Eletrodomésticos: Brasileiro compra 5,2 milhões de lavadoras, estimulado por IPI menor e pagamento facilitado
Novembro e dezembro não são os melhores meses para a venda de lavadoras. Em um país tropical, a procura por máquinas de lavar decola mesmo no frio, em junho e julho. Mas a extensão da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a linha branca até 31 de janeiro criou uma situação atípica e fez das lavadoras o eletrodoméstico mais procurado no varejo nos últimos meses, rivalizando com as geladeiras, que têm pico de vendas no verão. O problema é que os fabricantes não têm conseguido entregar dentro do prazo os modelos de maior demanda, aqueles com capacidade para lavar mais de nove quilos de roupa.
A falha é observada também nos refrigeradores "frost free" e nos fogões de quatro bocas, os outros dois modelos de eletrodomésticos mais procurados neste final de ano. Parte do que a indústria vende hoje nem tem data fechada para entrega. O motivo do gargalo está nos fornecedores de componentes, que não estariam preparados o suficiente para atender, ao mesmo tempo, os três grandes fabricantes do país: Whirlpool (Brastemp e Consul), Electrolux e Mabe (marcas Mabe, GE, Dako, Continental e Bosch).
"Realmente houve atraso nos últimos meses na entrega de materiais como vidros, alguns tipos de aço e placas eletrônicas", diz Patricio Mendizábal, presidente da Mabe no Mercosul. Hoje, a situação está quase normalizada, diz ele. "Não está completamente resolvida, mas controlada". Perguntadas sobre os atrasos, Whirlpool e Electrolux não responderam.
Grandes varejistas ouvidos pelo Valor informaram que as lojas chegam a ficar até 15 dias sem alguns dos modelos de lavadoras. "Se a gente pede um lote de dez, eles entregam sete ou oito", diz o executivo de uma das maiores redes do país. É comum que o consumidor aceite levar até a peça do mostruário para casa (ver texto abaixo). "Eu poderia estar vendendo até 25% mais, se a entrega do produto não falhasse", diz o diretor de outra varejista, para quem a indústria diversificou demais o portfólio, o que agravou a dificuldade em atender pedidos específicos com rapidez. "Precisaria haver mais gente fabricando, o mercado é muito concentrado", avalia.
Tem mais gente querendo disputar de igual para igual. A coreana LG, por exemplo, que briga no segmento premium com a venda de refrigeradores e lavadoras, importa o produto da matriz - um processo que demora cerca de 60 dias, desde o pedido até a entrega na loja. A empresa estuda a implantação de uma fábrica de linha branca no Brasil, depois de registrar um aumento expressivo na venda de lavadoras: a linha, que representava menos de 3% da sua receita no país em 2008, vai chegar a 7% das vendas totais em 2009. A LG, que até então trabalhava exclusivamente com o modelo lava e seca, introduziu neste ano uma nova linha no país, mais acessível, que só lava. "Nenhuma outra linha de produtos cresceu tanto em 2009", diz Frederico Seixas, gerente de produto de linha branca da LG. "Mas, para ter uma fábrica aqui, é preciso analisar a questão dos fornecedores".
Um dos casos mais graves que vem atrasando a entrega de produtos no varejo está na oferta de vidro para a linha branca (usado nas tampas das lavadoras, dos fogões e nas prateleiras das geladeiras). O mercado de vidros para eletrodomésticos é dominado por duas empresas - Saint-Gobain, que lidera, com a Euroveder, e a Shott. E vem faltando produto. "Aumentamos a produção em 30% em setembro mas, ainda assim, estamos operando com 95% da nossa capacidade", diz Luiz Fernando Chamon, gerente-geral da Euroveder, divisão da Saint-Gobain especializada no fornecimento de vidros para a linha branca. Para atender os três grandes fabricantes do país, a Eurodever aumentou em 60% o número de funcionários, para 335 pessoas, e começou a trabalhar aos domingos. Hoje, a fábrica de São Caetano do Sul (SP) opera 24 horas, sete dias por semana.
"Os meses de agosto e setembro foram os mais críticos porque a contratação de pessoal ainda não tinha sido concluída", diz Chamon, que garante que nenhum fabricante ficou desabastecido. "Mas os prazos precisaram ser renegociados. Se o cliente queria um lote de dez, entregávamos cinco agora e cinco depois". O gargalo, diz, foi contornado, mas a situação "não está sendo fácil até agora".
A líder Whirlpool, com fatia de 40% nas vendas de linha branca no país, contratou duas mil pessoas para dar conta do aumento da demanda em resposta à redução do IPI. Cerca de 700 funcionários foram para a área de lavadoras, diz Claudia Sender, gerente-geral da Whirlpool Latin America para lavanderia, cocção e linhas especiais. "A venda dos principais produtos de linha branca (fogão, refrigeradores e lavadoras) deve crescer 20% este ano sobre 2008, puxada por lavadoras". A alta para alguns modelos chega a 40%.
"Em lavadoras, os produtos mais procurados são aqueles de maior valor agregado, com capacidade acima dos nove quilos, devido à facilidade que o consumidor encontra em parcelar", diz a executiva. A rede Extra lança nos próximos dias promoção que divide o pagamento para a linha branca em até 18 vezes. A maior varejista do país em linha branca, a Casas Bahia, oferece 17.
Dono do Extra e do Ponto Frio, o Grupo Pão de Açúcar espera vendas de lavadoras 35% maiores neste último bimestre (em toda a linha branca, a expectativa de crescimento no período é de 30%). Segundo a a associação dos fabricantes de eletrodomésticos e eletroeletrônicos, a Eletros, a venda de lavadoras foi especialmente beneficiada com a redução do IPI na metade de abril. "Trata-se do item de linha branca com menor presença nos lares brasileiros, 45%", diz Lourival Kiçula, presidente da Eletros, que confia na manutenção do IPI para depois de 31 de janeiro.
"Um em cada 11 lares do país comprou uma máquina de lavar nova neste ano", calcula Oliver Römerscheidt, da consultoria GFK, considerando também os "tanquinhos" (lavadora que não centrifuga a roupa). Para ele, a indústria tinha que aproveitar mesmo este momento para vender. "Ano que vem, com a Copa do Mundo, o brasileiro vai querer TV nova, não uma lavadora".
Demanda continua crescendo e varejo fatura até peça de mostruário
O vendedor de equipamentos para indústria de tecnologia Mário Martins, 54 anos, fez questão de chamar o amigo na hora do almoço para conferir ontem, na loja do Extra do Morumbi, zona sul de São Paulo, o bom negócio que acabou de fazer na compra de uma lavadora nova. "O modelo da Electrolux com capacidade para sete quilos, que eu tinha comprado para a minha mulher há três anos, ficou dois meses dando problema, até que um técnico cobrou R$ 400 para a reforma", conta Martins. "Achei que valia muito mais a pena comprar uma lavadora nova, da GE, de 10,2 quilos, que achei aqui no Extra por R$ 1.170", diz ele.
Como não havia produto em estoque, Martins teve que levar o do mostruário. A mulher ficou, segundo ele, contente. "Hoje, a máquina trabalha à noite e não se ouve nada. Se a gente ligava o modelo da Electrolux, o barulho era capaz de acordar o quarteirão".
A equipe de vendas do Extra confirma que muitos clientes concordam em levar eletrodomésticos do mostruário, para aproveitar as ofertas. "A redução no preço é de pelo menos 5%", diz a vendedora Andrea, que ressalta a alta procura pelo atual modelo de 10 quilos da Electrolux, a R$ 1,3 mil: cinco unidades vendidas só no último final de semana.
Mas a vendedora já percebeu que alguns consumidores têm certa resistência em levar os modelos equipados com os modernos painéis eletrônicos. "Alguns clientes dizem que, se apenas um botão apresenta problema, é preciso retirar o painel inteiro e o conserto sai por volta de R$ 450".
A promotora da Mabe que trabalha no Extra Morumbi reitera que a clientela vem decidindo mesmo pelas lavadoras com maior capacidade. "Quem chega procurando modelo de sete ou dez quilos, acaba levando o de 15 que, na promoção, sai pelo mesmo preço", diz Cilene. Mas aí é preciso se contentar com a peça do mostruário. (DM)
Veículo: Valor Econômico