Saldo negativo no semestre aumentou para US$ 6 bi, diante de US$ 5 bi do ano passado
A crise acentuou o déficit comercial da indústria de transformação, setor cuja deterioração da balança comercial começou no ano passado, quando o mercado interno impulsionou as importações e o dólar desvalorizado deixou as exportações menos atraentes. De acordo com dados da Secretaria de Desenvolvimento da Produção (SDP), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, de janeiro a junho deste ano o setor ficou com saldo negativo de US$ 6,07 bilhões, maior que o déficit de US$ 5,13 bilhões no primeiro semestre de 2008, quando a balança da indústria de transformação passou a apresentar um movimento de reversão, depois de seis anos seguidos de superávits. O resultado da indústria vai em sentido inverso ao da balança comercial geral, que fechou o primeiro semestre com saldo 23,8% superior ao do mesmo período do ano passado.
O déficit da indústria de transformação aumentou em razão da forte queda nas exportações, principalmente de produtos manufaturados. Os valores dos embarques da indústria de transformação sofreram redução de 27% de janeiro a junho em relação ao primeiro semestre de 2008. Ao mesmo tempo, a retração das importações foi de 23%. A queda dos desembarques foi acentuada nas matérias-primas, mas a importação de bens de consumo teve redução menor. "O ponto mais importante fica por conta dos bens de capital, cuja importação caiu pouco no período", diz Júlio Sérgio Gomes de Almeida, economista da Universidade de Campinas (Unicamp). Além das importações em função de máquinas para obras e grandes projetos encomendadas antes da crise, houve também compra em função de um maior assédio ao mercado brasileiro, resultado da baixa demanda por bens de capital no mercado internacional.
As estatísticas da SPD apontam déficit da indústria mecânica de US$ 6,38 bilhões no primeiro semestre. No mesmo período do ano passado, o saldo negativo foi de US$ 5,73 bilhões. O setor de material de transporte não chegou ao saldo negativo por pouco. O segmento fechou os primeiros seis meses com superávit de US$ 7 milhões, saldo incomparável com o superávit de US$ 2,8 bilhões do ano passado. Segmentos da indústria de bens de consumo também apresentaram superávit menor. O setor de vestuário e calçados ficou no semestre com US$ 183 milhões de saldo positivo, diante de um resultado de US$ 692 milhões de janeiro a junho de 2008.
Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), acredita que a defasagem se acentuou em função da redução pela demanda dos manufaturados brasileiros. As vendas dos últimos 12 meses terminados em junho do Brasil à Argentina caíram 16,4% na comparação com os 12 meses anteriores. No mesmo período, as exportações para os Estados Unidos tiveram queda de 16% e, para a União Europeia, de 9,4%. "Esses mercados são compradores de produtos manufaturados. Por isso, o valor total das exportações caiu, mesmo com uma expansão de 46,9% nas vendas para a China em igual período", explica Giannetti. Ele lembra que 71% das vendas aos chineses são de produtos primários enquanto 86% da pauta de exportações aos Estados Unidos é de manufaturados.
Enquanto houve queda de demanda pelos manufaturados brasileiros em função da crise, diz, Giannetti, o mercado interno continua relativamente sólido e aquecido. "Isso impulsiona a compra de bens de consumo e, com um câmbio mais generoso, o produto importado torna-se extremamente atraente."
Para atender à recuperação do consumo interno, a indústria nacional também passou a importar mais componentes, diz Fernando Sarti, professor de economia da Unicamp. Com o câmbio valorizado em um momento de sobreoferta de produtos no mercado externo, o preço dos importados fica atrativo. "Se projetarmos uma continuidade da recuperação da produção industrial brasileira com o câmbio nesse patamar, a tendência é de o déficit da balança aumentar ainda mais", diz. Essa situação, segundo ele, é preocupante à medida que o crescimento do conteúdo importado na produção brasileira se refletir em queda de investimentos produtivos no país.
Ao mesmo tempo, o cenário não é positivo para as exportações, segundo ele. Os principais mercados consumidores de manufaturados brasileiros - América Latina e Estados Unidos -, ainda não dão sinais de que vão recuperar seu poder de compra. Para os próximos seis meses, só é possível esperar aumento de vendas no mercado interno. "Esse aquecimento do mercado doméstico acaba estimulando o déficit", diz Sarti.
No setor automobilístico, por exemplo, as exportações caíram 48% de janeiro a junho deste ano em relação ao ano passado, segundo dados da Anfavea, entidade que representa o setor. Em compensação, as importações aumentaram 3% no mesmo período. Nesse caso, os países exportadores de automóveis e autopeças acabam se beneficiando também da retomada do consumo interno brasileiro, aumentando a concorrência com a indústria local.
Segmentos de bens de consumo não duráveis apresentaram comportamento semelhante ao de automóveis. Fernando Pimentel, diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), diz que o déficit do agregado de produtos manufaturados da indústria têxtil e de confecção ficou em US$ 972 milhões no primeiro semestre de 2009, num saldo negativo praticamente igual ao de 2008. A importação do item específico de vestuário, porém, aumentou 32% no período enquanto as exportações recuaram 35%. O vestuário representou praticamente um terço da pauta de importações do segmento. "Isso indica perda da indústria brasileira no mercado interno."
O setor calçadista, um dos maiores reivindicadores da valorização do dólar, não conseguiu aproveitar o período em que a moeda americana ficou acima dos R$ 2. Segundo Heitor Klein, diretor da Abicalçados, a perda de valor do real ocorreu na entressafra, ou seja, fora da época de fechamento de encomendas. "A desvalorização nos animou bastante, mas ocorreu num período muito curto e não conseguimos aproveitá-la", diz ele. As exportações no setor de vestuário e calçados caíram 29,6% de janeiro a junho deste ano em relação a 2008, enquanto as importações cresceram 20,4%.
"O Brasil se tornou um mercado atraente para outros países desovarem as mercadorias que não conseguiram vender para os desenvolvidos", diz Klein. Segundo ele, não há perspectiva clara para o setor, mas dificilmente as exportações devem se recuperar esse ano por conta da falta de sinais de retomada do consumo externo e de alteração no câmbio.
Para Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a revalorização da moeda brasileira a partir de maio tem um caráter mais negativo porque ocorreu num período em que o mercado externo ainda está fraco. "O país fica com uma desvantagem no preço em um momento em que a concorrência está muito acirrada por conta da retração do mercado externo", diz ele.
No setor químico, uma exceção, o déficit caiu pela metade. Segundo dados da Abiquim, que reúne fabricantes de produtos químicos, as exportações recuaram 18,7% em valor no primeiro semestre do ano, ante igual período de 2008, mas as importações tiveram queda maior, de 30%. Segundo Renato Endres, diretor para Assuntos de Comércio Exterior da Abiquim, as importações caíram por uma necessidade de ajuste de estoques das empresas nacionais. Um dos produtos mais representativos nessa queda foram os intermediários para fertilizantes, cujas vendas recuaram 60% no último semestre.
Apesar do peso do câmbio no resultado negativo da balança, Branco explica que outros fatores importantes também atrapalham a indústria brasileira a ser mais competitiva num ambiente desfavorável do comércio, como alta carga tributária, o custo de capital e a deficiência na infraestrutura. "É um conjunto de fatores que prejudica a indústria nacional", diz.
Veículo: Valor Econômico