Investidores temem calote da dívida grega e fogem para a moeda americana; alta em 2011 atinge 3% e já há quem projete efeito na inflação
Pela primeira vez em 2011, o dólar encerrou um dia valendo mais de R$ 1,70. Em meio às tensões provocadas pela crise europeia, a moeda americana teve a sétima valorização em oito sessões e fechou a segunda-feira cotada a R$ 1,715, alta de 2,02%. No ano, acumula avanço de 3,06% ante o real.
Ninguém se arrisca a dizer que a tendência de subida veio para ficar - depende da própria evolução da crise. Mas uma coisa é certa: por ora, o cenário em que a moeda poderia se aproximar de R$ 1,50, que tanto preocupava o governo, está descartado.
O desconforto causado pela forte valorização da moeda já leva alguns analistas a pedir mudança de atitude do Banco Central (BC), que continua comprando dólares no mercado. "Já era para ter parado (de comprar)", disse Nathan Blanche, sócio da Tendências Consultoria. "O BC tem de se preparar para começar a vender."
Segundo ele, o BC adquiriu cerca de US$ 4,5 bilhões em agosto. Em setembro, porém, o ritmo diminuiu. Nos dias 1 e 2, a média diária de compras segundo o próprio BC foi de US$ 36,5 milhões, ante US$ 83 milhões na última semana de agosto.
O temor de especialistas como Blanche é o efeito que o câmbio mais desvalorizado pode ter na inflação, que já está pressionada. O dólar mais caro afeta os preços dos importados.
Nas contas dos analistas da Tendências, se o dólar permanecer na faixa de R$ 1,70, a estimativa para o IPCA de 2011 vai para 6,81%, ante 6,60% no cenário com a moeda em R$ 1,60. IPCA é o índice oficial de inflação, cuja meta anual é de 4,5%, com margem de tolerância de dois pontos para cima ou para baixo.
O vice-presidente de Tesouraria do Banco WestLB, Ures Folchini, aponta quatro razões para a recente valorização da moeda americana. A primeira é uma mudança cada vez mais evidente no chamado mix de política econômica do governo Dilma, que privilegia o crescimento em detrimento da inflação na meta.
É por isso que o BC já teria iniciado, há duas semanas, uma sequência de quedas do juro básico (Selic), de 12,50% para 12% ao ano. O segundo fator diz respeito às ações do governo para conter a alta do real ante o dólar.
O terceiro ponto é um movimento de empresas de remeter dinheiro para as matrizes no exterior. Por fim - razão que preponderou ontem -, a crise europeia. "Hoje (ontem) há clara aversão ao risco", afirmou.
Crise sem fim. O medo dos investidores cresceu no fim de semana por causa dos rumores de que a Grécia poderia decretar um calote de sua dívida pública, o que agravaria ainda mais a crise na zona do euro. Se a Grécia não honrar seus compromissos, haverá impacto no sistema bancário, que tem pesada exposição a títulos gregos. Como não há estimativa confiável do tamanho dessa exposição, teme-se que, em breve, a região volte a viver um cenário semelhante ao de 2008: o chamado credit crunch.
Em outras palavras, bancos param de emprestar para outros bancos com medo de não receber o dinheiro de volta. Com isso, interrompe-se o crédito e trava-se a atividade econômica.
Ontem, as bolsas europeias tiveram expressivas quedas. No Brasil e nos EUA, a tensão arrefeceu depois de o Financial Times informar que a China estuda comprar bônus da Itália, outro país sob pressão. O Índice Bovespa perdeu 0,17%. Nos EUA, o Índice Dow Jones subiu 0,63%.
Veículo: O Estado de S.Paulo