O agravamento da crise mundial impõe ao governo brasileiro uma política fiscal apertada, de forma a abrir espaço para a redução das taxas de juros - essa sim, a saída mais indicada para o combate ao eventual contágio da crise externa. Essa é a política econômica que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deseja perseguir nos próximos anos, e que foi apresentada ontem aos senadores na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Antes de abrir para perguntas dos parlamentares, Mantega aproveitou para passar a mensagem: o governo espera contar com muita moderação dos congressistas nas aprovações de projetos que aumentam os gastos da União.
"É importante que o Brasil se distinga dos outros países, e, para isso, precisamos conter novos gastos de custeio, o que é muito difícil, mas faço um apelo nessa casa para que os senadores nos ajudem a manter essa solidez fiscal", disse Mantega, que citou dois projetos cruciais para as contas públicas: "A aprovação da PEC 300 e a não aprovação da DRU é algo delicado", afirmou.
A proposta de emenda constitucional 300 cria um piso nacional para policiais civis, com seus efeitos multiplicadores nos Estados e municípios, com gastos adicionais estimados em R$ 35 bilhões. A Desvinculação das Receitas da União (DRU) permite ao governo remanejar o equivalente a 20% da arrecadação "carimbada" (de destinação obrigatória) em segmentos como saúde e educação. A PEC 300 está em votação no Congresso e o governo é frontalmente contrário à sua aprovação. Já a DRU caminha para extinção - criada em 1993, ela tem vigência até dezembro deste ano.
O aperto fiscal perseguido pela Fazenda desde o início do governo Dilma Rousseff resultou, até agora, no cumprimento de um superávit primário duas vezes superior ao realizado no ano passado. No primeiro semestre do ano, o governo central (dado que exclui Estados e municípios) realizou o superávit primário de R$ 55,5 bilhões, enquanto em igual período de 2010, o aperto foi de R$ 24 bilhões. E o déficit nominal do Brasil, comparou Mantega, é muito inferior aos 4% até 10% dos países ricos em proporção do PIB.
Esse aperto já gerou incômodo em parlamentares. Em junho, a primeira articulação de Ideli Salvatti à frente do Ministério de Relações Institucionais foi convencer Mantega a liberar R$ 900 milhões em recursos referentes a emendas parlamentares contidas como restos a pagar de 2009, que ainda não tinham sido liberados. Mantega trancou o quanto pode os restos a pagar e deverá começar a liberá-los a partir de agora.
A atividade econômica, avalia o governo, já respondeu aos apertos promovidos na política econômica. Ele afirmou ontem que a estimava da Fazenda é de que o Produto Interno Bruto (PIB) tenha aumentado 0,8% entre o primeiro e o segundo trimestre - 0,5 ponto percentual abaixo do 1,3% registrado no primeiro trimestre. Até o fim da semana passada, os técnicos da Fazenda trabalhavam com no máximo 1% no segundo trimestre. O ministro reduziu suas estimativas e disse que o ritmo do terceiro trimestre será próximo ou ainda um pouco inferior ao do segundo trimestre, antes de um salto maior, provavelmente em torno ou mesmo superior a 1%, no quarto trimestre.
Mantega manteve a estimativa oficial de que o PIB crescerá 4,5% neste ano, mas cedeu, pela primeira vez, quanto à revisão desse valor. "Se as condições externas piorarem mais, ao longo deste segundo semestre, o PIB pode crescer menos, mas não ficará abaixo de 4%, conseguiremos ficar em torno desse patamar", afirmou. Destacou, ainda, a ampliação do SuperSimples e a nova política industrial, o programa Brasil Maior, como iniciativas que servirão para contrabalançar internamente os efeitos negativos da crise externa.
No depoimento, o ministro também defendeu a necessidade de proteger a indústria nacional, que ele considera ameaçada pela concorrência externa. "Hoje temos um déficit comercial de US$ 82 bilhões anuais em manufaturados, estamos sofrendo e não podemos permitir que a indústria brasileira seja extinta, pois um país que não tem indústria não gera emprego, e não tem desenvolvimento tecnológico", disse Mantega.
As turbulências no mercado financeiro internacional, avalia Mantega, podem se agravar caso a crise deixe o foco atual - o elevado endividamento dos Estados nos países ricos - e volte para os bancos, de onde a crise partiu, no fim de 2008. Nesse caso, não só o contágio será muito maior, como, "decisivamente", a política anticíclica que o governo adotará será monetária, com a redução da taxa de juros.
Veículo: Valor Econômico