Exportações do Rio Grande do Sul em busca de novos destinos

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Diversificar a pauta de negócios no exterior se tornou uma estratégia crucial para driblar os momentos de instabilidade dos mercados tradicionais


Conquistar territórios no comércio exterior pode não ser tão fácil como em um jogo de tabuleiro, mas a tarefa exige, da mesma maneira, que as jogadas sejam certeiras. Em um ambiente de negócios pouco favorável como o atual, marcado pela retração econômica em países desenvolvidos e as barreiras impostas por tradicionais compradores. Diante desse cenário, diversificar parceiros surge como a estratégia ideal para avançar na partida e evitar prejuízos. Atentos a isso, alguns setores produtivos do Rio Grande do Sul têm buscado clientes em regiões até então pouco exploradas.

“Em uma situação de crise, onde alguns dos nossos compradores habituais adotam medidas para reduzir as importações, é fundamental criar alternativas. E, ultimamente, novos destinos estão surgindo na pauta exportadora gaúcha”, analisa Guilherme Risco, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE). Nos últimos cinco anos, a turbulência que afetou variadas nações apenas acelerou algumas mudanças. Desde 2009, segundo as estatísticas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), a China tomou a liderança na demanda por produtos gaúchos. Enquanto isso, as vendas para Argentina e Estados Unidos, dois grandes fregueses históricos, vêm sofrendo abalos.

As principais alterações, no entanto, passam longe do topo do ranking de destinos. Entre os dez mercados com maior evolução, verificam-se quatro asiáticos (Arábia Saudita, China, Taiwan e Vietnã), três africanos (Argélia, Egito e Nigéria), dois europeus (Eslovênia e França) e um latino-americano (Cuba). Excetuando-se o desempenho junto a chineses e franceses, que já tinham um lugar cativo nas relações comerciais do Rio Grande do Sul, os negócios para esse grupo saltaram de US$ 507,7 milhões, em 2007, para US$ 1,7 bilhão em 2011. O resultado supera com folga o volume de negociações com os Estados Unidos no ano passado, que atingiu US$ 1,3 bilhão.

No primeiro semestre de 2012, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos e Índia se somaram à lista de emergentes. Em relação ao mesmo período de 2011, o volume transacionado com esses países somados passou de US$ 242,4 milhões para US$ 427,2 milhões, incremento de 76%. Além disso, nessa temporada, o continente africano gerou 9,1% dos US$ 8,5 bilhões captados até o momento. Em todo o ano de 2010, a parcela dessa zona no montante total comercializado era de 5,6%.

A ampliação da presença gaúcha em territórios antes descartados pelas empresas está relacionada às mudanças de estratégias de setores tradicionais, como o calçadista e o moveleiro, e também pela inclusão de artigos na pauta, como arroz, trigo e vinhos. Mesmo com as modificações em andamento, Guilherme Risco enfatiza que é necessário diminuir a dependência da exportação de commodities, como a soja. “É importante pensar não só no valor total que estamos exportando, mas o quanto estamos agregando de valor à pauta. O Rio Grande do Sul deveria trabalhar mais a venda de máquinas e equipamentos, veículos e produtos químicos”, exemplifica.

O coordenador do conselho de relações internacionais e comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Cezar Müller, lembra que um processo de diversificação só se consolida no longo prazo. “É algo lento, pois não se parte da ideia de exportação de grandes volumes. Substituir algumas exportações nossas por produtos de maior valor agregado leva tempo. Aí é fundamental que haja um câmbio estável e os problemas de competitividade da indústria sejam equacionados”, analisa.

O ganho de clientes em regiões consideradas as bolas da vez, como África e Ásia, passa por um trabalho intenso de pesquisa e investimentos na adaptação dos artigos ao perfil do comprador. “Cada mercado possui uma particularidade. Chineses, indianos e japoneses têm culturas e exigências diferentes dos norte-americanos ou europeus. Por isso, os produtos precisam ser adaptados a cada realidade”, aponta Müller.

Atração de mercados depende de esforço permanente

A assinatura do contrato entre exportador e importador é a apenas a cereja de um bolo recheado com diversos ingredientes. Identificar oportunidades em países alternativos e partir para a ação é um processo complexo, que requer movimentações periódicas. A participação em missões empresariais, a colocação de estandes em feiras e a realização de visitas periódicas são os meios mais utilizados na hora de ganhar a confiança de um novo comprador.

Para surtir o efeito desejado, o esforço precisa ser realizado mais de uma vez. “A consolidação em um mercado depende de presença constante”, destaca Ana Paula Repezza, gerente-geral de negócios da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Criada em 2003 com o objetivo de estimular a diversificação dos destinos dos produtos brasileiros, o órgão do governo federal planeja até seis rodadas de negócio no exterior por ano. Entre os lugares escolhidos, estão países considerados potenciais compradores, mas que ainda não possuem um volume expressivo de negócios com o País.

A Apex elegeu 25 nações como alvos prioritários, abrangendo regiões como África, Ásia e Leste europeu. Neste ano, já foram feitas viagens a Angola, Arábia Saudita, Colômbia e Peru. África do Sul, Moçambique e Turquia devem ser os países desbravados na sequência. Em cada movimentação são levadas companhias de distintos segmentos, grande parte delas de pequeno e médio porte. Ao todo, 2,6 mil empresas gaúchas estão cadastradas no órgão e, portanto, aptas a participarem das iniciativas.

A escolha das atividades contempladas em cada rodada de negócio ocorre com base no perfil do comprador e no tipo de produto com maior chance de prosperar naquele país. “Quando vamos para o Oriente Médio, por exemplo, levamos empresas que atendam a grandes volumes porque os compradores geralmente estão relacionados aos governos locais. Além disso, tentamos mesclar empresas e produtos tradicionais com empresas e produtos inovadores nas viagens.”

A realização de missões para a promoção de exportações também passou a ser uma tarefa do governo estadual. “É mais eficaz buscarmos outros mercados na África, na Ásia e na própria América Latina do que ficar batendo de frente com os mecanismos protecionistas de países como Argentina e Rússia”, acredita Tarson Nuñez, coordenador da Assessoria de Cooperação e Relações Internacionais. Até o momento, a ação mais efetiva foi a ida a Cuba, no início deste ano. Em novembro, uma comitiva de empresários do Estado retorna à ilha a fim de fechar os acordos alinhavados na ocasião.

Mesmo as viagens focadas na captação de investimentos podem render frutos para os exportadores do Estado. Recentemente, a estada na China, que atraiu uma fábrica de caminhões para Camaquã, serviu para verificar a possibilidade da venda de carne suína e frangos aos chineses. “A parte comercial quem faz é o setor privado, mas, ao mesmo tempo, é importante que nós possamos facilitar as relações entre empresas e governos, especialmente em países do Oriente”, salienta Nuñez.

A política de comércio exterior do Rio Grande do Sul está alicerçada em três tipos de missões: prospectivas, preparatórias e governamentais. Na primeira, representantes da gestão verificam as características de cada região. A segunda serve para travar contatos iniciais. Por fim, no último estágio, as vendas são efetuadas. Com exceção da agenda em solo cubano, nenhuma outra missão governamental está nos planos neste ano. Para 2013, devem ser feitas escalas em países africanos e do Leste europeu.
Demanda africana amplia pauta de alimentos exportados

Enquanto a soja reina absoluta como principal produto do agronegócio gaúcho, outros candidatos mostram disposição em ocupar um espaço maior na pauta de exportações. Antigamente em segundo plano, arroz e trigo surgem como artigos emergentes com vendas crescentes a cada ano. Por trás dessa ascensão, que começou a ser mais visível na safra passada, está um continente ávido por alimentos há décadas. A África se tornou um cliente expressivo dos dois itens.

De 2007 a 2011, o faturamento do setor primário gaúcho em terras estrangeiras saltou de US$ 1,7 bilhão para US$ 3,6 bilhões, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). No primeiro semestre de 2012, o segmento, afetado pela estiagem, levantou US$ 1,6 bilhão, decréscimo de 18,4% na comparação com mesmo período do ano anterior. Paralelamente, o arroz continuou seu momento de expansão e obteve um incremento de 81,9% de janeiro a junho, conforme o Agrostat, base de dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

O maior interesse pelo grão branco não veio por acaso. “De 2004 para cá, a produtividade nas lavouras do Estado aumentou 2,5 mil quilos de produto por hectare. Isso resultou em excesso de oferta e, como no mercado brasileiro o consumo de arroz está estabilizado, a saída foi buscar mercados internacionais”, explica Camilo Oliveira, gerente da Unidade de Negócios Alimentos da Cooperativa dos Agricultores de Plantio Direto (Cooplantio).

Oliveira acredita que o Brasil, puxado pelo Rio Grande do Sul, pode se tornar uma das referências de exportação na orizicultura nos próximos dois anos, atendendo a demandas de arroz branco, parboilizado e em casca. “A expectativa é de que o consumo per capita de arroz continue aumentando na África e em países do Oriente Médio. Isso possibilita que o Estado atinja ainda mais esses mercados”, diz.

No caso do trigo, uma recente quebra na produção da Rússia e da Ucrânia, dois dos principais fornecedores mundiais, abriu brechas ao grão colhido pelos gaúchos. “Nos últimos anos, o Estado teve uma redução em termos de produtividade, mas deu um salto em qualidade. Uma série de projetos setoriais e a adição de tecnologia auxiliaram o trigo gaúcho a ganhar espaço mundo afora”, justifica Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).

Mesmo assim, o especialista alerta que a continuidade do bom desempenho dos novos produtos de exportação depende de uma série de fatores. “Arroz e trigo estão no mercado porque a cotação internacional do momento permite que isso aconteça, mas nós não temos margem para queda de preços. Para eles se tornarem presença constante na nossa pauta, é necessário reduzir a carga tributária sobre a cadeia produtiva”, aponta Da Luz.

Outros itens que vêm ganhando destaque, principalmente entre africanos e asiáticos, são os alimentos em conserva. Uma das empresas mais beneficiadas por essa situação é a Oderich, de São Sebastião do Caí. Em 2011, o comércio exterior gerou R$ 124 milhões, representando 40% do faturamento do ano. Três anos antes, essa participação na receita era de 8%.

A mudança ocorreu graças às estratégias de diversificação. “Exportamos para 67 países. Alguns atendemos de contêiner, outros com quantias menores. Temos por hábito investir na relação com mercados pequenos”, assinala o diretor comercial, Marcos Oderich. Atualmente, Angola, Cuba e países do Oriente Médio são os principais adquirentes.


Maior valor agregado sobre rodas

Duas das principais alternativas para agregar valor à pauta de exportações estão sobre rodas. Com bom potencial de venda no mercado externo, as máquinas agrícolas e os veículos automotores despontam como opções que podem ganhar terreno em solo estrangeiro nos próximos anos. Por isso, os fabricantes desses itens tentam construir estratégias para atingir outros nichos e ampliar a presença gaúcha ao redor do mundo.

Buscando suprir a queda de 40% nas vendas para a Argentina entre 2007 e 2011, o Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no Rio Grande do Sul (Simers) pretende retomar o convênio que tinha com a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Com motivação na recente alta do câmbio, a intenção é aproveitar o dólar fortalecido para identificar novos compradores.

O despertar para a necessidade de diversificação veio com a instalação de três empresas gaúchas em solo argentino. “Esse mercado da Argentina está perdido. Agora temos que nos preocupar em não perder o restante do mercado de exportação, pois eles estão virando nossos concorrentes”, assinala o presidente do Simers, Cláudio Bier, que vê na África um continente com grandes chances de realização de negócios.

E os africanos hoje são quem estão puxando os pedidos por veículos. A partir de sua operação em Caxias do Sul, a Marcopolo tem alavancado as vendas de ônibus rodoviários para Angola, Gana e Nigéria. “Há vários mercados africanos despontando, pois as economias de lá estão crescendo pela mineração ou exploração de petróleo”, diz Rodrigo Pikussa, diretor de exportações da companhia.

Em 2011, países latino-americanos foram os maiores responsáveis pelos US$ 251 milhões captados pela Marcopolo no Estado. Pikussa, entretanto, aposta em mudanças no curto prazo. “Em breve teremos algum país africano entre os nossos três principais mercados. Dependendo de algumas negociações em andamento, em menos de um ano, isso pode acontecer”, sentencia.

Vinhos e espumantes ganham espaço

O tilintar das taças nos brindes realizados pelos estrangeiros vêm acompanhados de um toque diferente nos últimos anos: o aroma das uvas da Serra gaúcha. Aos poucos, os vinhos e espumantes produzidos no Rio Grande do Sul começam a ter espaço nas mesas de norte-americanos, europeus e chineses, condição resultante de um forte trabalho de divulgação da bebida iniciado em 2004, na carona do projeto Vinhos do Brasil, e que se encaminha para a reta decisiva.

No ano passado, os negócios externos renderam US$ 4,5 milhões aos produtores do Estado. Volume pequeno, mas que representa um alento para um setor inexperiente em exportação até pouco tempo atrás. “Ninguém sai exportando contêiner. Estamos fazendo um trabalho de formiguinha para termos resultados no longo prazo”, salienta Andreia Milan, gerente de exportações do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin). Até 2014, a projeção é obter US$ 7,5 milhões no ano em transações internacionais, tendo como alvos prioritários Alemanha, China, Estados Unidos, Inglaterra, Polônia e Suécia.

Bater na porta dos clientes é a tática para fisgar compradores, seja por participação em eventos ou missões empresariais. Estratégia sustentada graças às mudanças ocorridas no processo produtivo a partir da década passada. Desde então, o foco passou a ser a confecção de bebidas finas, de maior valor agregado. “Os eventos que o Brasil sediará, como Copa do Mundo e Olímpiadas, são a grande chance que temos para consolidar mercados. Até 2016, temos de nos firmar como produtores”, acredita.

Segundo Andreia, os vinhos e espumantes gaúchos já possuem maior reconhecimento entre críticos e consumidores no exterior, o que sustenta os planos de ascensão. O bom cartaz internacional pode ser verificado também através do desempenho dos principais exportadores do Estado, como a Miolo. A vinícola de Bento Gonçalves passou a realizar vendas em 2003. Hoje, 32 países figuram no mapa de clientes. Em 2010, a empresa comercializou 224 mil garrafas. No ano seguinte, foram 314 mil, número superado com folga no primeiro semestre de 2012.

“Nosso objetivo, nos próximos anos, é chegar a um volume superior a 1 milhão de garrafas exportadas anualmente”, define Fabiano Maciel, gerente de exportações da Miolo. Atualmente, Inglaterra, Holanda e China são, na ordem, os três compradores mais assíduos da marca. As metas seguintes são entrar no México e em mais países asiáticos, além de ampliar a participação nos Estados Unidos.



Veículo: Jornal do Comércio - RS


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