Depois de uma indústria que cresceu abaixo do esperado em março, os números do comércio confirmam um primeiro trimestre que ainda não trouxe a recuperação econômica com que se chegou a contar no início do ano. A inflação alta está entre os principais fatores apontados por economistas consultados pelo Valor para a desaceleração vista no varejo nos primeiros meses de 2013, ao lado de uma inadimplência elevada, a menor disponibilidade e crédito e uma renda que já não cresce mais tanto como nos últimos anos.
"O PIB até deverá crescer mais no primeiro trimestre do que cresceu no quarto trimestre do ano passado, mas isso será puxado mais por coisas pontuais, como a agricultura e a produção de caminhões, do que por uma mudança efetivamente estrutural", disse Fernanda Consorte, economista do banco Santander, que já reduziu a projeção inicial de 1% para 0,8% para o PIB do primeiro trimestre. "O resultado do varejo apenas confirma isso, mostrando uma desaceleração bastante disseminada entre seus segmentos", disse.
Divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) mostrou que o volume de vendas do varejo recuou 0,1% em março ante fevereiro, depois de já ter caído 0,5% no mês anterior. Consideradas as vendas no primeiro trimestre, houve queda de 0,2% sobre os três últimos meses de 2012 e, na comparação com o mesmo trimestre do ano passado, a desaceleração foi brutal - a alta de 3,5% é apenas metade dos 7,5% que o comércio havia crescido no quarto trimestre de 2012. Os números são do varejo restrito, que não considera as cadeias automotiva e de materiais de construção. Incluídos estes segmentos, o crescimento também é tímido, de 0,2% na passagem de fevereiro para março e de 3,7% na comparação com o primeiro trimestre de 2013.
"Há uma clara tendência de desaceleração no varejo, em vários segmentos", disse Fernanda. "Mesmo setores que vinham crescendo ao longo do ano passado inteiro estão mais fracos neste ano, caso dos eletrodomésticos e até mesmo de veículos." As redes de móveis e eletrodomésticos, segundo o IBGE, tiveram aumento de 1,5% no volume de vendas do primeiro trimestre ante mesmo período um ano antes, alta que havia sido de 9,9% no quarto trimestre, neste mesmo tipo de comparação. No caso dos automóveis, o crescimento passou de 11,4% no quarto trimestre para 4% no levantamento mais recente.
Os volumes em desaceleração destoam do resultado da receita nominal, que, no geral, cresce em ritmo ainda muito maior e confirma as desconfianças do avanço da inflação sobre as compras: enquanto o volume de vendas do varejo restrito caiu 0,1% no mês, a receita subiu 0,8%. Em 12 meses, o volume acumula crescimento de 6,8%, ao lado de uma receita 11,7% maior. Na prática, isso significa que se está desembolsando mais por um número menor de produtos. "O comércio decepcionou no primeiro trimestre, e os números mostram que o impacto da inflação foi maior do que se esperava antes", disse André Muller, analista da Quest Investimentos.
Segundo Muller, o deflator implícito, medida utilizada para verificar a diferença entre a receita nominal e a receita real, foi de 8,3% nos 12 meses encerrados em março, a maior porcentagem desde abril de 2005, quando havia batido 8,7%. "O deflator funciona como uma medida do aumento de preços, e desde 2005 não era tão alto. Isso confirma que as vendas estão sofrendo com a inflação, em especial no setor de supermercados, que já registra dois meses de queda", disse Muller.
Responsável por quase metade das vendas do varejo restrito, o setor que abrange supermercados, bebidas e fumo, e que sofre com a inflação especialmente alta dos alimentos, teve queda de 2,1% no volume de vendas na passagem de fevereiro para março, depois de já ter caído 1,4% no mês anterior. Por outro lado, em 12 meses, o segmento acumula aumento de 6,1% no volume real de vendas, contra uma receita nominal 14,9% maior no mesmo período.
Para Leandro Padulla, economista da MCM Consultores Associados, além da inflação, a retração no comércio reflete também um mercado de trabalho e uma renda que, neste ano, já não crescem tanto como nos últimos. "O mercado de trabalho vem mostrando acomodação nos últimos dois meses, enquanto os salários estão tendo ajustes menores do que tiveram no ano passado. Isso tem impacto no comércio", disse.
Atualmente, a MCM prevê um crescimento de 6% no volume de vendas do varejo restrito e de 3,1% para o PIB em 2013, mas, frente a um primeiro trimestre aparentemente mais fraco do que o esperado, ambos os números estão sob revisão e deverão ser reduzidos.
Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg & Associados, destaca um desempenho tímido em outros segmentos de varejo para além dos supermercados por conta da redução de crédito, preponderante nas compras de bens de consumo duráveis como veículos ou eletrodomésticos. "A inadimplência está ainda alta e, com isso, a renda das pessoas não só está comprometida, como os próprios bancos estão mais restritos na oferta de crédito", diz ela.
A previsão de Thaís, no entanto, é de que o quadro melhore na segunda metade do ano. "A inflação dos alimentos deve arrefecer e, conforme a inadimplência vai recuando, coisa que os números já indicam, deve voltar a haver uma oferta maior do crédito, o que dará mais fôlego ao comércio no segundo semestre."
A previsão da Rosenberg é de um crescimento de 6% para o varejo restrito em 2013. "É menos do que o ano passado, mas ainda é um desempenho bom, ainda mais se pensar em um PIB que, na nossa previsão, crescerá 2,5%", disse Thais. Em 2012, o varejo encerrou o ano com alta de 8,4%.
Veículo: Valor Econômico