O grupo alimentação e bebidas é o maior responsável pelo aumento generalizado de preços nas regiões que já ultrapassaram o teto da meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A meta para 2013 é 4,5%, e o teto, 6,5%.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mostra que, no acumulado em 12 meses encerrados em fevereiro, 4 dos 11 locais observados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ultrapassaram esse nível - Belém, Fortaleza, Recife e Salvador. Enquanto nesses locais o IPCA varia de 7% a 8,7%, no acumulado em 12 meses encerrados em fevereiro, a alta de alimentação e bebidas, no mesmo período, é muito maior, indo de 15,3% a 18%.
O presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB) e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Luiz Fernando de Paula, afirma que a inflação nessas regiões é maior que no resto do país em razão da política de distribuição de renda adotada pelo governo. "A inflação tem sido mais aguda nessas cidades porque elas são mais pobres. Com essa política de distribuição de renda do governo, os mais pobres ficam com mais dinheiro, e a demanda aumenta, tanto por alimentos quanto por serviços. São eles quem dedicam a maior parte do orçamento familiar para a compra de alimentos", afirma De Paula, acrescentando que os problemas climáticos ocasionados pela seca também prejudicaram a oferta de alguns alimentos. "É um problema de oferta e demanda", complementa.
O economista Elson Teles, do Itaú Unibanco, diz que a inflação no Norte e no Nordeste é grande devido ao peso de alimentos nessas regiões. Segundo ele, tão logo os preços dos alimentos desacelerem, a inflação nesses locais cederá. De acordo com a ponderação do IPCA, o peso de alimentação e bebidas é de 26,1% no Recife; 26,5%, em Salvador; 31,2%, em Fortaleza, e 33,7%, em Belém, enquanto a média nacional é de 24%.
"Conter uma inflação baseada em alimentos e também em serviços com instrumentos de política monetária é difícil. Os efeitos são quase nulos. Talvez, o mais efetivo seja agir por meio de políticas fiscais, como fez o governo com a desoneração da cesta básica", diz o economista João Saboia, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Na avaliação de Saboia, a inflação de serviços está baseada no aumento de renda da população e a alta de preços nesse setor depende da "disposição" do consumidor em pagar mais por eles. Já a inflação de alimentos, afirma o professor da UFRJ, além dos problemas de seca, é influenciada também pelo preço de determinados itens acompanharem as cotações internacionais.
Priscila Godoy, economista da Rosenberg Associados, diz que, se toda a desoneração da cesta básica fosse repassada ao consumidor, o IPCA seria impactado com 0,5 a 0,6 ponto percentual de baixa. Ela, no entanto, não acredita que isso ocorrerá. "Esse repasse não será todo feito. E, se fosse, o efeito demoraria até aparecer no IPCA e as áreas mais beneficiadas seriam aquelas que já ultrapassaram o teto da meta do BC", diz ela.
A projeção da consultoria é que o IPCA encerre 2013 com alta de 5,8%. Segundo Priscila, em março, o IPCA superará o teto da meta e, com isso, o Comitê de Política Monetária (Copom) terá aumentar a taxa básica de juros (Selic), hoje em 7,25%, em 0,25 ponto percentual na próxima reunião.
No NE, dona de casa já pechincha mais
A aposentada Maria Isabel da Silva, 65 anos, costuma ir às compras na hora do almoço, quando cai o movimento no mercado público de Casa Amarela, bairro da zona norte do Recife. O sol do meio-dia, por outro lado, torna mais penosa a caminhada em busca das melhores ofertas. A dona de casa nordestina teve de intensificar a pechincha nos últimos tempos, em razão da disparada nos preços da cesta básica na região. Nos 12 meses encerrados em fevereiro, a alta foi de 28,6%, ante uma média nacional de 21,4%.
Itens obrigatórios na mesa do nordestino, a farinha de mandioca e o feijão são os mais citados quando a pergunta é o que ficou mais caro. Números do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram que em fevereiro deste ano o preço médio da farinha nas três principais capitais do Nordeste (Salvador, Recife e Fortaleza) era 139% maior do que no mesmo mês de 2012. No caso do feijão, a alta foi menor, mas, ainda assim, relevante: 20%. Em Recife, o grão ficou 33% mais caro em um ano.
Parte importante da alta registrada nos últimos 12 meses pode ser atribuída à seca que atinge o interior do Nordeste. Normalmente restrita ao Semiárido, a atual estiagem chegou a regiões com atividade agropecuária mais intensiva, caso do Agreste. Além da mandioca e do feijão, as cadeias do milho e do leite foram afetadas, influenciando a formação dos preços desses produtos e dos derivados.
A inflação da cesta básica nordestina também tem origem no ciclo econômico local, mais sensível à expansão do salário mínimo e dos programas de transferência de renda. "Esse dinheiro vai terminar na feira", resume o economista Jorge Jatobá, da consultoria pernambucana Ceplan. O crescimento da renda explica por que o Nordeste puxa a alta da cesta básica nos últimos anos. Segundo o Dieese, o reajuste na região foi de 58% entre fevereiro de 2008 e igual mês deste ano, ante média nacional de 53%.
A capital pernambucana lidera o ranking, com alta de 62% em cinco anos. Em seguida aparecem Fortaleza (61%), Salvador (61%), Natal (60%) e João Pessoa (58%). No mesmo intervalo, o preço da cesta básica subiu 44% em São Paulo e 47% em Brasília, cidades com os menores reajustes entre as que têm os preços colhidos pelo Dieese.
"Não pensei que ia subir tanto", confessa a aposentada Maria Isabel, que recebe um salário mínimo de benefício. Para não faltar nada em casa, ela pechincha mais e compra menos. Reclama que frutas e verduras estão mais caras. No Recife, o preço do tomate subiu 123,5% nos últimos 12 meses. Em Fortaleza, a alta foi de 160%. "O pobre já não se alimenta bem, se sobe desse jeito o preço dos alimentos saudáveis, como é que faz?"
Maria Isabel está bem informada sobre a desoneração dos impostos federais incidentes sobre a cesta básica, mais diz que ainda não percebeu queda nos preços. O comerciante Abraão Barbosa, que vendia feijão à aposentada, disse que os fornecedores ainda não tinham reduzido os preços. "Se o preço cair para mim, vou repassar para os meus clientes. É do meu interesse", disse.
Jatobá, da Ceplan, desconfia do repasse integral da desoneração da cesta. Isso vai depender, segundo ele, do grau de concorrência e do comprometimento dos comerciantes com o governo. Algumas grandes cadeias de supermercados já anunciaram o repasse, mas há dúvida sobre a disposição das redes regionais e comerciantes de menor porte.
Assim como acontece com a cesta básica, os serviços, que não sofrem a concorrência dos importados, também ficaram mais caros no Nordeste. "Você não vai sair daqui pra cortar o cabelo na Europa", diz Jatobá. No ano passado, a inflação medida pelo IPCA acumulou 6,8% no Recife, terceira mais alta do país. Segundo o economista, boa parte desse aumento é explicada pelos serviços.
Veículo: Valor Econômico