Pílulas de efeito placebo

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Há no mercado brasileiro uma segunda onda de adoção das "pílulas de veneno". Mas nesse movimento recente as pílulas têm duas particularidades: em geral são mais brandas - por isso, chamadas de "placebo" - e a decisão de adotá-las partiu da administração da empresa, não de controladores.

 

A mais nova adepta dessa versão é a empresa de administração de shopping centers BR Malls. A companhia quer adicionar ao seu estatuto social uma cláusula que obriga a realização de uma oferta pelo investidor que alcançar 20% do capital, pelo maior preço pago pelo papel nos últimos 12 meses. Com capital integralmente pulverizado, a empresa não conseguiu quórum para aprovar a medida na assembleia agendada para 1º de setembro e deve tentar novamente em uma segunda convocação.

 

Assim como a BR Malls, a Gafisa, cujas ações também estão totalmente dispersas na bolsa, adotou em junho regra semelhante, com gatilho para oferta em 30% e preço estabelecido em laudo com base no valor econômico.

 

De alguma maneira, ambas se parecem com o que a BM&FBovespa tentou, mas não conseguiu aprovar na reforma do Novo Mercado, quando pretendia padronizar para as que não tinham pílula uma regra que obrigaria oferta com gatilho de 30%, pelo maior preço pago pelo ofertante nos últimos 12 meses.

 

Por conta disso, Carlos Alberto Rebello, diretor de regulamentação da BM&FBovespa, explicou que essas pílulas são chamadas de "placebo". "Elas não têm veneno", disse ele, referindo-se aos elevados prêmios previstos para as ofertas da onda anterior das pílulas, adotadas no boom das aberturas de capital de 2007. "Essas mais novas não são barreiras instransponíveis para compra da empresa", acredita. Para o executivo, nas versões mais modernas, as pílulas democratizam o "ímpeto de compra".

 

A Ultrapar, que migrou para o Novo Mercado em agosto, chegou com a pílula placebo, com gatilho de 20%. Ao fazer a conversão de preferenciais para ordinárias, a controladora Ultra ficou com apenas 24% do capital.

 

Na opinião de Carlos Motta, advogado do escritório Tauil & Chequer em associação com o Mayer Brown LLP, as pílulas que foram adotadas após as aberturas de capital partiram da administração da companhia, que buscam um conforto adicional para gerir os negócios com mais tranquilidade - sem tanto risco de uma oferta ou da formação de um novo controle que os afaste da administração.

 

Quando surgiram, em 2004, com a abertura de capital da Natura, as pílulas praticamente impediam que um investidor alcançasse uma participação relevante no capital da empresa. A própria Natura, contudo, foi a primeira a flexibilizar a sua pílula, retirando o veneno (prêmio) e adotando a versão "placebo", logo na época em que a BM&FBovespa fazia audiências sobre a reforma do Novo Mercado.

 

Na primeira onda, as pílulas serviam para convencer controladores, que temiam perder o comando do negócio, a abrir capital. Eram uma garantia de que nenhum investidor rivalizaria com eles em poder. Nessa nova temporada de adoção, essas cláusulas estão protegendo, em geral, as administrações. A preocupação, quando uma companhia quer adotar algo do tipo, deve ser se a gestão não está buscando um "encastelamento" - assegurar sua permanência à frente do negócio independentemente dos resultados apresentados aos investidores.

 

Na opinião de Pedro Rudge, sócio da Leblon Equities, gatilhos próximos de 20% são restritivos demais para investidores que estiverem interessados em formar uma grande posição numa companhia sem que isso signifique a busca pelo controle. Na opinião dele, o percentual de 30% sugerido pela BM&FBovespa no ano passado era mais razoável. O melhor, contudo, seria não ter nada. "Seria ótimo porque é o cenário de seleção natural. Só sofre oferta companhia mal administrada."

 

De qualquer forma, os especialistas não negam que as novas pílulas são mais bem redigidas e oferecem menos problemas potenciais. Alguns acreditam, inclusive, que só por elas se assegura que uma companhia listada no Novo Mercado e de capital pulverizado receba uma oferta por todo o capital. Caso contrário, a empresa poderia ou ter a formação de um novo bloco de controle sem oferta nenhuma ou receber uma proposta para apenas uma parcela do capital que garanta o controle.

 

Tanto que algumas companhias que chegaram ao mercado agora, sem um controlador definido e sem pílula de veneno, listam a situação como um fator de risco. É o caso, por exemplo, da Brazil Pharma. A companhia descreve a possibilidade de formação de alianças ou acordos entre acionistas que poderiam, inclusive, mudar a administração, as políticas e a estratégias do negócio.

 

A despeito de todas as discussões em torno das pílulas de veneno, elas ainda não foram testadas na prática. A empresa de telefonia GVT foi a que chegou mais próximo disso. Mas a Vivendi, para o lançamento de sua proposta de compra, solicitou a dispensa do cumprimento da regra e foi atendida.

 

Num outro caso, o da Cremer, por exemplo, a situação foi diferente. A companhia tinha pílula de veneno e capital pulverizado. Ainda em 2008, alguns acionistas solicitaram que ela fosse retirada e foram atendidos, com aprovação da mudança do estatuto em assembleia. Logo em seguida, um grupo de fundos assumiu o conselho de administração da empresa para fazer modificações e reformas na gestão.

 

Na opinião do jurista Modesto Carvalhosa, as pílulas brasileiras são "macunaímicas" porque só existem aqui e tinham por objetivo cobrir lacunas da Lei das Sociedades por Ações, feita apenas para o cenário de existência do controlador. Ele acredita que essas cláusulas ainda serão alvo de muitos problemas, pois ferem o princípio da livre negociação.

 

Otávio Yazbek, diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), disse que atualmente a autarquia não vê necessidade de regular as pílulas. Segundo ele, sem casos práticos, não há como prever os problemas potenciais, até mesmo porque há uma grande diversidade de modelos.

 

Veículo: Valor Econômico


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