Inflação no Brasil se descola de padrão global

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A inflação do Brasil se descolou ainda mais dos padrões internacionais no terceiro trimestre. De 22 países que adotam o regime de metas inflacionárias, e já divulgaram números referentes a agosto, em apenas três o índice de preços ao consumidor superou os 5,2% acumulados pelo indicador brasileiro em 12 meses. Até junho, seis países ainda mostravam variação de preços acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que, na época, marcava alta anualizada de 4,9%.

Dentro desse grupo de 22 países, em 12 deles a inflação acumulada em 12 meses está acima do centro do alvo perseguido pelo banco central - o Brasil é um deles. A meta brasileira, de 4,5%, no entanto, é elevada se comparada à de outras economias. Apenas Guatemala e Indonésia miram o mesmo nível de inflação que o BC brasileiro, enquanto Turquia e Gana trabalham com metas mais folgadas, de 5% e 8,7%, respectivamente. Nos demais, o alvo é inferior ao brasileiro, a maioria entre 2% e 3%.

Para economistas, o mercado de trabalho apertado, o alto grau de indexação, a baixa taxa de investimento e o descompasso entre oferta e demanda continuam por trás da resistência dos preços no país, mas dois fatores passaram a ter papel predominante sobre a dinâmica inflacionária nos últimos meses: o choque de commodities e a depreciação cambial.

Analistas avaliam que o efeito da escalada dos grãos após a estiagem nos Estados Unidos poderia ter sido ao menos parcialmente neutralizado por alguma valorização do real, o que está descartado diante das ações do governo para controlar a taxa de câmbio.

Daniel Moreli Rocha, superintendente de tesouraria do Banco Indusval & Partners (BI&P), calcula que, desde 1º de março, quando o dólar ainda estava em R$ 1,71, a moeda brasileira se desvalorizou 18,5% em relação à americana, enquanto uma cesta de moedas de sete países produtores de commodities ficou praticamente estável frente ao dólar no período.

"Nos ciclos anteriores de altas de commodities, o real estava se valorizando, então um movimento compensava o outro", diz Rocha, para quem a inflação brasileira "certamente" sofrerá mais impacto da disparada dos grãos do que a de outros países cujas moedas se apreciaram. Caso não tivesse ocorrido novo choque de matérias-primas neste ano, ele acredita que o IPCA poderia encerrar 2012 com aumento de 5,1%, projeção que foi elevada em 0,4 ponto percentual após a forte subida dos grãos.

Para Tony Volpon, diretor da Nomura Securities International, o Banco Central e o governo não têm como evitar a volatilidade causada por choques externos, mas podem escolher qual canal será afetado por movimentos imprevistos. Em um regime de câmbio flutuante, diz, o impacto esperado seria a apreciação da moeda. "Quando há um câmbio tabelado, necessariamente parte dessa volatilidade tem de ir para outro lugar. Se o BC não está disposto a apertar as condições monetárias, esse lugar é a inflação."

Segundo Volpon, o regime de câmbio passou de uma flutuação "suja" para outra inexistente, o que dificulta estimar o repasse da variação cambial para os preços internos. "A única coisa que sabemos é que em um regime de câmbio fixo, o choque externo tem de se internalizar via aumento dos juros ou mais inflação. Sem os juros, o 'pass through' (repasse) será maior", explica.

Com base em fundamentos econômicos, a tendência natural seria que a moeda brasileira estivesse em apreciação, de acordo com Juan Jensen, sócio da Tendências Consultoria. Para ele, definir piso e teto para a taxa de câmbio não é uma ação compatível com o regime de metas inflacionárias. Além desse antagonismo, Jensen aponta que o centro da meta não é mais o primeiro objetivo do BC, ao contrário do que acontece em outros países da América Latina, onde as expectativas futuras de inflação são alinhadas ao alvo central.

Levantamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostra que o Brasil tem a terceira maior expectativa de inflação do mercado para 2013 entre os oito países latino-americanos que adotam o regime de metas, de 5,5%, atrás apenas de Uruguai (6,9%) e Paraguai (5,6%).

Chefe de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs, o economista Alberto Ramos observa que a inflação brasileira já parte de um nível mais alto do que o de outras economias. Enquanto no Brasil, o centro da meta perseguido pelo BC é de 4,5% - o mesmo percentual desde 2005 -, no Chile e na Colômbia, os alvos são de 3%. No Peru, o centro é de 2%.

O que diferencia o Brasil dessas economias, além do câmbio mais depreciado no momento, diz Ramos, é a inércia inflacionária, fenômeno pelo qual a inflação passada alimenta a inflação futura, o que, aliado ao baixo desemprego, permite repasses maiores nos preços de serviços. Nos 12 meses encerrados em agosto, o grupo de preços formado por aluguel, mensalidade escolar, cabeleireiro e empregado doméstico subiu 7,9% no IPCA.

Ramos também chama atenção para a taxa de investimento brasileira, na casa de 18% do PIB, o que limita a capacidade de a economia crescer sem gerar inflação. "Todas as economias latinas estão crescendo acima de 5% e investindo entre 26% e 28% do PIB. Com a taxa de investimento brasileira, qualquer aumento da demanda gera pressões inflacionárias", afirma.

Júlia Braga, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e colaboradora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), concorda com a avaliação de que a baixa taxa de investimento contribui para repasses maiores aos preços - ao limitar ganhos de produtividade -, mas não vê a desvalorização cambial como principal vetor de aceleração de preços este ano. Apesar de ter chegado aos alimentos derivados de grãos no IPCA, o repasse cambial, diz ela, não alcançou os bens industrializados no varejo, o que reduziu o efeito do câmbio na inflação.

Para Júlia, os problemas climáticos que diminuíram a produção interna de alimentos foram cruciais para desviar ainda mais o IPCA da inflação em outros países, ao lado do choque externo de commodities. Apenas em agosto, o preço do tomate saltou 18,9%, após alta de 50,3% em julho.



Veículo: Valor Econômico


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