ICC revela um consumidor temeroso

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O brasileiro está com medo da crise econômica. É o que revela o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) apurado pela Fundação Getulio Vargas. O indicador deste mês, coletado junto a mais de 2.100 pessoas em sete capitais do país entre os dias 2 e 20, caiu para 94,6 pontos, uma queda de 1,4% ante a janeiro. Trata-se do pior resultado da série que teve início em setembro de 2005.

 

"O consumidor já vem absorvendo as notícias de crise desde setembro e, desde aquele momento, o índice vem caindo", comentou Viviane Seda Bittencourt, coordenadora técnica da Sondagem de Expectativas do Consumidor da FGV. Segundo ela, a série, sem o ajuste sazonal -- que elimina as variações típicas de consumo em determinadas fases do ano como dezembro ou em maio, em função do Dia das Mães -- teria registrado em janeiro uma melhora do índice em 3%. Mas, segundo a técnica, com a revisão das contas feitas um mês após o resultado preliminar, eliminando-se os efeitos sazonais, o ICC de janeiro teria, na prática, uma variação positiva mínima, de 0,1%. Esse resultado, quando somado aos meses anteriores, aponta para uma queda acentuada do indicador a partir de setembro, ou menos 13,4%, saindo de 109,2 pontos, no início da crise internacional, para os atuais 94,6 pontos. "Resumindo, o ICC nunca chegou a um patamar tão baixo", afirmou a especialista.

 

Viviane detalhou a composição do índice, formado a partir de cinco perguntas - duas sobre a situação atual do consumidor e outras três sobre suas expectativas. No caso de como se encontra a situação econômica atual de sua cidade, o valor obtido é o menor da série: 50,6% das pessoas ouvidas acreditam ser ruim; 8,7%, boa; e 40,7% normal. "O número de consumidores afirmando acreditar numa boa situação econômica local caiu muito", ressaltou a especialista.

 

O mesmo ocorreu quando foi perguntado como o consumidor via a situação econômica de sua cidade nos próximos seis meses: 30,5% acreditam que vai piorar; 17,4% que deve melhorar; e para 52,1%, tudo ficará no mesmo.

 

Quanto à percepção da situação da própria família, o índice do momento está em 103,1, "ainda muito acima de 2007, quando o menor da série deu-se em março, com 98,4 pontos", recordou Viviane. Mas, a mesma pergunta feita sobre o futuro próximo da unidade familiar, de seis meses, revela que a confiança está em baixa, com 120,7 pontos. "É um indicador baixo, um pouco acima do menor da série, registrado em dezembro passado, quando o índice chegou a 119,8 pontos", informou a técnica.

 

A intenção de compra de bens duráveis também está deprimida. "Aqui, mais uma vez, temos o menor índice da série, com 66,6 pontos", afirmou Viviane. Os dados obtidos em fevereiro revelam que 40,2% dos consumidores dizem que vão gastar menos em seis meses com bens duráveis; 53% manterão o seu nível de consumo; e apenas 6,8% alegam que pretendem comprar mais no futuro.

 

De acordo com a especialista da FGV, o consumo será muito cauteloso nos próximos meses, à exceção da compra de automóveis. Há a intenção de aumento de compras nesse segmento, cuja produção mensal caiu de um patamar de 300 mil unidades, em setembro, para 102 mil unidades em janeiro. "Neste segmento as vendas começam a reagir", frisou ela. A especialista ressaltou, ainda, que a cautela do consumidor é generalizada em todas as faixas de renda.

 

A pesquisa da FGV repercutiu na Associação Comercial de São Paulo. Para o economista chefe da casa, Marcel Solimeo, trata-se da primeira manifestação do consumidor que demonstra com clareza que ele se sente afetado diretamente pela crise. "Em nossas pesquisas próprias, do Índice Nacional de Confiança, levantado pelo IPSOS, apuramos até o mês passado que o brasileiro estava preocupado com a crise, mas que acreditava que ela passaria em breve. Agora, com os dados atuais, percebe-se que, hoje, ele teme os efeitos da crise e percebe que ela será mais longa do que inicialmente acreditava", afirmou. Para o especialista, as notícias de desemprego são a fonte mais provável da preocupação do consumidor. "Era esperado que, em algum momento, diante de todo o noticiário negativo tanto do exterior como da economia local, que as novidades influenciassem o estado de espírito do brasileiro", ponderou Solimeo.

 

O economista dos comerciantes de São Paulo lembrou que a desaceleração da economia já está sendo detectada por outros indicadores. "No caso do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SPC), as consultas vinham crescendo 8% ao mês -- em comparação com o mesmo mês do ano anterior -- até setembro. Em outubro, imediatamente após a eclosão da crise, elas cresceram apenas 4,5%; em novembro, 1,2%. Daí para frente, passaram a cair. Em janeiro, menos 6% e estamos estimando menos 9% para o mês fevereiro, que ainda não fechou", comentou ele.

 

Inadimplência em alta

 

Outro indicador de como a crise traz reflexos ao consumo é a inadimplência. Segundo o Banco Central, em janeiro ela foi de 8,3% no crédito para as famílias, as quais registraram atrasos de pagamentos superiores a 90 dias. Segundo Solimeo, historicamente a principal causa da inadimplência é o desemprego. "E ele nem sequer subiu tanto assim. Ou seja, quando ele de fato crescer, a inadimplência tenderá a ser muito mais alta ainda", ponderou.

 

Outro complicador citado por Solimeo é a queda brusca na renegociação de débitos no comércio paulista. "Antes dava-se para oferecer mais facilidades para o consumidor endividado, de forma que pudesse pagar suas dívidas. Mas, agora, com uma captação mais cara e prazos mais curtos, o mercado já não consegue propor condições mais favoráveis para quem busca quitar seus compromissos em atraso", lembrou. Para o economista, o cenário descrito pelo ICC "não é brilhante". "A ficha do brasileiro, afinal, caiu. Mesmo quem não foi atingido diretamente está receoso".

 

Veículo: Gazeta Mercantil


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