pouco mais fraco, reflexo das medidas macroprudenciais adotadas desde o fim de 2010, sem registrar, porém, uma desaceleração abrupta. Já o mercado de trabalho se mantém pujante: a taxa de desemprego encontra-se na mínima histórica e a renda continua a crescer bem acima da inflação.

 

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, diz que o comportamento do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) evidencia a desaceleração da economia. Em maio, o indicador, que tenta antecipar a trajetória do PIB, ficou estável em relação a abril; em junho recuou 0,3% na comparação com o mês anterior, feito o ajuste sazonal. Para ele, esse desempenho reflete o aumento da taxa Selic, as medidas de restrição ao crédito e o maior esforço fiscal neste ano. Depois de crescer 1,1% no primeiro trimestre em relação ao anterior (o PIB cresceu 1,3%), o IBC-Br avançou no segundo 0,7% sobre os três meses anteriores.

 

O economista Aurélio Bicalho, do Itaú Unibanco, também considera o segundo trimestre a confirmação da desaceleração. "Os dados nos mostram que a economia realmente perdeu ritmo e caminha para direção de crescimento menor", afirma Bicalho, que projeta alta de 0,8% para o PIB no período de abril a junho, na comparação com o trimestre anterior, número que será divulgado na sexta-feira pelo IBGE.

 

A questão é que o IBC-Br mostra o panorama geral do que se passa na economia, escondendo as diferenças entre os vários setores. A indústria vai mal, enquanto o varejo segue robusto, por exemplo.

 

A desaceleração chega a surprender até os mais pessimistas. No primeiro semestre, a produção industrial cresceu apenas 1,7% em relação ao mesmo período de 2010, muito abaixo dos 10,5% do ano passado inteiro.

 

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, diz que a indústria sofre muito com o câmbio valorizado, que barateia as importações e encarece as exportações, num momento de fraqueza da economia do mundo desenvolvido, e com custos mais altos, como os decorrentes dos aumentos salariais. Para complicar o que era difícil, a indústria começou a segunda metade do ano com estoques elevados. Até ajustá-los, as perspectivas para a produção não são nada animadoras, diz Borges, que acredita que uma demanda menor que a esperada pelos empresários explica essa alta de inventários - a perda de espaço para o importado seria um fator mais estrutural, não justificando o movimento de curto prazo.

 

O comércio, em contraste, teve um primeiro semestre bastante forte. As vendas do varejo ampliado (que incluem veículos e autopeças e material de construção) aumentaram 9,2% sobre igual período de 2010. É menos que os 12,2% do ano passado, mas ainda assim um número muito expressivo. "O que sustenta o comércio é justamente um mercado de trabalho ainda muito aquecido", diz Vale. Para o gerente de indicadores de mercado da Serasa Experian, Luiz Rabi, o desempenho do comércio depende principalmente de duas variáveis - a renda, que continua muito forte, e o crédito, que moderou o ritmo de expansão, mas que ainda segue numa toada razoável.

 

O desempenho do mercado de trabalho impressiona. O nível de ocupação cresce a uma taxa um pouco mais fraca - em julho, aumentou 2,1% em relação ao mesmo mês de 2010, abaixo dos 2,3% de junho -, mas a taxa de desemprego segue em queda. Em julho, ela ficou em 5,9% na série com ajuste sazonal da LCA, a menor da série histórica iniciada em 2002.

 

Com um desemprego tão baixo, há espaço para um crescimento robusto da renda, como a alta de 4% acima da inflação em julho, na comparação com igual mês de 2010. A massa salarial, combinação do emprego e da renda, acumula aumento real de 7,8% em 12 meses, um avanço significativo, que explica a força do comércio.

 

A grande incógnita é saber quando - e se - a renda vai começar a se desacelerar. No terceiro trimestre, há a data-base de categorias de trabalhadores importantes, como metalúrgicos, bancários e petroleiros. O nível dos reajustes a serem obtidos dará uma ideia da persistência do aquecimento desse mercado. Borges estimou a defasagem com que o mercado de trabalho responde aos movimentos do IBC-Br, e encontrou um prazo médio de 4,1 meses. Isso significa que os resultados fracos do índice de atividade econômica do BC em maio e junho devem se fazer sentir com mais força no emprego e na renda perto do fim do ano, acredita ele.

 

O crédito, por sua vez, dá algum sinal de perda de fôlego. Cálculos da LCA mostram que, de janeiro a julho, o fluxo de novas concessões de crédito para a pessoa física cresceu 5,9% em relação aos primeiros sete meses de 2010. No mesmo período do ano passado, o aumento foi de 14,4% na mesma base de comparação. As concessões para empresas tiveram alta de 1,95% de janeiro a julho, pouco abaixo dos 2,3% de igual intervalo de 2010. Já o crescimento do saldo total de empréstimos em julho foi de 19,8% sobre julho de 2010, um ritmo bastante forte.

 

Para Rabi, as medidas macroprudenciais atingiram apenas parcialmente o seu objetivo. Borges acredita que o nível de inadimplência mais alto e o impacto do cenário internacional mais adverso podem levar os bancos a serem mais cautelosos na hora de conceder empréstimos.

 

O consumo de energia elétrica mostra a desaceleração. A LCA calcula a evolução desse consumo excluindo a influência da temperatura. Nos 12 meses até julho, o crescimento foi de 4,4%, abaixo dos 7,7% do ano passado.

 

Um fator que pode contribuir para a economia perder ainda mais fôlego é o efeito da piora do quadro internacional sobre o país. Ainda que o Brasil exporte pouco - o equivalente a cerca de 13% do PIB -, um crescimento menor nos países desenvolvidos deve afetar a demanda por produtos brasileiros. A crise também pode fazer com que os bancos sejam mais cautelosos na concessão do crédito, como diz Borges, que estima uma expansão do PIB de 3,4% neste ano, mas acha possível algo como 3%. Vale deve revisar a sua previsão de 4,2% para 3,8%, tanto pela questão da crise quanto pelo mau desempenho da indústria.

 

Já a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, revisou a sua estimativa de 3,9% para 3,5%, por causa da indústria, e não pelo quadro externo. Para ela, "se o cenário internacional continuar como está, a contaminação será mínima em termos de confiança e canal de crédito. As variáveis que sustentam o consumo interno continuam muito dinâmicas".

 


Veículo: Valor Econômico


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