A forte aceleração do PIB brasileiro, saindo de taxas próximas a zero para valores semelhantes aos registrados no período pré-crise mundial, não resultará em aumento de preços. Segundo os analistas consultados pelo Valor, uma inflação maior só aparecerá em 2011.
Após a queda na atividade econômica, verificada entre os últimos meses do ano passado e o primeiro trimestre de 2009, a manutenção da massa salarial e do emprego no setor de serviços, aliados a desonerações tributárias promovidas pelo governo, tem feito ressurgir o crescimento econômico. O primeiro sinal de uma retomada foi o aumento do investimento em produção industrial, verificado pela maior utilização da capacidade instalada, que diminui estoques e rebaixa o nível de ociosidade nas fábricas. A melhora das expectativas para o quarto trimestre deste ano se reflete nas previsões do mercado, que passa a apostar num crescimento mais robusto para o próximo ano.
Para Fábio Romão, economista da LCA Consultores, a análise da evolução do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) denota uma situação confortável para a inflação em tempos de retomada econômica. Nos 12 meses terminados em outubro do ano passado, quando a turbulência mundial estava começando, o INPC acumulava 7,3%. Já no período de um ano terminado em agosto último, o INPC valia 4,4%.
O aumento crescente da massa salarial, que continuou ascendente durante o período mais conturbado da crise, deve alterar a dinâmica dos preços no ano que vem, sem, no entanto, gerar pressões inflacionárias.
O item alimentos e bebidas, que corresponde a 23% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), deve subir 4% em 2009, abaixo da inflação esperada de 4,4%, segundo dados da LCA. Em 2010, os alimentos devem registrar crescimento de 5,8%, muito acima do IPCA cheio, que repetirá o mesmo índice de 2009. "Mesmo com projeção de alta nos alimentos, devido à massa salarial, o IPCA ficará estável por causa dos preços de bens administrados e de serviços, que devem ficar abaixo do verificado neste ano", diz Romão. O IPCA é o índice usado pelo BC para calibrar a taxa de juros necessária para manter o indicador dentro da meta de 4,5% ao ano.
Os preços administrados serão reajustados pelo Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), que deve ser negativo em 2009. Segundo Gian Barbosa, analista da Tendências Consultoria, o setor de serviços, por sua vez, é afetado pela massa de rendimentos e pelo desemprego. Como a renda permaneceu em alta e não houve muitas demissões no setor, poderemos ver aumento de preços no ano que vem. "Mas o aumento virá apenas no fim do ano, uma vez que por seu caráter mais defasado, os preços dos serviços permanecerão estáveis durante boa parte de 2010."
A queda no Produto Interno Bruto (PIB) gera um descompasso entre o PIB potencial - que marca o crescimento "seguro", que não gera inflação de preços - e o crescimento real. A diferença entre os dois é chamada de hiato do produto. Quanto menor o hiato, maior o risco de o mercado precificar aumento de preços.
"Não há previsão de escalada inflacionária em 2010, pois ainda há muita margem para aumentar a produção sem gerar inflação", afirma Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg & Associados. Para ela, haverá estreitamento do hiato do produto no segundo semestre de 2010, e, assim, uma ação por parte do BC deve mirar o cumprimento da meta em 2011. Para Romão, da LCA, há risco de retomada econômica acima das expectativas, antecipando a alta nos preços, e também dos juros, entre o segundo e o terceiro trimestre de 2010.
"Temos de pensar no que é sustentável. Um PIB na faixa dos 6% ou 7% é possível, mas não é sustentável. Uma trajetória de crescimento gradual de 4,5% ou 5% ao ano é desejável, porque estabelece um padrão alcançável e seguro", afirma o economista Fernando de Paula Rocha, da JGP Gestão de Recursos. Segundo Rocha, a elevação do PIB no ano que vem já está definida. "O mercado doméstico, que contabiliza o consumo das famílias, do governo e os investimentos, deve crescer 6,4%, portanto acima do PIB de 5% do próximo ano", diz. Para ele, a diferença de 1,4 ponto percentual se deve à contribuição negativa do comércio, que deve apresentar importações crescendo mais que as exportações.
"Se deixar do jeito que está, o PIB pode bater nos 6% em 2010, mas será o setor externo a grande variável de mudança, que evitará esse resultado", diz Luíza Rodrigues, economista do Santander. Para ela, o saldo comercial, que ajuda na melhora dos indicadores neste ano, deve contribuir "muito negativamente" no PIB do ano que vem. "Quando o país começa a se recuperar, as importações costumam subir muito mais que o PIB. Quanto mais importamos, menos produzimos, menor o PIB, portanto."
O perigo, diz Rocha, da JGP, está na queda da relação dívida/PIB. "O superávit primário será pequeno, como neste ano, e isso deixa uma grande interrogação no mercado para a dinâmica da dívida a partir de 2011", afirma.
Segundo estimativas da JGP, o BC começará a elevar os juros, estacionados em 8,75% ao ano, a partir de junho, com aumento de 0,25 ponto percentual. Serão mais três elevações, de 0,5 cada, até o fim do ano, fechando 2010 com Selic a 10,5% ao ano. "É claro que se os juros forem menores teremos um crescimento mais elevado, mas isso não é sustentável e pode gerar problemas mais à frente", diz.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator, não vê risco de pressão inflacionária no próximo ano, deixando o BC livre para atuar pensando apenas em 2011, quando o IPCA deve convergir para 5%, acima da meta do BC, ainda que dentro da faixa de tolerância. "O BC deve atuar apenas no quarto trimestre do próximo ano. A trajetória do IPCA ainda é muito fraca", diz Gonçalves.
Veículo: Valor Econômico