Varejo movido a crédito perde mais que setores que dependem de renda

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A contenção do crédito provocou uma inversão no crescimento das vendas do varejo na passagem do segundo para o terceiro trimestre. O varejo ampliado - que engloba as vendas de veículos, motos, partes, peças e material de construção - amargou queda de 0,7% no trimestre encerrado em setembro, na comparação com o trimestre anterior, segundo cálculos dessazonalizados feitos pela LCA Consultores.

Em igual período, as vendas do varejo restrito, que reúne os outros setores do comércio e que são mais influenciados pela renda, cresceram 1,5%. Nos três meses fechados em junho, o varejo ampliado havia avançado 2,1% sobre o primeiro trimestre do ano, enquanto o restrito cresceu apenas 1,1%.

O menor ímpeto nas concessões de crédito para compra de veículos, apontam economistas consultados pelo Valor, prejudicou as vendas do segmento. O setor de material de construção também está em desaceleração, mas menos acentuada do que no de carros. No varejo restrito, por outro lado, as vendas de eletrodomésticos foram impulsionadas pelos preços dos itens de linha branca, que estão em deflação, e os super e hipermercados tiveram resultado melhor do que no segundo trimestre.

No conjunto, o varejo encerrou o terceiro trimestre com crescimento moderado, em descompasso com a indústria, movimento que voltou a recrudescer em setembro, após o recuo de agosto. Em setembro, a produção industrial recuou 2% em relação a agosto, na série com ajuste sazonal, enquanto as vendas do comércio varejista restrito subiram 0,6% e as do ampliado (que inclui veículos e autopeças e material de construção) aumentaram 0,9%.

O economista-chefe da corretora Convenção Tullett Prebon, Fernando Montero, diz que o motivo estrutural para o descompasso é a perda de espaço do produto nacional para o importado no abastecimento do consumo, num cenário de câmbio valorizado demais. Agora, o ajuste de estoques na indústria também contribui para essa diferença de trajetória, afirma ele.

A média diária das concessões de crédito a pessoas físicas para a compra de veículos está estagnada desde julho, o que explica a queda nas vendas desses bens no terceiro trimestre, afirma o economista Paulo César Neves, da LCA. Após o pico de R$ 504 milhões, em outubro do ano passado, esse número caiu para cerca de R$ 425 milhões nos meses de julho e agosto. "Percebemos uma relação defasada do aperto monetário do início do ano, em função das medidas macroprudenciais e do aumento dos juros."

Para Fabio Ramos, da Quest Investimentos, o enfraquecimento das concessões é uma combinação de um fator "transitório" - a crise externa, que afeta a confiança dos bancos e dos consumidores - e de outro estrutural: o fim do período de boom do crédito verificado desde 2008, e um aparente esgotamento da ascensão de pessoas à classe C. "Há indícios fortes de que a fase mais intensa de incorporação de pessoas a essa classe perdeu força", sustenta Ramos.

Um sinal está no mercado de veículos, que também dá mostras de saturação. Segundo dados da Fenabrave compilados pela Quest, a média mensal de vendas de automóveis, que girava em torno de 150 mil entre 1995 e 2003, pulou para cerca de 250 mil em 2008 e 2009, atingindo seu pico (pouco mais de 300 mil) em 2010. Neste ano, a média está estagnada, com tendência de queda. "O efeito da pessoa que comprou o primeiro carro está se esgotando", observa o analista da Quest.

O crédito para a aquisição de bens duráveis excluindo-se veículos, por outro lado, continua crescendo, ainda que em ritmo mais tímido. De acordo com cálculos dessazonalizados e deflacionados pela LCA, a média diária de concessões de crédito para compra desses bens avançou de R$ 61 para R$ 64 milhões entre julho e setembro, após o pico de R$ 70 milhões registrado em novembro de 2010.

A deflação nos preços de eletrodomésticos também permitiu que as vendas continuassem avançando nesse segmento, explica Neves. Em setembro, o grupo aparelhos eletrônicos teve queda de 1,35% frente a agosto. O economista Thiago Carlos, da Link Investimentos, lembra que a indústria de linha branca acumulou estoques acima do desejado no período, o que pode ter motivado promoções em grandes redes varejistas.

Mesmo com uma inflação maior nos alimentos e um avanço menor no rendimento médio real no período, as vendas de híper e supermercados cresceram um ponto percentual entre o segundo e o terceiro trimestres. Os economistas ouvidos argumentam que as vendas nesse setor respondem pouco e muito lentamente à esses fatores, pois são menos sensíveis ao comportamento da atividade.

Olhando para o último trimestre do ano, a perspectiva é que o compasso do varejo continue moderado. "É um ritmo de descompressão. Isso vem sendo escancarado pela indústria desde o início do ano e agora já está em evidência no varejo", afirma Neves, para quem as vendas do comércio vão crescer 6,8% em 2011, após o salto de 10,9% no ano passado. "Não vejo uma melhora nas condições de crédito nem do mercado de trabalho que justifiquem uma alta forte no consumo", diz Carlos, da Link.


Veículo: Valor Econômico


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