Principal preocupação da inflação nos últimos meses, os alimentos subiram menos em abril, mas reforçaram as preocupações dos analistas com o descolamento entre os preços no varejo e no atacado. De janeiro a abril, os alimentos subiram 5,65% no Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Indice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), os produtos agropecuários no atacado acumulam deflação de 5,42% no mesmo período.
Ainda que menor em abril, o aumento dos preços de alimentos foi acompanhado por outros reajustes de preços, como o de serviços, que contribuíram para que o IPCA, índice oficial de inflação, fechasse o mês com alta de 0,55%, acima do 0,47% de março, segundo o IBGE. No acumulado em 12 meses, o índice conseguiu de forma apertada voltar para dentro da banda da meta estipulada pelo governo, de no máximo 6,5% - fechou em 6,49%, após bater 6,59% em março.
O grupo de alimentação e bebidas teve alta de 0,96%, ante aumento de 1,14% em março, o que continua sendo um patamar alto e, mais uma vez, surpreendeu de forma negativa as expectativas, que eram de uma alta bem menor, influenciada pela safra de agrícola. A Rosenberg & Associados criou uma série onde compara a variação dos preços de alimentos no domicílio sem hortaliças acumulada em 12 meses e compara essa evolução com os preços no atacado, com um mês de defasagem (ver gráfico).
O cruzamento mostra que desde 2007, pelo menos, esta foi a única vez em que o índice dos alimentos ao consumidor subiu seguidamente mesmo com o índice do atacado em queda. Geralmente as curvas se acompanham, mesmo que com certo atraso. "O descolamento entre os preços no atacado e no varejo já acontece desde o começo do ano, sendo que essa defasagem no repasse dos preços não costuma ser maior do que um a dois meses", diz Priscila Godoy, analista da consultoria Rosenberg & Associados.
Uma das principais possibilidades apontadas por Priscila e outros analistas é a influência do custo do frete, que passa a entrar na conta quando o alimento é levado aos centros de distribuição e às lojas. "O frete afeta muito mais o consumidor que o produtor e tem sofrido pressões de aumento, com dois reajustes do diesel neste ano e também a legislação dos caminhoneiros, que aumenta a necessidade de contratação e aumenta o custo do transporte em si", disse Priscila.
Luís Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC, pontua ainda a diferença estrutural entre o IPA, que sofre influência muito forte de commodities, e o IPCA, em que isso não aparece de forma direta. "São commodities como o milho e a soja que estão puxando hoje a queda do IPA, mas elas não têm correspondentes diretos no IPCA", disse Leal. Ele cita o óleo de soja, que caiu 2,87% no IPCA de abril já refletindo a queda de 4,52% da soja no atacado no mesmo mês - mas o óleo responde por apenas 0,34% de todo IPCA, enquanto a soja é cerca de 16% do IPA. "As reduções estão chegando aos consumidores, mas seu impacto é muito menor", disse Leal.
É também o caso do milho e da cana de açúcar, que tiveram queda, respectivamente, de 11,98% e 2,49% no atacado em abril. O milho, ao lado da soja, se reflete nos preços de aves e suínos, já que é a base de sua ração: no varejo, pelo IPCA, a carne de porco está 1,41% mais barata e o frango inteiro caiu 1,92%, enquanto o açúcar refinado, acompanhando a cana, teve queda de 4,50% nas prateleiras. Todos estes produtos, no entanto, conforme pontuou Leal, têm peso muito menor no IPCA do que o de suas matérias-primas no IPA.
Algumas destas quedas no atacado, aliadas à desoneração da cesta básica, contribuiram para a queda destes preços ao consumidor. "[A desoneração] algum efeito teve. Não dá para isolar esse impacto, porque a variação do preço não depende só de redução de impostos. Outros fatores como safra e demanda têm influência", ponderou Eulina Nunes dos Santos, coordenadora de índices de preços do IBGE. As principais quedas de alimentos em abril são de itens que constam da cesta básica: açúcar refinado (-4,5%), açúcar cristal (-3,41%), óleo de soja (-2,87%), frango inteiro (-1,92%), arroz (-1,87%), carnes (-1,78%), frango em pedaços (-1,58%) e café moído (-1,37%)..
Os economistas avaliam que os alimentos vão subir menos nos próximos meses, mas outros itens vão influenciar a inflação, como transportes urbanos, puxados pela tarifa paulistana. "A alimentação irá dar um alívio no curto prazo e, em maio e junho, a inflação mensal deve desacelerar, mas os outros elementos seguem pressionando e logo ela volta a subir", disse Flavio Serrano, economista-senior do Banco Espírito Santo.
Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria, calcula que, considerado o acumulado em 12 meses, a inflação deve voltar a estourar o teto da meta em junho, julho e agosto, além de cravar os 6,5% já em maio. "Este será um mês relativamente tranquilo, mas em junho já há reajuste do transporte público, o que deve impactar no IPCA de junho e julho, e agosto", disse.
Outros fatores, como serviços, pressionaram a inflação de abril. Após alta bem modesta em março (0,26%), os serviços subiram 0,54% em abril. "Há um conjunto de fatores pressionando que, em determinado momento, sofreu uma pressão adicional dos alimentos, e isso acabou chamando mais a atenção. Mas os alimentos não são o 'vilão da inflação', eles só pioraram uma situação que já era ruim", disse Serrano.
Veículo: Valor Econômico