Crise política aprofunda adiamento da decisão de investimentos e consumo

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São Paulo - A incerteza política já adia as decisões de investimentos e de consumo com impactos imediatos nas projeções de crescimento da economia brasileira para o exercício de 2017.

 

Fatos recentes como o processo de denúncia contra o presidente da República, Michel Temer; a sentença em primeira instância contra o ex-presidente Luiz Ignácio Lula da Silva; e a alternativa de um governo nas mãos do atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, só lançam mais dúvidas sobre o contexto doméstico da crise política.

 

De acordo com economistas consultados pelo DCI, a expectativa de crescimento de 0,50% do Produto Interno Bruto (PIB) esperada pelo Ministério da Fazenda está sendo revisada para baixo.

 

"Dados de junho da economia mostram que as decisões de investimentos e de consumo estão sendo postergadas", argumenta o economista-chefe da Guide Investimentos, Ignacio Crespo, que projeta uma alta do PIB de apenas 0,2% neste ano.

 

Em pensamento semelhante, o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, diz que as estimativas estão caminhando para a realidade, e na projeção da gestora, o crescimento do País será de 0,38% em 2017. "Só sobrou a política monetária [baixa dos juros] para estimular a economia", afirmou Vieira.

 

Na avaliação do economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, os fatos recentes da crise política aumentaram ainda mais as incertezas. "Não tenho mais convicção de que a reforma da Previdência Social será aprovada, talvez apenas uma fixação da idade mínima, e isso afeta muito o cenário para investimentos de longo prazo", comenta. A SulAmérica Investimentos já revisou o crescimento do PIB, de 0,50% para 0,40% devido ao agravamento da crise política.

 

Na perspectiva de curto prazo, Vieira aponta que o atual governo vá tentar passar a aprovação da idade mínima por medida provisória. "Seria uma solução muito desidratada ficando prevista a necessidade de uma revisão [reforma mais abrangente] para 2019 quando tiver um novo governo", aponta o economista.

 

A expectativa dele é que o rombo das contas públicas ficará maior que os R$ 139 bilhões que estão na meta fiscal, reflexo do menor avanço da economia e da frustração de receitas pelo governo. "O rombo fiscal só aumenta", diz.

 

Desconfiança

 

O economista Leonardo Trevisan, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), reforça que o mês de maio significou uma "quebra" nas decisões de investimentos das empresas brasileiras. "A economia do País cresceu no primeiro trimestre, porque havia um horizonte mais ou menos definido até 2018, uma perspectiva de que um calendário de reformas seria cumprido", afirma ele.

 

"No entanto, com as denúncias envolvendo o presidente Temer, os investimentos do Estado brasileiro entraram em compasso de espera", complementa. Diferentemente da visão do mercado, Trevisan avalia que a trajetória da economia não se descolou da política. "Isso é mais um grande desejo do que uma realidade", ressalta ele. O professor explica que, historicamente no Brasil, os aportes públicos sempre tiveram um papel indutor dos investimentos privados e, portanto, do crescimento do PIB nacional.

 

Diante do corte expressivo dos investimentos públicos nos últimos dois anos, Trevisan ressalta que ficou mais difícil para o empresariado do País enxergar oportunidades para desengavetar projetos no curto prazo. Segundo ele, os aportes estatais caíram de 8% do PIB em 2015, para quase 3% do PIB em 2017. "Decisões e cenários políticos têm forte influencia não só nos investimentos como na construção das expectativas de investir".

 

O economista-chefe da Austin Rating, Alex D'Agostini, também afirma que os últimos eventos políticos reduziram o ímpeto do empresariado nacional de iniciar novos projetos. "Os novos choques políticos abalaram a confiança", afirma o economista.

 

Para Trevisan, também é "ilusão" apostar que uma substituição do Temer pelo Maia irá reativar as perspectivas de investir. "É preciso lembrar que esta transição não se dará de forma tão instantânea. É um processo demorado. Não podemos esquecer que o impeachment da ex-presidente Dilma [Rousseff] se arrastou por oito meses", considera.

 

"O Temer tem direito de defesa e já estamos no segundo semestre, caminhando para 2018, que será um ano de eleições, ou seja, quando, tradicionalmente, o País para de novo", complementa o professor.

 

Trevisan pontua ainda que o governo está se utilizando de "ferramentas artificiais" para induzir o consumo. Exemplo disso foi a liberação das contas inativas do FGTS. "Este é um dinheiro que deveria ser utilizado lá na frente para a aposentadoria do trabalhador, mas que está sendo usado agora, dando a sensação de que o consumo está crescendo. Esta é mais uma ilusão. Não é a toa que o consumo expandiu em abril e caiu em maio. Não existe dois FGTS", critica.

 

Já para D'Agostini, a economia está conseguindo caminhar de forma separada da política, ainda que lentamente. Ele afirma que já houve um ajuste forte nos estoques das empresas e que a indústria e o varejo vêm apresentando crescimento "um mês ou outro".

 

No entanto, o economista destaca que o cenário para o mercado de trabalho não é tão animador, com exceção do agronegócio e dos segmentos voltados para a exportação. Ele conta que as empresas elevaram a sua produtividade na crise, aprendendo "a fazer mais com menos", o que dificulta, ao lado da crise política, uma retomada mais vigorosa dos postos de trabalho.

 

Já para o economista da GO Associados Luis Castelli, a sanção da reforma trabalhista pelo Temer ontem deve trazer uma perspectiva positiva para as empresas mais no médio prazo do que de forma imediata, na medida em que flexibilize as relações de trabalho.

 

 

 

Fonte: DCI São Paulo

 

 


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