A América Latina deve sofrer menos com a crise global e os efeitos serão diferenciados. A expectativa é de recuperação entre o fim deste ano e o início de 2010, segundo participantes do Fórum Econômico Mundial para a América Latina, aberto ontem no Rio. Os países da América do Sul, em especial o Brasil, devem sofrer menos devido à maior diversificação dos destinos de suas vendas externas em relação à América Central, mais dependente da economia americana. Uma das principais mensagens dos participantes é de que a política fiscal da região, que tem sido mais expansionista para reativar a economia, seja feita de forma cuidadosa para que depois da crise, os juros não voltem a subir em decorrência de um eventual aumento da dívida pública.
Para o economista da Universidade Católica do Chile Felipe Larraín Bascuñan, é preciso verificar a eficiência dos pacotes fiscais de estímulo e os seus efeitos macroeconômicos. "Se gastamos mais, o endividamento sobe e os juros ficam mais altos." O economista acredita que a América Latina está mais resiliente à crise de uma forma geral. "A recessão não será muito forte", disse ele, para quem o pior, entretando, não passou.
Há riscos ainda de piora no mercado de trabalho, como cita o economista Maurício Cárdenas, diretor para a América Latina do Instituto Brookings, uma ONG americana sobre políticas públicas em economia. Embora os economistas tenham defendido a criação de vagas em obras emergenciais, o emprego deve ser estimulado por meio de subsídios na contratação, uma vez que resultariam em postos de trabalho de longo prazo.
Entre os desafios colocados por Bascunãn para o pós-crise está a necessidade de que esse aumento do emprego seja acompanhado de produtivididade, o que significa mais foco na educação e na capacitação profissional. Nos últimos cinco anos, o emprego na América Latina cresceu sem aumento da produtividade, uma situação de desvantagem em relação a países cuja mão de obra recebe baixos salários, como a China.
Outro ponto ressaltado pelos participantes do fórum é a concentração de eleições presidenciais e a possibilidade de aumento do populismo na região, o que pode criar problemas com os mercados e com os fluxos financeiros. "Seja qual for a saída para essa crise, haverá ruído nos mercados devido aos processos eleitorais, como ocorreu no Brasil em 2002. E vai ser importante os países encontrarem meios de diminuir esses ruídos" , disse o diretor de desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Javier Santiso.
"A crise não é aquela que estamos acostumados a ver, com inadimplência, problemas nos sistema de pagamentos ou hiperinflação", disse o ex-presidente do Banco Central brasileiro Armínio Fraga. "Todos (na América Latina) passamos por uma prova de fogo e alguns vão sair bem, como o Chile. Estou otimista com o Brasil", disse. Fraga, que prevê queda de 1% no PIB deste ano, argumenta que o país tem condições de sair bem da crise porque sua economia não é alavancada como a dos países mais afetados, tanto do lado do governo como pelas empresas e famílias.
Para o diretor para América Latina do Fórum Econômico Mundial, Emílio Lozoya, é preciso que a região evite a qualquer custo o protecionismo porque o incremento do comércio internacional se encarregará de aprimorar o número de empregos. O presidente do Itaú Unibanco, Ricardo Villela Marino, disse esperar que a América Latina retome a sua taxa de crescimento substancialmente, independentemente da orientação política de cada governo. "Apesar das ideologias, os governos devem focar nas medidas contracíclicas", disse. Segundo Villela Marino, para que a região volte a ter um mercado consumidor consistente, será preciso que os governos tomem medidas para fomentar o microcrédito, além de incentivar o comércio intrarregional. "Na América Latina, o comércio regional representa apenas 20% do total, enquanto na Ásia chega a 35% e na Europa, a 65%."
O presidente da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, acredita que os investimentos em infraestrutura na América Latina e no Brasil são a chave para que a saída da crise seja suave. Para ele, os investimentos no setor garantidos pelos governos são benéficos não só por criarem empregos diretos, mas por darem condições para que a região volte a crescer de maneira sustentável. "Há um ano, faltava tudo no Brasil. A gente não conseguia crescer, faltava até estrada. Tem que aproveitar o momento para colocar a casa em ordem", disse Odebrecht.
O estrategista-chefe global da consultoria Accenture, Mark Spelman, acredita que 2009 será um marco do aumento da influência dos emergentes nas discussões estratégicas globais. "Os encontros do G-20 já têm mostrado isso", disse. Para ele, os líderes com boa reputação global, como Barack Obama, Angela Merkel e Lula terão papel importantíssimo e precisarão trabalhar juntos por alguns anos para restabelecer a normalidade.
Veículo: Valor Econômico