Na tentativa de conter as reivindicações argentinas para maior controle no comércio bilateral, o governo brasileiro tenta convencer empresários do setor privado a aceitar acordos "voluntários" de restrição de importações em pelo menos nove setores: calçados, têxteis, eletrodomésticos da linha branca (fogões e geladeiras), televisores, máquinas agrícolas, têxteis, calçados e couro, papel e siderurgia (tubos e chapas de aço). O secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral teria sido destacado para negociar com o setor privado, informação que não é confirmada pelo ministério.
A medida é vista, no governo - e por alguns empresários - como uma alternativa viável à situação atual, em que os argentinos retém vendas brasileiras atrasando a liberação de licenças de importação. O acordo, como já se fez no passado, daria maior previsibilidade aos negócios com o país vizinho, em um momento de crise na economia local, que provoca aumento das pressões protecionistas. Há sinais de que a diplomacia argentina tem simpatia pela ideia, mas é uma incógnita a reação da ministra de produção, Débora Giorgio, que, na avaliação dos tecnicos brasileiros, recebeu a incumbência de equilibrar a balança comercial da Argentina com o Brasil.
A Argentina importou do Brasil quase US$ 4,4 bilhões a mais do que vendeu ao país no ano passado, embora a queda no comércio bilateral tenha reduzido esse déficit a apenas US$ 60 milhões no primeiro bimestre de 2009. Entre janeiro e fevereiro deste ano, o sócio do Mercosul comprou US$ 1,274 bilhão do Brasil, valor 41% inferior ao adquirido no mesmo período do ano passado. Aparentemente, a Argentina deseja que o equilíbrio ocorra também no comércio em setores onde quer estimular as indústrias locais.
Em fevereiro, reunida com mais dois ministros argentinos e três brasileiros no Palácio do Itamaraty, Giorgio não chegou a lançar a proposta de comércio administrado entre os dois países, mas reclamou dos déficits comerciais da Argentina com o Brasil em setores como "máquinas e aparelhos comuns e eletrônicos", de US$ 2,8 bilhões, e máquinas agrícolas (quase US$ 500 milhões). Na ocasião, ela citou também os setores de produtos siderúrgicos e de papel.
Só as exportações de têxteis, calçados e linha branca, que incluem produtos antes submetidos a acordos de limitação de exportações do Brasil à Argentina, chegam a quase 5% do total vendido pelos brasileiros ao vizinho do Mercosul. A inclusão de produtos siderúrgicos, papel e máquinas agrícolas elevaria substancialmente esse percentual, mas o governo não tem o cálculo exato. O Ministério do Desenvolvimento resistia a fazer mais concessões aos argentinos, mas não encontrou respaldo nem no Itamaraty nem no setor privado brasileiro.
"Estamos vendo que a situação argentina está se deteriorando. Não dá para ser brando com a Bolívia, a Venezuela, e endurecer com nosso principal sócio", comenta o vice-presidente da Associação de Exportadores Brasileiros (AEB), José Augusto de Castro.
O oferecimento de acordos com cotas informais de exportação ao vizinho não é garantia, porém, de que estará extinta a divergência entre as duas equipes econômicas, desejada pelas diplomacias dos dois países para evitar um fiasco na visita da presidente Cristina Kirchner a São Paulo, em 20 de março, ocasião em que encontrará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O governo argentino, preocupado com a deterioração da balança comercial do país, tem emitido declarações de que quer o "equilíbrio" no comércio bilateral, e até sugere um mecanismo tipo "flex", como o usado no comércio do setor automotivo, pelo qual as vendas de um país ao outro estariam limitadas a um percentual das importações provenientes do sócio. Essa proposta não chegou a ser feita formalmente ao Brasil, mas ainda é a preferida do ministério comandado por Débora Giorgio.
Veículo: Valor Econômico