O risco do combustível cambial

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O dólar caro no brasil favorece alguns setores exportadores, mas esconde ineficiências e prejudica empresas que dependem de insumos importados, como as aéreas. A esquadrilha do prejuízo está no ar.


O real forte dos últimos anos era motivo de reclamações constantes de representantes da indústria nas reuniões com a equipe econômica do governo. Segundo o setor privado, com o câmbio valorizado, as importações ficavam ainda mais atraentes, tirando mercado das empresas brasileiras. Desde o segundo semestre do ano passado, o universo começou a conspirar a favor dos descontentes. A turbulência na economia europeia, aliada ao ciclo de redução de juros promovido pelo Banco Central, fez os investidores estrangeiros de aplicações de curto prazo perderem o apetite pelo Brasil e buscarem papéis mais seguros. O BC aproveitou para deixar o câmbio flutuar e garantir um câmbio mais competitivo para os exportadores.
 
Como resultado, o dólar subiu 30% nos últimos 12 meses, passando de R$ 1,56 para R$ 2,02. Tudo estaria às mil maravilhas, não fosse o enorme efeito colateral dessa variação no resultado das empresas. A última safra de balanços das companhias de capital aberto mostrou uma queda média de 45% nos lucros no segundo trimestre, em relação ao trimestre anterior. E o vilão dessa história, segundo os analistas, foi exatamente o câmbio desvalorizado. Empresas como Petrobras, Gol e Fibria registraram enormes prejuízos (veja quadro). A Gol Linhas Aéreas teve um prejuízo de R$ 715 milhões, entre abril e junho, o dobro do rombo de R$ 358 milhões apurado no mesmo período de 2011.
 
A alta do dólar elevou as despesas operacionais em 55%. Um dos itens que mais subiram foi o querosene de aviação, cotado pela variação do preço do petróleo e da moeda americana. O presidente da Gol, Paulo Kakinoff, afirmou, durante a divulgação do balanço, no dia 14, que um resultado melhor só será alcançado no segundo semestre, mas ainda insuficiente para voltar ao lucro. Na terça-feira 21, durante um evento do setor aéreo, em Brasília, ele reiterou a mensagem: “Com esse patamar de custo de combustível, é uma questão de tempo para vermos aumento de tarifas”, disse. O presidente da TAM, Marco Antonio Bologna, reforçou o discurso do concorrente. “O setor tomou um choque de custos”, disse Bologna.
 
Sua empresa registrou prejuízo de R$ 928 milhões no segundo trimestre. Assim como as companhias aéreas, a fabricante de celulose Fibria, do grupo Votorantim, registrou um prejuízo de R$ 524 milhões no segundo trimestre, por ter 93% de suas dívidas atreladas ao dólar, totalizando R$ 8,46 bilhões. Mas, apesar da cifra bilionária, o diretor-financeiro do grupo, Guilherme Cavalcanti, vê uma luz no fim do túnel, uma vez que a companhia é exportadora de celulose. “A tendência, a partir de agora, é de crescimento das receitas”, diz. A retomada das vendas ao Exterior é exatamente a aposta do governo Dilma, ao mirar um dólar valorizado. O ajuste no câmbio faz parte de uma estratégia clara do governo de defesa da indústria nacional.
 
Um levantamento feito pelo banco Bradesco, no mês passado, com 21 setores industriais, mostra que o dólar mínimo para que as exportações sejam competitivas, segundo as próprias empresas, é de R$ 1,97, em média. Ou seja, o câmbio atual já é suficiente para fomentar o comércio exterior. O dólar mais caro abre, ainda, oportunidades para a cadeia de insumos e componentes no Brasil. Isso porque muitos empresários que buscaram fornecedores externos nos últimos anos, como forma de minimizar custos, já repensam a estratégia. “As empresas reavaliam seus fornecedores e passam a olhar para o mercado doméstico”, diz Octavio de Barros, diretor do departamento de pesquisas do Bradesco. “O câmbio desvalorizado será o indutor da retomada da indústria em 2013.”
 
O problema é o tempo para que o setor reative novas cadeias de fornecedores. No segmento de máquinas, por exemplo, muitas empresas buscaram parcerias no Exterior e agora, apesar da desvalorização cambial, não pensam em desfazê-las. A PTI-Falk, uma fábrica de equipamentos para transmissão de potência, de São Paulo, acaba de fechar um acordo com fornecedores chineses, fruto de três anos de negociações. “Não posso voltar atrás”, diz José Velloso, diretor da PTI-Falk. Uma coisa é certa: qualquer que seja a política eleita pelo governo, ela termina por beneficiar alguns setores e desagradar a outros. Mas ao adotar o real desvalorizado, há o risco de viciar as empresas com um câmbio favorável, como se esse fosse o único energético para enfrentar a competição global.
 

Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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