Enquanto três prêmios Nobel de Economia não pouparam elogios para a política macroeconômica brasileira diante da atual crise econômica mundial, o governador de São Paulo e virtual candidato do PSDB para a eleição presidencial de 2010, José Serra - apesar de fazer questão de dizer que não está em campanha - , fez críticas à política de cortes pequenos e graduais do Banco Central brasileiro.
Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia de 2001, Edward Prescott (Nobel de 2004) e Robert Mundell (Nobel de 1999), afirmaram ontem pela manhã, durante o "Exame Fórum" em São Paulo, que o Brasil está em melhores condições do que a maioria dos países desenvolvidos, tendo sentido pouco os reflexos da desaceleração econômica mundial e, por isso, países que adotarem políticas austeras deverão se recuperar em 2010. O Brasil poderá atingir este resultado antes dos demais.
Para Stiglitz, o País deverá situar-se entre as maiores potências globais até 2030, cinco anos depois de a China conquistar o posto de maior economia mundial. "A política monetária brasileira deixou espaço de manobra", afirmou. "Como uma grande economia, o Brasil tem mais espaço para um estímulo efetivo ao consumo."
Na opinião de Prescott, o Brasil poderá ser um dos beneficiados com a crise uma vez que o país está mais inserido no comércio internacional. Mas, segundo ele, "é importante que o País tenha mais empresas multinacionais brasileiras e também abra o mercado para as estrangeiras".
Serra, por sua vez, procurou durante o almoço condenar o ritmo lento dos cortes nos juros desde setembro quando houve o agravamento da crise financeira mundial com a quebra do Lehman Brothers, alegando que eles não ocorreram na velocidade que deveriam. "Não perdemos a liderança da taxa de juros mais alta do mundo", criticou Serra lembrando que a inflação acabou não ameaçando a economia devido à queda nos preços das commodities. "O Banco Central poderia ter reduzido naquela época até 4 pontos percentuais de uma vez e ninguém ficaria preocupado com a inflação", afirmou ele acrescentando que é um corte de mais 1,2 pontos percentuais não comprometeria a meta de inflação do BC.
Já o ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, apesar de criticar "os cortes lentos e homeopáticos" do BC brasileiro, procurou destacar que "a política monetária errada nos deu uma vantagem para agora podermos baixar os juros". Segundo ele, a partir do quarto trimestre deste ano, o País retomará o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Tanto para Stiglitz quanto para Mundell e Prescott, o fundo do poço ainda não chegou.
"Não sabemos exatamente em que ponto estamos, mas ainda não chegamos na metade da crise", disse Mundell.
Stiglitz descreveu a trajetória da crise com um traçado diferente dos tradicionais "V" ou um "U", mas uma mistura de "V" com "L", que daria um desenho parecido mais com uma "raiz quadrada" com uma linha mais comprida. "É difícil ter certeza quando se atingirá o auge da crise, mas a recuperação será em um ritmo bem lento."
Prescott, apesar de definir o futuro da economia global como sombrio, foi o mais tranquilizador entre os três economistas. Disse não acreditar que a economia mundial caminha para uma nova Grande Depressão, como a que ocorreu nos anos 1930. "Definitivamente não estamos caminhando para uma nova depressão", afirmou ele, incentivando uma maior competitividade entre os estados de forma a aquecer a economia.
Corte de impostos
Os três prêmios Nobel, assim como Delfim Netto, defenderam um corte de impostos como mecanismo para combater a crise e estimular o setor produtivo.
Neste caso, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi criticado pelos economistas americanos por adotar medidas que irão aumentar os impostos que curiosamente foram reduzidos durante a gestão de George W. Bush, lembrou Mundell.
Stiglitz foi um dos mais céticos em relação ao plano de estímulo da economia norte-americano. "É importante haver uma política de investimentos mas que não seja a fundo perdido", acrescentou.
Na opinião dos quatro economistas, praticamente ninguém ganha com a crise, especialmente porque o desemprego crescente vem sendo a maior preocupação em todos os países. "O trabalhador é quem está pagando o maior preço uma vez que a desigualdade tem se agravado também", disse o ex-ministro brasileiro.
Mundell citou a China como um dos países que ganham com a crise pois mantém um ritmo de crescimento ainda elevado, mas ele mesmo fez algumas ressalvas. "Hoje, a China enfrenta desemprego e desigualdade", acrescentou.
Revisão do cálculo do PIB
Uma das discussões levantadas por Stiglitz foi a defesa de uma nova forma de se calcular o PIB, pois esse não deve ser o único termômetro da evolução da crise. Para o prêmio Nobel de 2001, outros indicadores, especialmente, os sociais devem ser considerados quando o assunto é investimento.
"É preciso incluir indicadores sociais, pois o combate à desigualdade é uma forma de melhorar a economia de um país. Os EUA, por exemplo, podem investir em presídios e isso tem um reflexo direto no PIB, mas nenhuma vantagem social", disse.Medidas anticrise
Outro consenso do três economistas norte-americanos foi o fato de que é preciso uma maior regulamentação do sistema financeiro atual. Prescott, ainda decretou a falência de instituições multilaterais como o Fórum de Estabilidade Financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Mundell defendeu também algumas medidas para evitar futuras crises, como a criação de um conselho global de consultores de macroeconomia e uma moeda de reserva internacional. Nessa linha, inclusive, o autor do trabalho que inspirou a criação do euro lembrou ainda a discussão no G20 (grupo das principais nações desenvolvidas em emergentes) a discussão da criação de uma cesta de moedas para as transações internacionais. Nesse caso, destacou ele, que além do dólar, do euro, do iene e da libra, seria importante a inclusão do iuane, "uma vez que a China não deve ser ignorada nessa discussão".
Durante a apresentação, Mundell fez uma lista com os cinco culpados da crise econômica. Pela ordem: Lewis Ranieri - corretor de bonds e citado por ele como "o pai das hipotecas securitizadas" -, Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) - que foi responsável por uma forte redução das taxas de juros e pelo enfraquecimento do dólar, dando origem à bolha imobiliária - , e Maurice Greenberg - fundador do grupo AIG. Para completar a lista, incluiu o atual presidente do Fed, Ben Bernanke, e o ex-secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson. Mundell responsabilizou estes dois últimos pela crise ao permitirem a quebra do Lehman Brothers, desencadeando assim a quebra de confiança no mercado financeiro. "Eles achavam que uma medida em um final de semana não ia ter impacto grande, mas teve", acrescentou.
Prescott também enfatizou a questão da quebra de confiança no mercado financeiro como um fator crítico para a atual turbulência nos mercados. Mas ele admitiu que evita apostar nas bolsas e acaba optando por investimentos conservadores, como a poupança.
Veículo: Gazeta Mercantil