Crise impõe uma política fiscal apertada, diz Mantega

Leia em 4min

O agravamento da crise mundial impõe ao governo brasileiro uma política fiscal apertada, de forma a abrir espaço para a redução das taxas de juros - essa sim, a saída mais indicada para o combate ao eventual contágio da crise externa. Essa é a política econômica que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deseja perseguir nos próximos anos, e que foi apresentada ontem aos senadores na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Antes de abrir para perguntas dos parlamentares, Mantega aproveitou para passar a mensagem: o governo espera contar com muita moderação dos congressistas nas aprovações de projetos que aumentam os gastos da União.

 

"É importante que o Brasil se distinga dos outros países, e, para isso, precisamos conter novos gastos de custeio, o que é muito difícil, mas faço um apelo nessa casa para que os senadores nos ajudem a manter essa solidez fiscal", disse Mantega, que citou dois projetos cruciais para as contas públicas: "A aprovação da PEC 300 e a não aprovação da DRU é algo delicado", afirmou.

 

A proposta de emenda constitucional 300 cria um piso nacional para policiais civis, com seus efeitos multiplicadores nos Estados e municípios, com gastos adicionais estimados em R$ 35 bilhões. A Desvinculação das Receitas da União (DRU) permite ao governo remanejar o equivalente a 20% da arrecadação "carimbada" (de destinação obrigatória) em segmentos como saúde e educação. A PEC 300 está em votação no Congresso e o governo é frontalmente contrário à sua aprovação. Já a DRU caminha para extinção - criada em 1993, ela tem vigência até dezembro deste ano.

 

O aperto fiscal perseguido pela Fazenda desde o início do governo Dilma Rousseff resultou, até agora, no cumprimento de um superávit primário duas vezes superior ao realizado no ano passado. No primeiro semestre do ano, o governo central (dado que exclui Estados e municípios) realizou o superávit primário de R$ 55,5 bilhões, enquanto em igual período de 2010, o aperto foi de R$ 24 bilhões. E o déficit nominal do Brasil, comparou Mantega, é muito inferior aos 4% até 10% dos países ricos em proporção do PIB.

 

Esse aperto já gerou incômodo em parlamentares. Em junho, a primeira articulação de Ideli Salvatti à frente do Ministério de Relações Institucionais foi convencer Mantega a liberar R$ 900 milhões em recursos referentes a emendas parlamentares contidas como restos a pagar de 2009, que ainda não tinham sido liberados. Mantega trancou o quanto pode os restos a pagar e deverá começar a liberá-los a partir de agora.

 

A atividade econômica, avalia o governo, já respondeu aos apertos promovidos na política econômica. Ele afirmou ontem que a estimava da Fazenda é de que o Produto Interno Bruto (PIB) tenha aumentado 0,8% entre o primeiro e o segundo trimestre - 0,5 ponto percentual abaixo do 1,3% registrado no primeiro trimestre. Até o fim da semana passada, os técnicos da Fazenda trabalhavam com no máximo 1% no segundo trimestre. O ministro reduziu suas estimativas e disse que o ritmo do terceiro trimestre será próximo ou ainda um pouco inferior ao do segundo trimestre, antes de um salto maior, provavelmente em torno ou mesmo superior a 1%, no quarto trimestre.

 

Mantega manteve a estimativa oficial de que o PIB crescerá 4,5% neste ano, mas cedeu, pela primeira vez, quanto à revisão desse valor. "Se as condições externas piorarem mais, ao longo deste segundo semestre, o PIB pode crescer menos, mas não ficará abaixo de 4%, conseguiremos ficar em torno desse patamar", afirmou. Destacou, ainda, a ampliação do SuperSimples e a nova política industrial, o programa Brasil Maior, como iniciativas que servirão para contrabalançar internamente os efeitos negativos da crise externa.

 

No depoimento, o ministro também defendeu a necessidade de proteger a indústria nacional, que ele considera ameaçada pela concorrência externa. "Hoje temos um déficit comercial de US$ 82 bilhões anuais em manufaturados, estamos sofrendo e não podemos permitir que a indústria brasileira seja extinta, pois um país que não tem indústria não gera emprego, e não tem desenvolvimento tecnológico", disse Mantega.

 

As turbulências no mercado financeiro internacional, avalia Mantega, podem se agravar caso a crise deixe o foco atual - o elevado endividamento dos Estados nos países ricos - e volte para os bancos, de onde a crise partiu, no fim de 2008. Nesse caso, não só o contágio será muito maior, como, "decisivamente", a política anticíclica que o governo adotará será monetária, com a redução da taxa de juros.

 

Veículo: Valor Econômico


Veja também

Estoques ficam acima do previsto em quase 80% dos setores industriais

A acumulação de estoques pela indústria acelerou-se em julho, apontando para uma produç&atil...

Veja mais
Fabricantes de bens duráveis lideram aumento de importações

Os fabricantes de bens de consumo duráveis predominam entre os grandes importadores que apresentaram ritmo mais v...

Veja mais
Emissão de cheque sem fundo tem alta no país

Dos 80,8 milhões de cheques compensados no país em julho, 1,6 milhão foi devolvido por falta de fun...

Veja mais
Receita Federal aperta o cerco das importações brasileiras

O subsecretário de Aduana e Relações Internacionais da Receita Federal, Ernani Checcucci, afirmou q...

Veja mais
Varejo aperta crédito temendo incertezas

Com um cenário incerto, empresas como Salfer e Gazin adotam medidas mais conservadoras na aprovação...

Veja mais
Intenção das famílias é continuar a gastar

A intenção de consumo das famílias brasileiras voltou a crescer em agosto, com alta de 2,5% em rela...

Veja mais
Alimentos puxam volta da inflação

Os três índices de inflação divulgados nesta semana confirmaram que o começo de agosto...

Veja mais
Governo revisa projeções e espera PIB menor este ano

Cenário externo e medidas do BC tornam 4,5% mais difícil   O governo deve rever, para baixo, a expe...

Veja mais
Preço de alimentos tem variação de 87%

A família da região que quiser economizar na compra da cesta básica terá de percorrer os sup...

Veja mais