A valorização do dólar e o cenário de atividade econômica mais fraca trouxeram a preocupação em relação à saúde financeira das companhias brasileiras de volta ao radar dos investidores.
De acordo com levantamento feio pelo Valor Data com dados de 172 empresas de capital aberto, a relação entre dívida líquida e Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) passou de 1 vez nos três primeiros meses de 2011 para 1,5 vez neste ano. No quarto trimestre, essa relação era de 1,38 vez.
Apesar desse nível ainda ser considerado baixo - em linhas gerais, um índice de até três vezes é "saudável" -, houve um avanço em um momento de cenário econômico e cambial não muito favorável. E a perspectiva de continuidade de uma trajetória morna para a economia acende uma luz amarela em relação à capacidade das companhias de honrar seus compromissos financeiros.
Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, a tendência é que o endividamento aumente nos próximos meses, mais por conta de uma redução na geração de caixa do que pelo aumento da dívida. "As empresas investiram nos últimos anos e esperavam uma recuperação na demanda já no começo de 2012, o que não ocorreu", explica Milena Zaniboni, diretora da agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P).
De fato, conforme os números do Valor Data, a dívida líquida aumentou 46% no primeiro trimestre, na comparação com igual período de 2011, enquanto o Ebitda recuou 3,7%, mostrando que o retorno para os planos de expansão ainda não apareceu neste começo de ano.
Apesar do avanço na dívida, Milena ressalta que a situação está longe de ser alarmante. As empresas estão botando o pé no freio e ajustando seus planos à nova realidade de demanda. A tendência é que, com a conclusão do ciclo de investimentos, a dívida diminua e haja uma contrapartida em geração de caixa.
Esse descompasso temporário entre ciclo de investimentos e atividade, no entanto, deve provocar uma rodada de renegociações entre empresas e credores. Muitos títulos de dívida têm cláusulas que estipulam níveis máximos de endividamento: quando a empresa atinge esse teto, tem de pedir um "perdão", geralmente, mediante o pagamento de um prêmio.
É a situação pela qual passa a siderúrgica Usiminas, que pedirá aos debenturistas, em assembleia marcada para o dia 11, perdão pelo estouro das cláusulas financeiras do contrato. No fim do ano passado, as produtoras de papel e celulose Suzano e Fibria e a companhia aérea Gol também tiveram de renegociar com os credores por conta do endividamento mais alto.
A depreciação recente do real deve acentuar esse movimento. "Se o dólar permanecer nos patamares atuais [entre R$ 1,95 e R$ 2], a dívida vai aumentar e algumas empresas terão que renegociar com debenturistas", diz Ricardo Carvalho, diretor da agência de classificação de risco Fitch. Pelas regras contábeis, toda a dívida em dólar das empresas é remarcada nos balanços pela cotação do câmbio no último dia útil do trimestre. Por isso, o impacto dependerá do comportamento do câmbio até o fim deste mês.
Contudo, um risco mais sistêmico por conta da dívida em moeda estrangeira está descartado. "As empresas brasileiras aprenderam uma bela lição nos últimos dez anos. O descasamento de moeda entre fluxo de caixa e dívida, que era um grande risco em 2002, por exemplo, hoje é muito pequeno", afirma Milena, da S&P.
Para Filippe Goossens, vice-presidente de crédito corporativo da Moody's, o câmbio pode ter efeito pontual sobre o endividamento das empresas, especialmente para aquelas com dívidas em moeda estrangeira e receitas em real, como as aéreas, mas estruturalmente, não há motivos para preocupação quanto à capacidade de pagamento ou acesso ao crédito.
Veículo: Valor Econômico