A recente piora nos índices de inflação ainda não retrata a depreciação do real observada nas últimas semanas, concordam analistas consultados pelo Valor. Eles divergem, no entanto, sobre a influência que a desvalorização pode exercer no aumento de preços, assim como o prazo para que ela aconteça. Ontem, o dólar comercial fechou em R$ 1,708, alta de 1,78% em relação a sexta-feira. Em setembro, a moeda registra valorização de 7,59%. Para alguns economistas, a pressão em serviços tende a ser maior que a do dólar para a inflação doméstica.
A primeira medição de setembro do Índice de Preços ao Consumidor, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-Fipe) marcou 0,36%, leve recuo frente ao fechamento de agosto (0,39%), mas o indicador segue acima do de julho, que atingiu 0,30%.
A alimentação é o grupo com maior pressão, mas isso ocorre devido a fatores internos, como a entressafra da carne, afirma Antonio Comune, coordenador do IPC-Fipe. "Em geral, demora um pouco para o câmbio bater nos produtos", diz ele. Segundo o economista, os alimentos continuarão a elevar o indicador geral ao longo do ano, mas o índice não terá grandes oscilações no curto prazo em decorrência da valorização do dólar.
A desaceleração do segmento de alimentos (a alta passou de 0,92%, na última medição de agosto, para 0,89% na primeira deste mês) no IPC- Fipe, por exemplo, retrata o cenário que antecedeu a desvalorização do real nas últimas semanas. Para o sócio da RC Consultores, Fabio Silveira, a recente alta do dólar vai aparecer nos indicadores dentro de algumas semanas. "A tendência de baixa está dentro do esperado. O problema é que o preço das commodities está caindo em nível menor do que a valorização da moeda. Essa pressão inflacionária será sentida em um mês, a não ser que o Banco Central segure o câmbio."
Comune concorda que a depreciação do câmbio pressiona a inflação, mas diz que os efeitos serão sentidos somente no longo prazo, diferentemente do que acredita Silveira. Segundo estudo da Fipe, cada desvalorização ou valorização do real em 10% frente ao dólar tem impacto de um ponto percentual em igual sentido na inflação, mas apenas dentro de um ano.
O impacto na cadeia de eletrodomésticos, que tem componentes importados, por exemplo, demora a acontecer, porque já existe um estoque desses produtos dentro do país e as encomendas são feitas com antecedência. Por isso, diz ele, a alta de 2,38% nos eletrodomésticos no IPCA de agosto não foi efeito-câmbio. Ele acredita que a alta do aço explica o movimento, mais do que pressões de demanda.
Ele destaca, contudo, que há reflexos imediatos, mas com peso menor dentro dos índices de inflação, em itens importados prontos para consumo, como bacalhau, vinhos, castanhas etc. "Assim que o vendedor renovar seu estoque, já coloca um preço novo." De acordo com o pesquisador da Fipe, caso o câmbio feche o ano a R$ 1,70, como já preveem alguns analistas, isso terá impacto expressivo no IPCA somente no meio de 2012.
Por outro lado, há quem minimize os efeitos do câmbio. Para Fabio Ramos, economista da Quest Consultoria, outras variáveis são mais influentes na composição dos índices de inflação. "Hoje, ela [inflação] é dominada principalmente por produtos ligados ao setor de serviços e ao nível de desemprego. E em alimentação não entram na conta apenas os preços das commodities no mercado externo. Há também boa parte de produtos sazonais na composição", afirmou, para depois concluir que "atualmente o câmbio está mais valorizado do que as commodities", e "só vai haver problema, se esses produtos subirem junto com o câmbio."
Veículo: Valor Econômico