Alta do dólar terá efeito diverso no 3º tri

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A intensificação do movimento de alta do dólar ante o real nas últimas semanas deve ter forte impacto sobre os resultados das companhias brasileiras. Por um lado, setores como os de celulose, mineração, siderurgia e frigoríficos aproveitam o cenário, com os preços dos produtos perto dos picos históricos em real e também com receita de exportação. De outro, empresas com grande parte da dívida e custos atrelados à moeda americana sofrem ainda mais com a situação e buscam alternativas.

As produtoras de celulose são grandes beneficiadas e o ciclo de preços dos produtos vendidos poderia ser reformulado com as novas perspectivas para o real, na avaliação do Goldman Sachs. O setor possui 100% das suas receitas denominadas em dólar, mas apenas 20% dos custos nesta moeda. As perspectivas para o real mais fraco poderiam compensar a expectativa de queda no preço da celulose no mercado internacional.

"A análise de sensibilidade do nosso modelo indica que, para cada 10% de desvalorização do real, o fluxo de caixa operacional esperado para 2014 na Fibria aumenta em R$ 660 milhões e na Suzano, em R$ 310 milhões", afirma a equipe do analista Diogo Miura, do Goldman Sachs.

Dada a grande variação do câmbio, bancos e corretoras estão refazendo suas contas e revendo projeções

No segmento de mineração, o banco avalia que a moeda mais fraca reduz os gastos da Vale com investimentos. A empresa deve se beneficiar significativamente com o real fraco pois 60% das despesas operacionais e 50% do capex (investimentos) são denominados em reais. "Nossa expectativa para os investimentos e gastos com pesquisa e desenvolvimento de 2014 a 2016 é de US$ 28 bilhões, valor que cai em US$ 2,3 bilhões com o dólar a R$ 2,40", diz a equipe.

Além disso, o minério de ferro está perto do seu pico histórico de preço em reais. Segundo relatório do Goldman do dia 21, o produto está cotado a R$ 334, ou apenas 2,7% abaixo do seu valor máximo, em setembro de 2011. O mesmo acontece atualmente com a celulose, que está em R$ 1.903, só 4,3% abaixo do pico alcançado em outubro de 2002.

As produtoras de aço ganham competitividade no cenário atual, com cerca de 50% dos custos denominados em reais. Os custos de caixa das bobinas laminadas a quente podem cair para US$ 54 a tonelada em um cenário do dólar a R$ 2,40, por exemplo.

Siderurgia hoje não exporta tanto, como lembra a analista do BES Securities, Catarina Pedrosa. As empresas conseguem regular o preço do produto de acordo com o câmbio, pois o principal competidor seria a importação. "Quando o câmbio sobe, a siderúrgica não ganha porque exporta mais e sim porque ela vende mais aqui, com o ganho ante a importação. Você reajusta o preço internamente porque o preço do importado está mais alto."

A analista do BES afirma que outro setor beneficiado é o de frigoríficos, apesar do impacto variar de companhia para companhia. A Minerva é uma das grandes ganhadoras, pois exporta 80% dos seus produtos e tem a dívida em dólar equilibrada com a receita. Já a JBS tem uma parte da produção fora do Brasil, o que gera também custo em dólar e reduz o lucro que poderia ter com a desvalorização do real.

No lado negativo, as companhias aéreas ficam entre as grandes perdedoras, pois boa parte da dívida líquida e do custo com combustível é em dólar. A Petrobras entra no mesmo panorama, com a importação de combustíveis e venda com deságio no mercado interno. Também há as empresas com dívida em moeda estrangeira.

Atualmente, a estatal brasileira vende combustíveis no mercado doméstico com cerca de 20% de desconto na comparação com os preços internacionais, na estimativa dos analistas. E essa é a principal fonte de prejuízo da companhia. A diferença leva a uma perda de cerca de US$ 2 bilhões por trimestre no segmento de refino. Com a acentuada desvalorização do real, os prejuízos ficam maiores.

Além disso, a petroleira possui grande parte da sua dívida lastreada à moeda estrangeira. Para reduzir o impacto da variação cambial no balanço, a Petrobras anunciou em julho a adoção da contabilidade de hedge. A medida permite que a correção de parte da dívida em moeda americana seja diferida do patrimônio líquido e não afete o lucro de forma imediata. Com isso, a companhia evitou R$ 7,98 bilhões em perdas financeiras no segundo trimestre.

A Braskem, no mesmo mês, anunciou a adoção das mesmas práticas. No balanço, a petroquímica detalhou ter adotado em 1º de maio a contabilidade de hedge, que evitou prejuízo de R$ 1,08 bilhão no trimestre e perda líquida de R$ 855 milhões no acumulado dos seis meses do ano.

Segundo levantamento do Valor Data, no fim de junho a dívida líquida de 209 empresas abertas somava R$ 571,3 bilhões. No fim do mesmo trimestre do ano passado, o valor era de R$ 508,79 bilhões e, no mesmo período de 2011, de R$ 306,96 bilhões. Trata-se de uma evolução de 12,3% ante 2012 e alta de 86,1% em dois anos.

E a situação tende a piorar. No fim do terceiro trimestre do ano passado, o dólar Ptax era cotado a R$ 2,03. Se a moeda continuar próxima de R$ 2,40, seria uma alta de 18,2% a ser contabilizada neste terceiro trimestre.

Para as companhias aéreas também é difícil ignorar o impacto da mudança de cenário. A Gol tem grande exposição, com mais de 55% das despesas operacionais em dólar e apenas cerca de 10% nas receitas são expressas na moeda americana, segundo o BTG Pactual. "A situação fica pior ao lembrar que 70% da dívida da companhia está em dólar", diz o analista Renato Mímica, em relatório. Para compensar as perdas, a companhia adotou uma estratégia de racionalização, com cortes de capacidade e foco no aumento da rentabilidade.

A Latam, empresa criada após a fusão da chilena LAN com a TAM, também tem sofrido com a situação, e os resultados nos negócios brasileiros pressionaram o balanço consolidado. De acordo com relatório de análise sobre os resultados da empresa elaborado pelo BofA, a Latam enfrenta um cenário menos otimista e a depreciação do real entra como uma das principais preocupações. O banco cortou o preço-alvo dos ADRs como consequência.

O segmento de energia sofre um pouco com a mudança. A estatal Eletrobras acaba prejudicada por ter um terço da sua dívida bruta denominado na moeda estrangeira. Por outro lado, a companhia gerencia a hidrelétrica de Itaipu, cuja energia é dolarizada e proporciona receitas maiores para a empresa. Distribuidoras, no geral, sentem o lado negativo ao contratar a energia gerada na usina.

Dada a grande variação do câmbio, bancos e corretoras estão refazendo suas contas e revendo projeções. O Bank of America Merrill Lynch revisou, na semana passada, a estimativa para o dólar no fim do ano e para 2014. A casa de análise afirma que o real está um pouco subestimado após a recente desvalorização. Mas o preço no curto prazo será determinado pelas taxas de juros globais e pela política de intervenção do Banco Central.

O banco manteve a recomendação neutra para a moeda dada a volatilidade expressiva e a política de intervenção cambial. Ao mesmo tempo, revisou a projeção do preço do dólar em reais para R$ 2,40 para o quatro trimestre deste ano e de R$ 2,50 para o quarto trimestre de 2014. A estimativa anterior para os dois períodos era do dólar a R$ 2,20.

Karina Freitas, analista da Concórdia, ao analisar o mercado de capitais com o atual cenário, prefere continuar com as ações com potencial no longo prazo. Ela, no entanto, afirma que vários analistas recomendam exposição às grandes exportadoras, para aproveitar os ganhos no curto prazo. "O patamar de hoje do dólar beneficia as grandes exportadoras, mas pressiona empresas com custos em dólar, na alavancagem e no planejamento de investimentos. Não sabemos se o atual patamar é o que vai continuar", avalia.



Veículo: Valor Econômico


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