Consumidor no sacrifício derruba vendas no varejo

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Preços e juros mais altos levam brasileiros a pisar no freio e esfriam o comércio do país. Disparada do custo do dinheiro provoca retração de 1,1% na receita das lojas em março

A escalada da inflação e o aperto no orçamento doméstico por conta dos juros mais altos levaram o brasileiro a botar o pé no freio. Com mais da metade da renda comprometida com financiamentos bancários e dívidas não pagas, faltaram recursos para comprar itens do dia a dia, como alimentos e até roupas. O resultado foi que o varejo teve, em março deste ano, o pior desempenho desde 2003.

As vendas encolheram 1,1% quando comparadas ao terceiro mês de 2013. Contra fevereiro, também houve queda, de 0,5%, algo que não acontecia desde fevereiro do ano passado. A inflação mais alta foi um dos principais motivos que pesaram para essas quedas, disse o economista da Boa Vista Serviços, Flávio Calife. “Preços mais altos afetam de maneira mais intensa orçamento das famílias mais pobres, que, precisarão destinar uma maior parcela da renda para comprar itens de primeira necessidade, como alimentos e bebidas”, emendou.

Não por acaso, o setor supermercadista foi o que apresentou o pior resultado em março, com queda de 2,8% nas vendas sobre o mesmo mês de 2013. Para a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Aleciana Gusmão, os maus resultados se deveram ao efeito calendário. “Neste ano, o carnaval caiu em março, o que resultou num menor número de dias úteis do que março do ano passado”, disse. Em contrapartida, o feriado da Páscoa, que ajuda a incrementar as vendas de supermercados por causa da demanda por pescados e chocolates, caiu este ano em abril, e não em março.

Mas não foi só o efeito calendário que derrubou as vendas do varejo. Dos oito segmentos pesquisados pelo IBGE, apenas três mostraram números positivos em março. Foram os casos de farmácias, que venderam, em média, 9,6% a mais e de combustíveis, com alta de 4%. Completa a lista as lojas de móveis e eletrodomésticos, que reportaram com incremento de 3,8% nas vendas.

Para especialistas, os dados sinalizam o esgotamento do modelo de crescimento baseado no estímulo ao consumo. “Nos últimos anos, sempre que a economia ia mal, o governo abria a torneira do crédito dos bancos públicos e inundava o mercado com dinheiro barato. Deu certo até um certo momento, porque havia uma demanda reprimida por bens como veículos e eletrodomésticos”, disse o economista sênior do BES Investimento, Flávio Serrano.

À medida que as famílias compraram esses itens, o governo precisou adotar novas medidas de estímulo, como o desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a compra de móveis, eletrodomésticos e veículos. Mesmo essa medida, disse Serrano, tinha alcance limitado. “Você não compra carro só porque ficou mais barato. Esses descontos só ajudam a antecipar a compra futura, porque o consumidor tenta aproveitar o desconto. Mas ninguém compra carro e geladeira todo ano”, observou.

Os resultados mais fracos do varejo refletem a falta de eficácia dessas medidas ao longo do tempo. O melhor desempenho do comércio ocorreu em 2010, quando as vendas cresceram 10,9%, no acumulado no ano. De lá para cá, os resultados foram encolhendo, mesmo que o governo ainda recorresse a medidas de estímulo ao consumo. Em 2013, a alta foi de 4,3%, a menor variação registrada em 10 anos.

DESACELERAÇÃO A tendência de desaceleração persistiu este ano. A cada mês, os resultados do varejo só pioraram. Se, em janeiro, as vendas cresceram 0,4%, em fevereiro, a variação foi nula e, em março, houve queda de 0,5%, na comparação contra o mês anterior. Aleciana atribuiu os números ao baixo desempenho do PIB. “Quando a economia não se comporta de uma forma tão boa isso acaba refletindo no consumo das famílias e, também, no comércio mais fraco”, disse.

A consequência desse processo, emendou Flávio Calife, é que o brasileiro passou a ficar mais cauteloso, porque teme que a piora da economia possa levar, em algum momento, a uma situação de desemprego. “A menor confiança do consumidor é reflexo de diversos problemas que o país vem enfrentando, entre os quais a piora da inflação e a perda de dinamismo do mercado de trabalho”, disse.

Em quatro anos, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o parâmetro oficial do custo de vida no país, nunca fechou dentro do centro da meta de inflação perseguida pelo governo, de 4,5% ao ano, com tolerância de dois pontos para baixo e para cima. Ao mesmo tempo, os rendimentos dos trabalhadores perderam força. Em 2013, a massa salarial real (que desconta a inflação) cresceu 2,8%, o menor desempenho desde 2007.

CRÉDITO CARO Para piorar, os juros praticados pelos bancos e financeiras engoliram outra parte da renda dos trabalhadores. Dados divulgados ontem pela Associação Nacional de Executivos de Finanças (Anefac) mostram que a taxa média de juros cobradas nas principais linhas de financiamento subiram de 88,61%, em abril de 2013, para 100,31, mês passado. Significa um incremento 11,7 pontos em um ano, três vezes mais, portanto, do que a elevação da taxa Selic no período, de 3,75 pontos, de 7,25% ao ano para 11%.

Para Serrano, a falta de dinamismo do varejo, apesar de aparecer este ano, é resultado do esgotamento de um modelo econômico que, para ele, é equivocado. O que está claro, disse o economista, é que a política de estímulo ao consumo adotada desde a crise de 2008 não conseguirá mais garantir os resultados de antes. “A gente ainda acha que varejo vai crescer acima do PIB (Produto Interno Bruto) este ano, mas, certamente, já não será mais um desempenho brilhante como em anos anteriores”, observou Serrano.



Veículo: Estado de Minas


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