Harvard, Insead, IMD. Cada vez mais escolas de negócios internacionais despacham seus pesquisadores para entender como funcionam as empresas brasileiras
Em janeiro deste ano, Wilson Amaral, presidente da construtora paulista Gafisa, reservou algumas horas para um compromisso incomum em sua rotina. Em vez de visitar obras ou se reunir com os demais executivos da empresa, Amaral recebeu a visita do economista Ricardo Reisen de Pinho, pesquisador da conceituada escola de negócios da Universidade Harvard. Em 2 horas de conversa, Pinho questionou Amaral sobre os mais minuciosos detalhes da administração da Gafisa. As anotações ajudaram a compor um estudo acadêmico de 22 páginas, publicado no início de abril. O artigo retrata o ano de 2005, crucial para a história da Gafisa. Na época, a construtora estava prestes a receber um aporte de 55 milhões de dólares do fundo Equity International, criado pelo bilionário americano Sam Zell. Enquanto os executivos analisavam o destino ideal para esses recursos, os investidores negociavam o quanto deveriam se envolver na gestão da empresa. Questões como essas serviram de inspiração para o relatório de Pinho, que hoje pode ser debatido entre alunos de MBA em Harvard. "O estudo avaliou desde a escolha do momento para fechar o acordo até táticas de negociação", afirma o autor.
Até alguns anos atrás, histórias que pudessem servir de inspiração para alunos dos mais renomados cursos de MBA espalhados pelo mundo eram colhidas basicamente em companhias europeias e americanas. Empresas da Ásia e da América Latina passavam longe do radar das escolas de negócios tradicionais. Mas o crescimento acelerado de mercados emergentes, a sofisticação de seus consumidores e, recentemente, a crise econômica que atingiu com mais força os países desenvolvidos forçaram os pesquisadores a ampliar seu campo de visão. Apenas neste ano escolas de negócios realizaram pelo menos sete estudos de caso com empresas brasileiras (veja quadro). E o número ainda deve aumentar. Além da análise da Gafisa, Harvard, por exemplo, está preparando outros dois estudos por aqui -- ainda mantidos em sigilo. "Assim como os grandes investidores, as melhores escolas estão sempre querendo descobrir a nova Nike, o novo Starbucks", diz o francês Dominique Turpin, professor da suíça IMD e autor de três estudos sobre o Brasil, entre os quais um sobre a Alpargatas, publicado neste ano. "Nessa busca, é natural olhar para um país com potencial de crescimento como o Brasil."
Para as companhias brasileiras, entrar no circuito das escolas de negócios significa, além de um reconhecimento mundial de sua evolução, uma ótima oportunidade. "Com essa exposição conseguimos chamar a atenção de alunos que serão executivos de grandes bancos e fundos de investimento espalhados pelo mundo", diz Amaral, da Gafisa. Por vezes os próprios executivos são convidados para discutir os casos em sala de aula. "Já tivemos a oportunidade de ir à Universidade Columbia, para falar sobre investimentos no México, e estamos ansiosos para debater o caso da Gafisa em Harvard", disse a EXAME Gary Garrabrant, presidente do Equity International, hoje o maior acionista da construtora. Bento Koike, presidente da fabricante de equipamentos para geração de energia eólica Tecsis, com sede em Sorocaba, no interior de São Paulo, participa desse tipo de debate desde que sua empresa virou tema de artigo em 2006. Por causa disso, já incluiu em sua rotina uma visita anual ao campus de Harvard. Um dos temas que costuma debater com os alunos é a melhor estratégia para gerenciar uma rede de clientes e fornecedores que ficam fora de seu país de origem -- praticamente 100% dos parceiros de negócios da Tecsis estão fora do Brasil. Liliana Aufiero, presidente da fabricante de meias Lupo, espera em breve visitar Kellogg, a escola de negócios da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos. O dilema de manter a família à frente dos negócios e preparar a quarta geração de herdeiros deu origem a um artigo publicado pela escola em março. "Discutir o caso com alunos é uma oportunidade única para captar ideias", diz Liliana, neta do fundador Rômulo Lupo.
Um dos temas que mais atraem os pesquisadores é o avanço internacional das companhias brasileiras. A Alpargatas, por exemplo, recebeu a visita de Turpin e de outra pesquisadora da escola suíça IMD em outubro de 2008. Na época, a Alpargatas já vendia 17 milhões de pares de Havaianas em mais de 20 000 lojas fora do país, mas queria acelerar esse processo. Entre as questões levantadas pelo artigo, estavam a escolha de mercados prioritários e a possibilidade de fabricar as sandálias fora do Brasil. Outra empresa que chamou a atenção dos pesquisadores da IMD nesse campo foi a Vale. A companhia foi visitada recentemente pelo professor de comportamento organizacional Robert Hooijberg, interessado em entender a integração das diversas mineradoras compradas no exterior nos últimos três anos. A pesquisa vai virar capítulo de um livro com lançamento previsto para 2010.
Para algumas companhias, abrir as portas a pesquisadores estrangeiros já faz parte da rotina. É o caso da varejista Casas Bahia. Em 2004, a empresa recebeu a visita de alunos da Michigan Business School, orientados pelo indiano C.K. Prahalad, e virou capítulo do incensado livro A Riqueza na Base da Pirâmide, lançado em 2005. Nos últimos quatro anos, a Casas Bahia recebeu regularmente estudantes da escola de negócios Wharton, da Universidade da Pensilvânia. Em cada uma das visitas, os alunos conhecem as unidades de negócio, assistem a palestras do presidente Michael Klein e discutem gestão e estratégia com seus principais executivos. A fabricante de cosméticos Natura foi uma das primeiras a entrar no radar das grandes escolas de negócios, em 2003, com um artigo da London Business School. Em 2006, foi tema de um estudo de Harvard que discutia quais estratégias usadas no mercado brasileiro poderiam ser aproveitadas para ganhar mercado fora do país. Agora, está recebendo visitas regulares do português Joe Santos, radicado na escola francesa Insead, e de Betania Tanure, da Fundação Dom Cabral, que já fez outros dois estudos sobre a empresa em parceria com escolas estrangeiras. "Desta vez, vamos analisar como a Natura conseguiu se manter na vanguarda desde sua fundação, nos anos 60", diz Betania. A Natura também já recebeu neste ano uma visita da espanhola Esade, que montou seu escritório no país em abril. "Queremos iniciar uma base de pesquisa aqui", afirma o espanhol Ivan Bofarull, um dos diretores da faculdade, que esteve no Brasil em julho.
Pequenas e médias empresas brasileiras também começam a atrair os estrangeiros. Para elas, a oportunidade de entrar em contato com instituições de ensino renomadas pode ser também uma forma de aprender mais sobre o próprio negócio. A Spoleto, rede de pratos rápidos especializada em culinária italiana com faturamento de 315 milhões de reais, recebeu três turmas de alunos do MIT desde 2008, num projeto em parceria com a ONG Endeavor. Eles ajudaram, por exemplo, a bolar sugestões sobre o início das operações da Spoleto nos Estados Unidos. "Tivemos de adiar os planos por causa da crise, mas vamos retomá-los em breve", diz Jacqueline Lopes, diretora de marketing da empresa. "E, quando isso acontecer, vamos colocar em prática tudo o que definimos com os alunos do MIT."
Veículo: Revista Exame