Questão de ritmo

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Minimizar os impactos da recessão econômica que se avizinha e estabelecer uma agenda emergencial que recoloque o país no caminho da liquidez e da oferta de crédito são os principais pontos da Carta da Indústria, documento que sintetiza os debates e as recomendações de mil dirigentes sindicais industriais, presidentes de federações e empresários que participaram do 3º Encontro Nacional da Indústria (Enai), dias 28 e 29 de outubro, em Brasília. 

 

"A indústria pede urgência. É dever do Executivo e do Congresso preparar o país para enfrentar melhor o novo ambiente", diz a carta assinada pelos empresários. "A capacidade de o Brasil crescer será tanto maior, quanto maior for a melhoria do ambiente em que as empresas operam." O documento também defende avanços na agenda estrutural de longo prazo, com prioridade para a reforma tributária - simplificação do sistema de cobrança de impostos e desoneração das exportações e investimentos. 

 

Para o Brasil enfrentar a escassez de crédito e as turbulências externas, os representantes da indústria sugerem cinco ações emergenciais. Ampliar, em caráter excepcional, o prazo de recolhimento dos tributos para reduzir as necessidades imediatas de capital de giro das empresas, sem representar perda de arrecadação para o governo, é uma delas. Agilizar a compensação de créditos tributários federais no pagamento de contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), permitindo a utilização dos créditos por declaração das empresas é outra. 

 

Reduzir as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de crédito para evitar maior retração no volume de financiamentos; disciplinar a utilização dos recursos das reservas internacionais do Banco Central para assegurar o acesso das empresas às linhas de financiamento às exportações; e adequar os instrumentos oficiais de financiamento para exportação às necessidades das empresas, com a ampliação dos recursos destinados às linhas oficiais e redução dos custos complementam a lista. 

 

O documento lembra que a economia brasileira está menos vulnerável às crises externas, porque o país adotou políticas e fez reformas que garantiram a manutenção da estabilidade e a integração ao mercado internacional. "Fortalecer esses ativos é o melhor caminho para ultrapassar esse momento", sugerem os empresários que apontam seis ações estruturantes para aumentar a capacidade de resposta da economia a crises externas e estimular o crescimento. Entre as propostas estão: reforma tributária que simplifique o sistema de arrecadação de impostos e desonere os investimentos e as exportações; redução dos gastos correntes do governo e prioridade para os investimentos públicos na área de infra-estrutura. 

 

As iniciativas sugeridas incluem ainda a redução de encargos e fim da insegurança jurídica nos contratos de trabalho; melhora na logística e aperfeiçoamento de marcos regulatórios da infra-estrutura, como a aprovação da Lei do Gás e de regras de modernização das administrações portuárias; promoção da agenda da produtividade e da inovação. Por último, aperfeiçoamento do marco regulatório ambiental. 

 

Durante o Enai, a abordagem das questões conjunturais do país teve como foco os efeitos da crise financeira mundial. O debate reuniu dirigentes industriais, governo e oposição. A reivindicação de prazo maior para o pagamento dos tributos veio do empresariado, que defende a medida como meio de enfrentar a crise financeira internacional. 

 

O debate reuniu o deputado Armando Monteiro, presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), o ministro Guido Mantega, da Fazenda, os senadores Aloísio Mercadante (PT-SP) e Tasso Jereissati (PSDB-CE), o empresário e presidente do grupo Gerdau, Jorge Gerdau, e o diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas, Carlos Geraldo Langoni. 

 

Para Aloísio Mercadante, a crise financeira internacional "exigirá respostas sem precedentes". Ele considera prioritário no combate à crise o restabelecimento das linhas de crédito, a estabilidade do câmbio e a manutenção dos investimentos. 

 

O presidente da CNI identificou na crise de liquidez o principal reflexo na economia do país. "É necessário colocar mais liquidez nas pequenas empresas", disse o presidente da CNI. 

 

Jorge Gerdau avalia que neste momento é necessário que o governo corte gastos e aumente os investimentos. "Uma economia em crise tem que utilizar instrumentos do governo", disse. "Este é quem deve dar gás ao país. Para isso é necessário dinheiro em caixa, mas isso não deve ser feito por meio do aumento de impostos e sim de um bom gerenciamento." 

 

Jereissati cobrou empenho na comunicação. "O governo tem falhado na comunicação, deixando a população e o sistema produtivo apreensivo. Primeiro declara-se que é uma pequena crise, em seguida toma medidas intervencionistas para segurar a economia." Mantega reconheceu que algumas das ações tomadas pelo governo para enfrentar a crise não foram tão ágeis. "Certas medidas demoram porque temos de nos adaptar e não podemos fazer nada que fuja à legislação", explicou o ministro. "Se tomarmos certas decisões poderemos mais tarde ser imputados e teremos que responder por inadequação da lei." 

 

O presidente da CNI defendeu a necessidade de o Congresso Nacional se concentrar em uma agenda mínima. Monteiro lembrou que o projeto de reforma tributária continua em debate e que o país precisa avançar nas questões dos marcos regulatórios. 

 

Sobre o pedido dos empresários para que haja um maior prazo no recolhimento dos tributos, Mantega afirmou que o governo avalia a ampliação do prazo como medida de preservação do capital de giro das empresas, mas lembrou que o impacto na arrecadação do governo precisa ser ponderado. 

 

A proposta que dá mais prazo para as empresas pagarem tributos, de acordo com os argumentos do presidente da CNI, elevaria imediatamente a liquidez, o que não ocorreu ainda, por exemplo, com a redução dos depósitos compulsórios dos bancos, cujos efeitos na oferta de crédito ainda não são sentidos. "Ampliar o prazo do pagamento dos impostos é uma decisão sábia e não significa renúncia fiscal. Tem caráter extraordinário e efeito horizontal, beneficiando todas as empresas", comentou Monteiro Neto. 

 

O ex-presidente do Banco Central, economista Carlos Langoni, ponderou durante o debate que, no atual momento de crise, é preciso resistir à atração fatal da heterodoxia. "Não podemos cair no populismo fiscal como fizeram muitos países vizinhos." O ex-presidente do BC considera que o ponto mais importante não é saber se vai ou não haver desaceleração da economia, mas sair o mais rapidamente possível da crise. 

 

Mercadante defendeu a união de todos para enfrentar a crise, lembrando que as eleições "já acabaram" e que o país necessita de um grande pacto nacional "ou vamos pagar um preço muito alto". Ele defendeu também a necessidade de o Brasil cortar gastos e aumentar a eficiência do Estado. 

 

O encerramento do 3º Enai contou com as presenças do vice-presidente da República, José Alencar, dos presidentes da Câmara e do Senado, Arlindo Chinaglia e Garibaldi Alves Filho, e dos ministros da Educação e do Trabalho. Chinaglia sugeriu uma reunião entre representantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI), líderes do governo e da oposição no Congresso para discutir medidas emergenciais e reformas estruturais necessárias para o Brasil superar a crise mundial e manter o crescimento econômico. "Há espaço para a discussão", disse. Já o presidente do Senado defendeu a conclusão da reforma tributária. "Somente ela poderá amenizar os efeitos da crise. Ela está a nosso alcance. Só depende da vontade política." 

 

Veículo: Valor Econômico


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