Consolidada, classe C muda planos da indústria e do varejo

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Mesmo na crise, renda aumentou e o consumidor continuou comprando


 
Tambasco, vice-presidente do Pão de Áçúcar: o plano de expansão do maior grupo varejista do país está focado na bandeira Assai, voltada ao público de menor renda.
A classe C, que já representa 100 milhões de pessoas, ou metade da população do país, continua sendo a principal alavanca que sustenta as vendas do varejo e da indústria. A renda neste ano subiu, impulsionada pelo aumento de 12% do salário-mínimo, o desemprego não veio na intensidade e na abrangência temidas, e a queda do juro, ainda que lenta, ajuda a aumentar a concessão de crédito. O cenário desenhado neste ano, mesmo com a crise global ainda não debelada, mostra que a nova classe C não é um fenômeno conjuntural, veio para ficar e está mais exigente, mudando a estratégia de longo prazo das empresas.

 

"O aumento do salário-mínimo proporcionou um aumento de renda muito importante. E a classe C, que não costuma ter renda sobrando, foi e continua indo para o consumo", diz André Torreta, sócio de A Ponte, empresa de consultoria e pesquisa especializada na base da pirâmide. "Esse estrato social foi beneficiado com evolução de renda e mais formalidade no mercado de trabalho e essas condições não mudaram", diz Olavo Cunha, sócio da consultoria Boston Consulting Group (BCG) no Brasil. "A mudança de patamar de consumo no Brasil é estrutural."

 

Essa massa de brasileiros, com renda entre R$ 912 e R$ 1,4 mil, já compra quatro de cada dez computadores vendidos no país, tira da carteira sete de cada 10 cartões de crédito em circulação e responde por 70% dos apartamentos financiados pela Caixa Econômica Federal (CEF), informa Torreta em seu livro "Mergulho na Base da Pirâmide", lançado neste ano pela editora Saraiva.

 

A classe C, que vem crescendo com maior vigor desde 2003 e nos últimos dois anos ganhou 22,5 milhões de pessoas, despertou a atenção do varejo e da indústria de bens de consumo final, que intensificam estratégias específicas para atender esse consumidor mais exigente.

 

A mensagem foi captada pela líder de produtos de linha branca no país, a multinacional Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul. Para atender a consumidora que quer uma geladeira mais moderna, que não precisa ser descongelada para ser limpa, mas que não podia comprar uma "frost free" de duas portas, a empresa lançou em outubro um refrigerador "frost free" de uma porta da Consul, marca mais popular do que a Brastemp.

 

A empresa mediu as vendas em maio e descobriu que o lançamento ajudou a aumentar as vendas da categoria de geladeira de uma porta em 30% de outubro a maio deste ano em relação a igual período anterior, disse a gerente de marketing da Whirlpool, Daniela Cianciaruso. Houve ainda o impulso dado pela redução do IPI para produtos da linha branca e o preço dessa geladeira caiu de R$ 1,2 mil para R$ 1 mil no varejo.

 

Animada com os resultados, a multinacional lançou neste ano um forno microondas equipado com um porta-retratos e uma geladeira com espaço para se desenhar na porta. A empresa tem diversos projetos, mantidos em segredo, em andamento para a classe média e planeja uma grande ação para a marca Consul no Natal.

 

A Nestlé já tem mais de 20 produtos voltados especificamente para a população de baixa renda, seja com características nutricionais diferenciadas - como adição de vitaminas ou com mudanças no sabor (em geral mais doce) - ou com embalagens menores e mais econômicas, como os sachês de farinha láctea e Nescau. Os itens são distribuídos no varejo no Nordeste e na operação porta a porta da multinacional, iniciada em 2006.

 

O sistema, chamado "Nestlé Até Você", chegou ao final de 2008 com 6 mil revendedoras e deve chegar a 10 mil até dezembro. O programa, que até este ano estava restrito a bairros periféricos de cidades do Sudeste e do Sul do país, chegou ao Nordeste, com o início de operações em Recife em junho e será iniciado esta semana em Belém, na região Norte. As ações têm dado resultado. No ano passado, a Nestlé faturou mais de R$ 1 bilhão com vendas para a população de baixa renda (15% mais do que em 2008) e a perspectiva é continuar em expansão. "Temos de crescer pelo menos o dobro do que a média da companhia", diz Alexandre Costa, diretor de regionalização da multinacional no Brasil.

 

O faturamento da Nestlé no Brasil no ano passado foi de R$ 13,4 bilhões. Costa afirma que a crise não só não alterou o foco, como reforçou a investida. "Esse consumidor está comprando mais, até porque estamos chegando mais perto dele (com a ação de porta a porta)", diz.

 

Os investimentos em marketing no Nordeste este ano foram ampliados. Além disso, a fábrica de Feira de Santana, inaugurada em 2007 para abastecer a região Nordeste, receberá mais R$ 50 milhões para ter sua capacidade de produção triplicada. A expansão foi anunciada em junho e vai incluir cinco novas linhas de produtos: cereais matinais, lácteos (duas linhas), achocolatados e iogurtes. A fábrica já faz massas instantâneas, cereais e café solúvel.

 

No varejo, a força da classe C fez o grupo Pão de Açúcar reavaliar formatos no ano passado e desenhar uma estratégia focada no crescimento da bandeira Assai, de "atacarejo" - modelo híbrido de atacado com varejo -, adquirida no fim de 2007. "Com lojas robustas e sem luxo, o foco do Assai é o consumidor que busca preço e o transformador de pequeno porte", diz José Roberto Tambasco, vice-presidente do grupo.

 

"Dobramos o tamanho da rede Assai nesse último ano e vamos dobrar de novo", acrescenta. Hoje a bandeira tem 32 unidades. A meta é iniciar 2011 com 62 lojas.

 

O número de lojas pode até ser maior, com as conversões de outras bandeiras do grupo (Pão de Açúcar, Extra e Compre Bem) para a de "atacarejo". Quando isso ocorre, a venda por metro quadrado triplica. O padrão de um supermercado ou hipermercado é de gerar receita de R$ 1,2 mil/mês por metro quadrado. "Como uma loja Assai tem foco no volume (vende por atacado), a receita sobe para R$ 2,5 mil /mês por metro quadrado. Como no novo modelo, a área de vendas é aumentada, a receita triplica", diz Tambasco.

 

O grupo não é o único a olhar para esse público, o concorrente Carrefour também investe na bandeira de "atacarejo" Atacadão e nas lojas de desconto Dia. No primeiro semestre foram inauguradas seis unidades Atacadão e 15 lojas Dia.

 

O varejo e a indústria se beneficiam, ainda neste ano, do sonho da classe média de trocar a velha TV por uma nova LCD e comprar um carro. Satisfeitos esses desejos, a próxima onda, aposta Torretta e outros especialistas, será a compra da casa própria, um sonho ainda distante apesar o governo Lula ter anunciado um programa específico para isso, o Minha Casa Minha Vida.
 


Veículo: Valor Econômico


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