Há espaço para o consumo crescer

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O governo está convencido de que ainda há espaço para o crescimento econômico puxado pela expansão da demanda doméstica. Mas isso não significa que ele está confortável com a dinâmica da oferta. Não está. E as medidas que a presidente Dilma Rousseff deve anunciar dia 7 de agosto têm foco no investimento.

O pacote de concessões de serviços públicos para exploração do setor privado nas áreas de rodovias, portos, ferrovias e aeroportos terá, segundo avaliação oficial, um alcance de fôlego. O que o Palácio do Planalto pretende é anunciar regras claras e um calendário realista para esses investimentos. É provável que haja, no programa, uma combinação de concessões com Parcerias Público-Privadas (PPPs).

"A recuperação da economia está contratada e, de certa forma, já está acontecendo", assegurou uma fonte qualificada da área econômica. Ela estará mais clara ao fim do segundo semestre e nítida no último trimestre, quando o PIB anualizado deverá crescer 4% ou mais, como sustenta o Banco Central.

Para o governo, endividamento no país ainda é baixo

Um dos argumentos que reforçam a existência de espaço para elevação da demanda é o de que o grau de endividamento das famílias no país é muito baixo, assim como o das empresas. Para um crédito que soma cerca de 50% do PIB, as empresas são responsáveis por 25% do PIB e as famílias, por 23% do PIB. Nas economias maduras, o percentual do crédito total é de 100%, 150% do PIB.

Na visão das principais autoridades econômicas do governo o pior da desaceleração passou, a inflação caiu e a retomada do crescimento já está em curso. O mau humor com o país, porém, não se reverteu. Há uma certa ciclotimia na avaliação dos investidores estrangeiros e mesmo dos nacionais, observam fontes oficiais. O Brasil era, há um ou dois anos, o "queridinho" dos mercados, um país que crescia a taxas exuberantes (7,5% em 2010). De alguns meses para cá, foi perdendo reputação e confiança na recuperação da atividade econômica.

A realidade, como é de costume, está em algum ponto entre a euforia e o desencanto. Nem o país podia sustentar taxas de expansão muito acima do PIB potencial como lá atrás, nem está fadado à estagnação ou a um baixo crescimento, de 1% a 2%, porque o modelo puxado pelo consumo esgotou-se, assinalam essas fontes.

Mesmo com o mundo desenvolvido se arrastando, é possível o Brasil crescer a taxas próximas de 4% com suas próprias pernas, apoiado na demanda interna e nos investimentos.

Olhando em perspectiva, o país percorre o ciclo clássico de negócios. Na euforia de 2010, quando o governo afrouxou todos os instrumentos e deixou o crescimento bater em 7,5%, a inflação mostrou suas garras. Em 2011, sob a gestão de Dilma Rousseff, voltou o aperto monetário - com elevação de juros até julho e medidas macroprudenciais para frear o crédito - e fiscal.

O BC conduzia o aperto nos juros para suavizar a demanda (de bens de consumo duráveis, sobretudo automóveis) que aumentava a uma velocidade de dois dígitos quando identificou, entre julho e agosto, elementos preocupantes na crise global, dados pela intersecção entre os balanços dos bancos e as dívidas soberanas na zona do euro. Processo que poderia gerar um evento extremado e cuja solução demandaria longo período de baixo crescimento na Europa, além dos problemas americanos com o teto da dívida e também baixo crescimento, dentre outros.

O BC antecipou-se a esse quadro e começou a cortar os juros (Selic) em agosto, para evitar uma overdose desastrosa de políticas restritivas domésticas em um ambiente de grave crise externa.

O que aconteceu a partir de agosto de 2011 foi um agravamento da cena global mais forte do que todos imaginavam, acrescido aqui pelos impactos defasados do aperto monetário, resultando na sobreposição de efeitos sobre a desaceleração então desejada. Isso atrasou a repercussão do afrouxamento dos juros - de 4,50 pontos percentuais até agora - e de uma parte dos depósitos compulsórios, cerca de R$ 60 bilhões, sobre a atividade econômica.

Só agora, neste terceiro trimestre, é que eles começarão a aparecer, reforçados pelos incentivos fiscais para o consumo de bens duráveis, pelo crescimento do crédito a preços mais atrativos e pelo aumento da renda e do emprego, ainda que de forma mais modesta.

A indústria, setor que está em recessão ou estagnação (dependendo do dado que se olha) desde abril de 2011, deve, segundo expectativa do governo, reagir à redução dos estoques e à desvalorização da taxa de câmbio.

Os indicadores de crédito e de inadimplência, divulgados ontem pelo BC, revelam que a oferta de crédito em 12 meses até junho cresceu quase 18% e a inadimplência começou a dar sinais de moderação, com pequena queda de 0,1%. Na avaliação do BC, as novas safras de concessão de crédito estão de melhor qualidade e com queda significativa de inadimplência.

A chancela do Fundo Monetário Internacional (FMI) à política econômica brasileira, no seu último relatório sobre o país, foi uma boa notícia para o BC e para o governo Dilma Rousseff. Em breve deve ser divulgado um outro trabalho sobre o sistema financeiro doméstico, indicando que ele é dos mais bem regulados do mundo. São manifestações que podem ajudar a curar o mau humor com o país.

Há problemas a enfrentar e não são poucos. Alguns antigos, como a baixa taxa de poupança, outros de grande complexidade como o sistema tributário, além, é claro, da baixa taxa de investimentos, dentre vários.

Outro fator que deixa o governo numa situação mais confortável é que ele dispõe de instrumentos para uma ação contracíclica mais forte, se isso vier a ser necessário.

Dado esse panorama, o momento agora é de observação. Nesse sentido, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve reduzir a taxa Selic em mais 0,5 ponto percentual, para 7,5% ao ano na reunião de agosto. Depois disso, terá até outubro para avaliar como se comporta a economia.



Veículo: Valor Econômico


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