Setores que lideram expansão sofrem baque em outubro

Leia em 6min 40s

A indústria brasileira começou a sofrer o impacto da crise financeira global na produção e nas encomendas em outubro, depois da forte expansão registrada em setembro. Os setores que mais puxaram o crescimento ao longo do ano - como o de máquinas agrícolas, o de aço e o automobilístico - são os primeiros a sentir o baque da turbulência, que contraiu o crédito e desvalorizou o câmbio. Foi em outubro que montadoras como Fiat, Honda, GM e Volkswagen decidiram dar férias coletivas a seus funcionários, sinalizando uma mudança no cenário que fez o setor acumular no ano, até setembro, uma alta de 17,57% na produção. Já segmentos que dependem mais da renda, como têxteis e calçados, tendem a levar mais tempo para serem atingidos. 

 

O setor de distribuição de aços planos teve um outubro ruim. O presidente da Rio Negro, Carlos Loureiro, estima que a distribuição do produto caiu cerca de 3% em relação ao mesmo mês do ano passado. É um resultado bastante fraco - em setembro, houve alta de 21,6% na mesma base de comparação. Loureiro acredita que o segmento pode terminar o ano com alta de 15% - antes do agravamento da crise, ele esperava um crescimento de pelo menos 20%, números que se amparavam na forte expansão registrada nos nove primeiros meses deste ano, na casa de 21%. "Além da contração do crédito, houve uma inversão de expectativas generalizada", diz Loureiro, relatando que em outubro o volume de encomendas recuou cerca de 20% sobre o mês anterior. 

 

Segundo ele, o setor sucroalcooleiro tem diminuído os pedidos e, em alguns casos, atrasado pagamentos. Por estar com estoques elevados, o segmento de autopeças também reduziu um volume razoável de encomendas, mas sem solicitar prorrogação de compromissos, diz Loureiro. Para ele, ainda é cedo fazer previsões para 2009, mas, visto de hoje, a manutenção da distribuição nos níveis de 2008 já seria positiva. 

 

Os fabricantes de máquinas e implementos agrícolas do Rio Grande do Sul também começaram a sentir em outubro o impacto negativo da crise sobre a disposição dos produtores rurais em investir em novos equipamentos. Segundo o presidente do sindicato das indústrias do setor, o Simers, Cláudio Bier, levantamentos preliminares indicam que o volume de encomendas caiu entre 10% e 15% no mês em comparação com o mesmo período do ano passado. 

 

"Não há mais aquela euforia que se tinha antes", diz o empresário. De acordo com ele, a desaceleração do mercado deve-se à contenção do crédito e à insegurança dos produtores, o que cria uma "incógnita" em relação ao cenário para 2009. A desaceleração, explica, é verificada tanto nos equipamentos mais caros quanto nos implementos mais simples, mas a previsão de que o setor deverá aumentar em 47% a 48% o faturamento no Estado neste ano está mantida. 

 

O sinal de alerta acendeu no fim do mês passado, quando a John Deere demitiu 200 funcionários da fábrica de colheitadeiras em Horizontina (RS). Na época, a empresa informou que a desaceleração da economia e o cancelamento de uma exportação de 300 máquinas para a Argentina haviam provocado a redução das estimativas de crescimento das vendas no ano fiscal de novembro de 2008 a outubro de 2009 de 30% para 11% sobre os 12 meses anteriores. 

 

Procurada pelo Valor, a John Deere não se manifestou ontem. O o presidente do Simers diz, porém, que as demissões em Horizontina foram "pontuais" e não devem ser seguidas por outras indústrias do setor pelo menos até o fim deste ano. Bier lembrou que a empresa havia contratado 300 pessoas nos três meses anteriores ao corte, à espera de vendas melhores, e que mesmo com a frustração das expectativas o saldo ainda é positivo. 

 

Em setembro, de acordo com os dados mais recentes da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), as exportações de colheitadeiras da companhia já caíram 48% em relação ao mesmo mês de 2007, para 93 equipamentos. Na linha de tratores, fabricados em Montenegro (RS), os embarques encolheram 50%, para 209 unidades. 

 

Na Tramontini, de Venâncio Aires (RS), fabricante de tratores de pequeno porte para a agricultura familiar, as vendas de outubro deste ano empataram com as do mesmo mês de 2007. A previsão original era de um crescimento de 13%, diz o gerente-comercial Júlio Cercal. "Mas consideramos um resultado excelente diante do quadro de contenção do crédito." Segundo o executivo, a expectativa agora é que os negócios em novembro e dezembro, meses tradicionalmente mais fortes para o setor, se recuperem e permitam o cumprimento da meta de vendas de 1,2 mil tratores no acumulado do ano, com alta de 30% sobre 2007. Para 2009, a estimativa preliminar é de uma alta de 35%, mas tudo vai depender do ritmo da liberação dos financiamentos, diz Cercal. 

 

Na CBC, fabricante de bens de capital sob encomenda, a crise ainda não causou transtornos relevantes. O diretor-adjunto comercial da CBC, João Arlindo Viteri, diz que a produção em outubro cresceu 20% sobre o registrado no mesmo mês de 2007. Ele mantém a previsão de que o faturamento vai aumentar 20% neste ano. "A meta não foi revisada, pois, em se tratando de bens de longa maturação, estamos faturando o que vendemos no ano passado e no início deste ano", afirma Viteri. Para 2009, a expectativa é vender 15% a mais do que em 2008. "Por enquanto, estamos mantendo o plano original", conta ele, observando, porém, que "alguns clientes estão postergando as decisões e os investimentos deverão atrasar um pouco em relação à previsão original, em função das incertezas do cenário atual". 

 

O setor de alimentos não espera grandes oscilações da produção. O gerente do departamento de economia e estatística da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), Amílcar Lacerda de Almeida, estima que, em outubro, a produção do setor tenha crescido por volta de 4% em comparação com igual mês do ano passado e ficado estável em relação a setembro. Segundo ele, a produção tem crescido entre 4% e 4,5% ao longo do ano e a expectativa é que o setor encerre 2008 com crescimento de 4,8%. "O setor de alimentação não costuma apresentar grandes variações por conta de crises internacionais", afirma Almeida, segundo quem não houve cancelamentos ou postergações de pedidos por parte do varejo, tampouco decisão de indústrias por antecipar as férias coletivas, que normalmente ocorrem após as festas de fim de ano. Ele estima, porém, crescimento menor na produção de alimentos em 2009, de até 3,5%, por conta da perspectiva de desaquecimento da economia. 

 

Com base em indicadores como o licenciamento de veículos, o consumo de energia elétrica e o nível de estoques, a LCA Consultores estima que em outubro houve uma queda de 1% em relação a setembro, na série livre de influências sazonais. As vendas de veículos caíram 4% em relação ao mês anterior, enquanto o consumo de energia teve alta de apenas 0,1%, diz o economista-chefe da LCA, Bráulio Borges. "Se esse número for confirmado, será um resultado ruim, mas não horroroso, levando em conta a instabilidade registrada no mês passado", afirma ele. 

 

Um indicador muito aguardado é o da produção e vendas de automóveis em outubro, a ser divulgado amanhã pela Anfavea. Em relatório, a economista Giovanna Rocca Siniscalchi, do Unibanco, diz que essa é uma informação importante para se conhecer o ritmo corrente da atividade. Segundo ela, os números da Anfavea indicarão o impacto das restrições de crédito num segmento em que os financiamentos significam cerca de 60% das vendas totais. 

 

Veículo: Valor Econômico


Veja também

Cidade de Aracruz sente os efeitos da crise na sua maior companhia

O prejuízo na Aracruz Celulose, causado pelas operações com derivativos, rompeu os limites das conv...

Veja mais
Orçamento limitado pode afetar socorro do governo

Mesmo com a previsão de um cenário de dificuldades na comercialização da nova safra, a parti...

Veja mais
Crise já reduz força das exportações e importações

O governo já tem os primeiros sinais do impacto da crise financeira mundial nos números do comércio...

Veja mais
Fusão cria megabanco de R$ 575 bi

Itaú e Unibanco surpreenderam os mercados ao anunciar a maior fusão da história bancária bra...

Veja mais
Taxa média de juros cobrada no campo chega a 21%, diz Guedes

Estudo apresentado pelo vice-presidente de Agronegócio do Banco do Brasil, Luis Carlos Guedes Pinto, durante reun...

Veja mais
Demanda recua e saldo cai para US$ 1,2 bilhão em outubro

A balança comercial brasileira já começou a refletir os efeitos da redução da demanda...

Veja mais
Discórdia na base atrasa votação de projeto que amplia o Supersimples

A disputa entre a líder do Partido dos Trabalhadores, senadora Ideli Salvatti (SC), e a base econômica do g...

Veja mais
Crise faz corrente comercial do País cair abaixo da média

A crise financeira internacional já reduziu a corrente de comercial brasileira. De acordo com dados do Minist&eac...

Veja mais
Carga tributária inibe a competitividade

Alíquotas elevadas, incidência do mesmo tributo em várias fases da produção com restri...

Veja mais