Com intenção nitidamente eleitoreira, o governo baixou mais um pacote, tendo como mote desta vez a defesa do consumidor. Preparado de improviso, ele inclui medidas já em vigor, outras que estavam em discussão e propostas diversas que parecem ter sido tiradas do fundo de alguma gaveta.
Das novas medidas, nenhuma tem aplicação imediata e a de maior impacto - o fortalecimento da ação dos Procons, que passariam a ter o poder de decidir sobre a restituição de cobranças indevidas relativas à compra e venda de mercadorias, sem passar necessariamente pela Justiça, desde que haja acordos prévios fechados nesses órgãos - ainda depende da aprovação de projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional.
O aparato institucional ganhou mais um colegiado - a Câmara Nacional das Relações de Consumo, composta pelos ministros da Justiça, Fazenda, Desenvolvimento, Planejamento e Casa Civil - que definirá o Plano Nacional de Consumo e Cidadania, incluindo sanções mais severas, em complemento ao Código de Defesa do Consumidor. A curto prazo, ela terá de relacionar 30 produtos considerados essenciais, que poderão ser trocados ou substituídos imediatamente pelo vendedor se o consumidor identificar algum defeito.
Essa lista deverá ser discutida com o setor privado, podendo incluir itens como fogão, geladeira e aparelhos de telefone celular. Ainda não se sabe quando a medida entrará em vigor e qual o prazo para reclamações com direito à devolução e substituição da mercadoria pelo fabricante ou pelo estabelecimento comercial. Aparelhos eletroeletrônicos geralmente têm prazo de garantia de funcionamento em perfeitas condições, sendo prevista sua troca ou reparo em caso de falha. Segundo especialistas em direito do consumidor, somente quando for divulgada a lista será possível avaliar se haverá alteração no sistema de comercialização.
Já as empresas que operam no comércio eletrônico, até agora não regulamentadas, serão obrigadas, por decreto, a criar, no prazo de 60 dias, um canal de atendimento aos consumidores em seus sites. O e-commerce vem crescendo muito no País, acumulando paralelamente um grande número de queixas relativas a atrasos e produtos trocados, nos casos tanto de compras individuais como coletivas.
Para tornar o pacote o mais abrangente possível, o governo mobilizou órgãos como o Conselho Monetário Nacional (CMN) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O CMN reeditou e reforçou, em reunião extraordinária, algumas normas já em vigor, mas que não vinham sendo cumpridas por todos os bancos. A partir de 1.º de julho, os bancos serão obrigados a obedecer a três padrões para a cobrança de tarifas, exigindo-se também transparência nas operações de crédito e de câmbio. Deverão ser discriminados, em planilhas anexas aos contratos, os itens que compõem o custo total, incluindo tarifas, juros e encargos. O objetivo, como disse o diretor de Normas do Banco Central (BC), Sergio Odilon dos Anjos, é dar mais competitividade ao setor bancário.
Com relação às telecomunicações, setor que é o campeão de reclamações aos Procons, a Anatel colocou em consulta pública uma série de medidas, que vão desde a proibição de vendas casadas de produtos e serviços, sistemas para comparação de tarifas, que apresentam grande variação entre uma e outra operadora, até a ampliação de atendimento para cobertura de 600 microrregiões do País. A agência, porém, não relacionou quais são essas áreas, o que é essencial. Sabe-se que hoje, mesmo nas regiões mais desenvolvidas, as ligações por celular para muitas cidades ou bairros não podem ser completadas.
Embora não modifique nada a curto prazo, o pacote é ambicioso e presume que o BC e as agências reguladoras cumpram seu papel fiscalizador. As medidas podem ter um efeito positivo, mas como disse o coordenador executivo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Fulvio Gianella, "vamos ter de acompanhar de perto o governo" para que as novas regras sejam efetivamente cumpridas no prazo previsto.
Veículo: O Estado de S.Paulo