Na economia, Dilma repete olhar de Lula sobre Cuba

Leia em 9min 20s

Sob pressão, a presidente Dilma Rousseff desembarca hoje em Havana, primeira escala de uma viagem de três dias ao Caribe. Para constranger o regime castrista, a oposição manifestou interesse em ter um encontro com a presidente. Ela também é cobrada a condenar a violação dos direitos humanos em Cuba. Dilma não fará nem uma coisa nem outra.

Numa hábil manobra da diplomacia brasileira, grande parte da pressão sobre a presidente se esvaziou depois que o Itamaraty concedeu o visto de entrada no país à blogueira Yoani Sánchez, que publica na internet o blog "Generacion Y", com duras críticas ao governo cubano, um dos últimos ícones da Guerra Fria em todo o planeta.

A concessão do visto foi uma forma de Dilma demonstrar que é diferente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há um ano, Lula estava na ilha, quando um dissidente cubano, Orlando Zapata Tamoyo, morreu na prisão, depois de 85 dias de greve de fome.

Em vez de condenar o regime por manter presos políticos e se manter impassível diante da greve, o ex-presidente causou constrangimento ao insinuar que Zapata não passava de um criminoso comum e apenas lamentar que uma pessoa se deixasse morrer por uma greve de fome.

A bola agora está com o governo cubano, que pode ou não conceder uma "permissão de saída" para Yoani participar do lançamento, na Bahia, no dia 10, de "Conexão Cuba-Honduras", um documentário sobre a liberdade de expressão, realizado pelo cineasta brasileiro Cláudio Galvão. Yoani é uma das protagonistas.

Uma infeliz coincidência marca a viagem de Dilma a Cuba: a morte de outro dissidente na prisão, Wilman Villar Mendonza, devido a complicações de saúde, depois de 56 dias de greve de fome. Mas será surpresa se Dilma receber algum dissidente ou fizer uma condenação da violação de direitos humanos em Cuba. No máximo a presidente pode repetir o que já falou no discurso de abertura da Assembleia Geral da Nações Unidas, quando afirmou que "há violações em todos os países, sem exceção".

Cuba e Haiti, etapa seguinte da viagem da presidente, transformaram-se em países estratégicos para o governo brasileiro na era PT. Tanto na gestão de Lula como agora, com Dilma, avalia-se que é uma questão de tempo a flexibilização nas relações de Havana com Washington.

Pode levar um, dois, dez ou 20 anos, mas quando isso ocorrer o país quer estar bem posicionado na ilha, cuja localização próxima aos EUA é considerada estratégica - a distância em relação a Miami é de 150 quilômetros. Com o fim do embargo, Cuba reúne todas as condições para se tornar um entreposto de distribuição e comércio para toda a região do Caribe e porta de entrada para os Estados Unidos.

A principal aposta do governo brasileiro - e de Cuba -, nesse novo contexto, é a construção do porto de Mariel, a cerca de 50 quilômetros de Havana, cujas obras serão visitadas por Dilma. Trata-se de investimento de aproximadamente US$ 1 bilhão, a maior parte em execução pela construtora Odebrecht, com financiamento do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

No dia 25 deste mês, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovou a liberação de uma parcela de US$ 230 milhões do financiamento para as obras, projeto que, no total, deve chegar a US$ 600 milhões. Esse valor equivale só à parte brasileira das obras. Na região do porto de Mariel, os cubanos também pretendem instalar um polo industrial. A Odebrecht planeja executar no país projetos de energia a partir da biomassa da cana-de-açucar e de outros produtos agrícolas.

Com investimento de alguns milhões de dólares, o Brasil adquire o direito de participar de uma pequena comunidade de nações - Espanha, China, Venezuela - que ajudam no esforço do regime de Cuba para fazer a transição de um modelo econômico fechado para um regime de mercado. De forma gradual, como as autoridades cubanas acreditam ser possível.

Mariel é a maior aposta brasileira em Cuba. O investimento no projeto de exportação de bens e serviços representa cerca de 70% de todo os financiamentos do BNDES em operações que têm Cuba como destino final, nos últimos 15 anos.

O total desembolsado pelo banco para Cuba, no período, é de cerca de US$ 330 milhões. É pouco, quando se tem como referência países como Argentina e Venezuela - US$ 3,1 bilhões e US$ 1,2 bilhão, no mesmo período. Mas Cuba já é o sétimo país com mais financiamentos em toda a América Latina, no período de 1997 a 2011, à frente de México, Bolívia e de dois parceiros do Mercosul, Uruguai e Paraguai. No total, o banco financiou exportações no valor de US$ 8 bilhões para 18 países latino-americanos nesses 15 anos.

Em 1997, as operações com Cuba eram um traço nas planilhas do BNDES. Os contratos começaram efetivamente no ano seguinte, com o desembolso de US$ 181 mil e chegaram aos US$ 133 milhões em 2011. A tendência é que esses valores sejam aumentados.

O porto de Mariel, isoladamente, é o grande projeto da carteira do banco com Cuba. Mas há também exportações pulverizadas, de equipamentos para o setor de turismo (banana boats, quiosques, materiais de mergulho), equipamentos para colheita de arroz, cana, materiais fármacos, geradores.

Durante a visita de Dilma será anunciado também um incremento de US$ 50 milhões numa linha de financiamento de US$ 350 milhões do Proex para a aquisição de alimentos, uma antiga reivindicação de Cuba.

Além dos encontros protocolares com Raul Castro, atual presidente de Cuba, Dilma também deve conversar com Fidel Castro. Ela fará reverências à revolução cubana, como a colocação de flores no monumento a José Martí.


Com olhos na Argentina



A presidente Dilma Rousseff viaja a Cuba nesta semana, incomodada porque, no Brasil, parece haver mais preocupação com a questão dos direitos humanos na ilha que com o possível papel do Brasil nas transformações liberalizantes do modelo econômico dirigido por Raúl Castro. Mas é ao Sul, e não no Caribe, que está o maior incômodo sentido no Palácio do Planalto. Há más notícias vindas da Argentina, e elas podem ficar piores.

No governo e na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), sabe-se que os argentinos atravessarão dificuldades para fechar suas contas externas neste ano, de queda de preços nas commodities de exportação, quebra de safras com a seca e retração de mercados mundiais. Nos últimos dias, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, pediu audiência à presidente argentina, Cristina Kirchner, e tem defendido a busca de alternativas para melhorar as contas de comércio na Argentina. Um estudo, realizado ainda no governo Luiz Inácio Lula da Silva, orienta as sugestões do executivo.

No governo Lula, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), chegou a fazer um levantamento sobre a competitividade argentina, na busca da desejada e ainda frustrada integração produtiva com o vizinho. Até hoje, apenas a indústria automotiva conseguiu êxito na integração dos parques produtivos de Brasil e Argentina, e mesmo essa enfrenta agora problemas nas linhas de montagem com os atrasos de entrega de peças provocado pelo protecionismo argentino. A ABDI chamou atenção para a competitiva indústria de petróleo e gás e para a incipiente e promissora indústria naval no país vizinho.

É palpável a falta de paciência de Dilma com Cristina Kirchner

Não é por outra razão que esses dois exemplos têm sido citados por Skaf. Mas o estudo da ABDI mostrou obstáculos aos argentinos para se associar ao parque produtivo brasileiro de gás e petróleo ou fornecer embarcações: falta padrão comum de certificação, há requisitos técnicos divergentes e a legislação que privilegia fornecedores nacionais no Brasil teria de ser alterada para incluir empresas do país vizinho. A novidade é a postura da Fiesp, em busca de acordo com a Argentina - negligenciada pela indústria brasileira em favor de mercados mais promissores, segundo admitiram empresários paulistas reunidos há duas semanas na sede da federação.

Duas vozes foram importantes para garantir o tom conciliatório na Fiesp: o diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior, Roberto Giannetti, e o consultor e ex-secretário de Comércio Exterior no governo Lula Welber Barral.

A boa vontade não é consensual, porém. Executivos do setor de calçados, furiosos com as constantes retenções indevidas de mercadorias nas alfândegas, acusam a Argentina de não cumprir acordos, como o firmado pelo setor para uma cota informal de exportações àquele mercado.

Os conflitos comerciais apartam os parques produtivos e desencorajam empresários que poderiam sentir atração pela soma dos dois mercados. Como o estudo da ABDI, há outras iniciativas ensaiadas no governo Lula - como um projeto para financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para empresas argentinas - que acabaram paralisadas com a falta de sintonia entre os dois governos. Não bastassem as divergências entre as equipes econômicas, é palpável a falta de paciência de Dilma Rousseff com Cristina Kirchner.

Analistas argentinos reparam que as medidas protecionistas no Brasil, ao contrário das adotadas pelo governo Kirchner, não criaram incertezas nem interromperam as cadeias de fornecimento nacionais, e cuidaram de preservar os sócios do Mercosul. A Argentina não cogita isentar o Brasil das restrições de entrada de mercadorias; está premida pela carência de divisas para cumprir suas obrigações internacionais. Como avaliou uma consultoria argentina, para a Fiesp, um superávit comercial inferior a US$ 5 bilhões levaria o país à bancarrota.

Os problemas argentinos, como os dançarinos, no tango, vêm em dupla: a encrenca econômica anda abraçada à política, que complica a interlocução com o país vizinho. Difícil saber com quem afinar os passos: o encarregado do mais recente controle sobre importações, Ricardo Echegarray, presidente da Anfip (a Receita Federal argentina) recebeu caneladas do poderoso secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, que andou se estranhando com o vice-presidente Amado Boudou e disputa influência no governo com o outrora influente ministro de Planejamento e Investimento Público Júlio de Vido.

Echegarray divulgou as normas para a declaração antecipada que, a partir de 1º de fevereiro, todos importadores terão de entregar à Anfip para ter liberada a entrada das mercadorias no país em um prazo que prometeu não ser superior a dez dias corridos. Moreno telefonou a dirigentes de associações empresariais exigindo que os importadores lhe mandem por e-mail um formulário diferente do da Anfip com dados pormenorizados sobre o que querem importar; e informou que deve levar até quinze dias úteis para analisar os dados, até porque tem só oito funcionários para a tarefa.

Boudou entrou em cena, em entrevista para uma rádio local, para dizer que ninguém precisa mandar nenhum e-mail a Moreno, pois a Anfip será a "janela única" para informar ao governo.

Boudou também andou eriçando sensibilidades com declarações sobre um possível terceiro mandato para Cristina - o que alguns interpretaram como uma tentativa de abafar a disputa já existente entre peronistas, para saber quem sucederá a presidente. É nesse ambiente movediço que o Brasil quer evitar novas barreiras ao comércio bilateral. Cada passo exigirá muito ensaio, e os calos são muitos; será quase impossível não pisar em algum.


Veículo: Valor Econômico


Veja também

Governo trabalha para garantir PIB de 4%

Para garantir um crescimento de no mínimo 4% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, como deseja a presidente D...

Veja mais
Juro cai e se ajusta à Selic de um dígito após ata do Copom

O mercado de juros futuros se surpreendeu ontem com a afirmação explícita da ata da última r...

Veja mais
Desemprego cai pela metade entre os primeiros anos de Lula e de Dilma

Dados do IBGE mostram que a trajetória de queda foi mantida e o índice ficou em 6% no ano passado, ante 12...

Veja mais
IPC recua de 0,79% para 0,68% na terceira prévia

O grupo alimentação foi novamente o item que, na variação ponderada, mais contribuiu para a ...

Veja mais
Estabilidade deixa Brasil mais atraente para empresas

China, Estados Unidos e Brasil são os países mais visados para a expansão dos negócios de em...

Veja mais
Real está entre as moedas mais caras

Apesar da desvalorização de 11% frente ao dólar em 2011, o real ainda está entre as de maior...

Veja mais
Estabilidade deixa Brasil mais atraente para empresas

China, Estados Unidos e Brasil são os países mais visados para a expansão dos negócios de em...

Veja mais
BNDES deve encolher em setor eleito pelo governo

Infraestrutura deve receber 10,3% menos recursos em 2012, prevê banco No ano passado, pela 1ª vez, setor foi...

Veja mais
Brasil importa de coco a óleo de dendê

Com dólar fraco, mão de obra cara, carga tributária alta e demanda interna, aumenta compra de produ...

Veja mais