Novo choque de alimentos desafia a política monetária

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A persistência da inflação ao redor de 6% por anos consecutivos e a projeção de que continuará nesse incômodo nível por um bom tempo ampliou muito o risco de que o teto da banda do sistema de metas seja ultrapassado ao sabor de imprevistos. É o que ocorre agora. Não é preciso nenhuma "jabuticaba" teórica, nem digressões abstratas sobre a eficácia da política monetária no Brasil para descobrir que a inflação está aonde está porque não houve interesse ou desejo do governo em pagar o preço necessário para reduzi-la para o centro da meta, de 4,5%. Esse número simplesmente sumiu do radar do Banco Central e reapareceu ontem na forma de uma frase de efeito do presidente do BC, Alexandre Tombini, durante audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Tombini disse que o Brasil não está condenado a ter inflação acima do centro da meta. A realidade é que foi isso que ocorreu nos últimos cinco anos.

O único sinal de desconforto no discurso escrito de Tombini foi o uso da palavra "choque" para se referir à nova alta dos preços dos alimentos, que propiciam um repique da inflação. Ele foi muito econômico sobre o tema, e bem mais expansivo em temas que a autoridade monetária raramente trata. Falou elogiosamente do programa Ciência sem Fronteiras, do Pronatec, das concessões, dos investimentos na BR 163 etc. Uma de suas conclusões: "O Brasil tem conduzido uma ampla agenda de reformas estruturais".

Parece inevitável que o ciclo de elevação da taxa de juros terá agora de ser mais longo do que o previsto pelo BC, que reduziu a 0,25 ponto o aumento da taxa Selic na reunião mais recente do Copom. Após a dose de 3,5 pontos percentuais desde abril de 2013, a inflação projetada pelas instituições consultadas para o boletim Focus está em alta e chegou a 6,11%.

A propagação do choque de alimentos, que é temporário, terá de ser contida mas, se quiser evitar romper o teto de 6,5%, o BC terá de elevar mais os juros e se manter "especialmente vigilante" o tempo todo. De 2010 a 2013, a inflação média dos anos fechados foi de 6,04%. Nesse nível de acomodação da inflação, a chance de imprevistos, ou de um choque "emendar" no outro, é grande. Após domar um choque no preço dos alimentos bem mais forte que o atual em 2011, seguiram-se choques cambiais em 2012 e 2013 e, agora, nova pressão sobre os alimentos.

A política monetária é apenas uma das armas contra a inflação, e o BC só é responsável por ela. O contexto lhe foi amplamente desfavorável. A política fiscal foi claramente expansionista, especialmente a partir de 2010, no último ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, interessado em eleger sua sucessora, Dilma Rousseff. Sem ser um desastre ao pé da letra - ainda há superávits primários, embora sejam os menores em muito tempo -, os malabarismos contábeis feitos para obtê-lo chamaram a atenção das empresas de classificação de risco, hoje claramente de mau humor com o país, que podem acabar rebaixando-o.

Além disso, o governo não poupou incentivos ao consumo e, independente dos motivos - eleitorais, populistas ou outros - a diminuição do preço da energia, a contenção dos preços dos combustíveis e o involuntário congelamento de tarifas públicas nas capitais contribuíram para tirar algum ímpeto da inflação. Ela, porém, não cedeu muito. A descompressão desses itens importantes, com o nível de preços estacionado aonde está, romperá a barreiras dos 6,5% e continuará sendo adiada. O interesse eleitoral dá e continuará dando o norte a esses preços ao longo do ano. A conta da energia, agravada pelo baixo nível dos reservatórios, tornou-se especialmente salgada.

Os índices parciais de inflação divulgados ontem não foram bons. O IGP-M, em sua segunda prévia, mostrou alta de preços no atacado de 1,87%, com os alimentos subindo 5,13%. Os alimentos no IPC da Fipe, que mede a inflação paulistana, foram responsáveis por quase metade da variação de 0,68% da segunda quadrissemana de março. Mas, mesmo antes do choque dos alimentos, o IPCA indicava alto grau de difusão dos aumentos de preços.

O BC dispõe de autonomia para enfrentar a inflação e alongou o horizonte temporal para minimizar os efeitos sobre a economia de uma pancada dos juros, algo admissível em tese. Mas, quatro anos depois, diante de resultados ruins, o BC continua na mesma toada, com o mesmo linguajar. Objetivamente, a autoridade monetária não se sente desconfortável com os reveses no front inflacionário.



Veículo: Valor Econômico


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