Ata de reunião do BC justifica recente corte pelo agravamento da crise internacional, mas é questionada e acirra polêmica sobre decisão
O Banco Central cortou o juro de 12,5% para 12% ao ano porque acredita que a crise internacional vai reduzir o ritmo da economia e, assim, a inflação deve desacelerar nos próximos meses. A ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) - que surpreendeu o mercado ao cortar a taxa - revela que o colegiado reavaliou, substancialmente para pior, as perspectivas do cenário externo.
O Copom acredita que a recente deterioração da economia global deve provocar impacto no Brasil equivalente a um quarto da crise de 2008. Além disso, os atuais problemas serão mais persistentes, ainda que menos agudos, que os daquela época.
Divulgado ontem, o documento foi recebido com desconfiança pelos analistas, que esperavam mais elementos para entender a nova avaliação do quadro externo e a inesperada queda do juro. Sem novos argumentos, porém, o texto não convenceu boa parte dos economistas. Houve quem enxergasse contradição quando o BC cortou juros ao mesmo tempo que elevou as projeções de inflação deste ano.
No mercado, cresce a percepção de que a Selic deve continuar em queda até o fim do ano, com pelo menos mais dois cortes de 0,5 ponto porcentual. Muitos, porém, acreditam que o BC será forçado a aumentar os juros em 2012 para segurar a inflação.
A ata repetiu argumentos usados no comunicado divulgado após a reunião. Segundo a ata, o ambiente econômico mudou "substancialmente" desde julho. "De modo a justificar uma reavaliação, e, eventualmente, reversão, do recente processo de elevação da taxa básica."
Pelas contas do BC, o turbulento quadro externo reduzirá a velocidade do Brasil porque diminuirá o comércio exterior, reduzirá os investimentos internacionais, tornará o crédito mais restritivo e ainda piorará a confiança de famílias e empresários. Um dos resultados já pode ser comprovado, diz o BC, na queda das previsões de crescimento da economia doméstica.
Nesse ambiente, a inflação deve desacelerar para "patamar inferior ao que seria observado caso não fosse considerado o efeito da crise". Tal mudança de ritmo deve acontecer, segundo a ata, mesmo com a alta do dólar e a redução do juro.
"A ata não trouxe mais informações e as incertezas continuam existindo. O documento apenas reforçou a avaliação de que o BC entende que há mais espaço para corte do juro", diz o economista-chefe do Santander Brasil, Maurício Molan.
O documento mostra ainda mudança nas referências utilizadas pelo Banco Central. Normalmente, o BC trabalha com dois cenários: de "referência" (feito com base na manutenção do dólar e juro) e de "mercado" (conforme projeções dos analistas). A ata revela que ganha espaço um terceiro cenário, o "alternativo", que começou a ser divulgado há alguns meses e foi detalhado, pela primeira vez, ontem.
BC acha que fortalecimento da economia permite juro real menor
Segundo fonte do governo, taxa ''neutra'', que não estimula nem desestimula o desempenho da economia, está entre 4% e 6%
O Banco Central (BC) considera que a taxa de juros real neutra da economia brasileira se situa na metade inferior das estimativas do mercado apresentadas no Relatório de Inflação (RI) de setembro de 2010. Isso significa entre 4% e 6%, acima da inflação. A informação é de uma fonte do governo.
A taxa de juros neutra é aquela que nem estimula nem desestimula a economia, e é muito importante para a política monetária. Quando o BC quer conter a demanda para frear a inflação, ele regula a Selic, a taxa básica de juros, para uma posição acima do juro neutro. No caso de risco de desaceleração muito forte e queda da inflação abaixo da meta, o procedimento é inverso. Se a economia está em velocidade de cruzeiro, com a inflação tendendo ao centro da meta (4,5%), a Selic tende a ficar próxima da taxa neutra. Em todos os casos, quanto maior for o juro neutro, maior será a Selic.
Estimativas. No RI de setembro, o BC divulgou os resultados da sondagem que fez no mercado sobre estimativas da taxa real neutra. Quase todas as estimativas variaram entre 4% e 8%, com uma concentração entre 6% e 6,5%. Para o BC, está claro que a razão está com o grupo que estimou a taxa neutra de 4% a 6%.
Supondo que a inflação nos próximos 12 meses fique em 5,5%, uma taxa de juros real neutra de 8% implica juros nominais interbancários próximos a 14% (e a Selic teria de ficar perto deste patamar). Se a taxa real neutra for de 6%, os juros nominais já caem para pouco menos de 12%. Se for de 4%, para cerca de 9,7%. Hoje, a Selic está em 12%. Já a taxa de juros real efetiva nas operações interbancárias de um ano está um pouco abaixo de 5%.
Na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem, o BC enfatizou a importância da queda da taxa de juros neutra ao longo dos últimos anos: "Como consequência da estabilização e da correção de desequilíbrios, as quais determinaram mudanças estruturais importantes, o processo de amadurecimento do regime de metas se encontra em estágio avançado, e isso se reflete favoravelmente na dinâmica da taxa de juros neutra e na potência da política monetária".
A potência da política monetária é o poder que mudanças na Selic têm de esfriar ou aquecer a economia, para, respectivamente, conter a inflação ou evitar uma desaceleração muito drástica. Segundo a ata, a evolução do mercado financeiro e a redução da inflação e da instabilidade cambial contribuíram para reduzir a taxa neutra.
O alongamento dos contratos também é citado como fator que aumenta a potência da política monetária.
Dois outros fatores importantes para o BC, em termos de redução dos juros neutros no Brasil, são a melhora comparativa dos fundamentos brasileiros em relação ao resto do mundo (a crise dos países ricos contribui) e o compromisso fiscal do governo.
O Banco Central está ancorando toda a sua estratégia na visão de que o governo terá um desempenho fiscal bem firme até o final do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Para o BC, o governo se comprometeu a realizar superávit primário (exclui pagamento de juros) de 3% a 3,1% do PIB, sem ajustes, até 2014. Os ajustes, no caso, significam a exclusão de certas despesas, como investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da contabilidade do superávit primário.
Segundo a mesma fonte do governo, o BC também ficou encorajado com o aumento da meta de superávit primário em 2011 em R$ 10 bilhões, que deve levá-la para cerca de 3,15% do PIB.
O BC não trabalha com a hipótese de que o governo não cumprirá seus compromissos fiscais. Em relação à conjuntura internacional, cuja piora justificou o corte de 0,5 ponto da Selic na semana passada, o BC considera equivocada a visão de que aposte em desdobramentos catastróficos. Na ata, está mencionado um cenário alternativo, cujos efeitos correspondem a 25% do ocorrido na crise de 2008 e 2009. Esse cenário teve bastante relevância para a decisão do Copom.
Em termos de comunicação com o mercado, o BC não acha que tenha feito nada "fora das regras do jogo". Em circunstâncias excepcionais, pode haver mudanças bruscas da política monetária, sem tempo para todos os rituais habituais de comunicação.
Veículo: O Estado de S.Paulo