Dinheiro enviado por filiais no exterior para suas matrizes no país é o dobro dos investimentos brasileiros lá fora
Segundo especialistas, expansão mais forte e juros elevados no Brasil explicam remessas de US$ 21,7 bi para o país
O volume de dinheiro que multinacionais brasileiras trouxeram do exterior para o país entre janeiro e julho deste ano atingiu o recorde de US$ 21,7 bilhões.
A quantia equivale a quase o dobro do valor investido por essas empresas fora do país no mesmo período (US$ 11,2 bilhões). Essas cifras são registradas no balanço de pagamentos (que contabiliza transações do país com o resto do mundo) sob a categoria de investimento brasileiro no exterior.
Mas o movimento de entrada de recursos muito superior ao de saída por meio dessa conta é incomum. "Normalmente, é de se esperar que as quantias mais significativas sejam relacionadas a investimentos feitos pelas multinacionais brasileiras fora", afirma Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.
Os recursos que multinacionais brasileiras estão trazendo do exterior têm entrado no país principalmente com dois tipos de carimbo, que representam subdivisões da conta de investimento brasileiro no exterior.
O maior fluxo (US$ 14,3 bilhões nos primeiros sete meses do ano) representa quitação de dívidas que filiais tinham com suas matrizes brasileiras no passado.
Em segundo lugar, aparecem empréstimos novos, mas que estão sendo concedidos pelas filiais no exterior para suas matrizes no Brasil (quase US$ 5 bilhões entre janeiro e julho).
Para especialistas, esse fluxo é explicado pelo contraste entre os indicadores econômicos do Brasil e das nações desenvolvidas. Crise nos países ricos e expansão ainda forte no Brasil fazem com que alternativas de investimentos produtivos no país sejam atraentes.
Além disso, a grande diferença entre as taxas de juros praticadas no país e em nações desenvolvidas pode estar estimulando empresas a contrair empréstimos a custo baixo no exterior para fazer investimentos com retorno mais alto no Brasil.
"Esses fluxos de recursos parecem fazer sentido do ponto de vista de administração de caixa. Tomar recursos no exterior, a juros muito baixos, e aplicar aqui pode garantir retornos altos e ajudar a melhorar o resultado das multinacionais", diz Rogério Sobreira, professor da FGV.
Para José Kobori, consultor e professor do Ibmec, a maior internacionalização de empresas brasileiras ajuda a explicar o movimento. "É normal que as multinacionais brasileiras tragam parte dos lucros de volta, principalmente no contexto de demanda mais forte aqui." Segundo especialistas, caso a crise nos países desenvolvidos se agrave, é possível que o forte fluxo de entrada de recursos no país pela conta de investimento brasileiro no exterior perca força.
Um dos cenários possíveis é a ocorrência de um movimento contrário, de saídas de recursos do país sob forma de empréstimos das multinacionais brasileiras para socorrer suas filiais no exterior.
Isso ocorreu durante a crise de 2008, quando as múltis brasileiras emprestaram US$ 15,5 bilhões para suas filiais. Mas até agora não há sinal disso. Os empréstimos de múltis nacionais para seus braços no exterior somaram apenas US$ 411 milhões entre janeiro e julho.
Veículo: Folha de S.Paulo