Nas lojas da Target, a efervescência visual normalmente vem das fotografias de pessoas maravilhosas com roupas maravilhosas, fazendo coisas maravilhosas. Mas ultimamente há uma vibração totalmente nova: placas enormes apregoando preços baratíssimos. Depois dos caixas, há algo inequivocadamente novo: um supermercado ao estilo europeu que vende novos cortes de carne de vaca, laticínios livres de hormônios e exibe pilhas joviais de frutas.
Os preços mais baixos do planeta e um supermercado? Espere um pouco. Isso não se parece muito com o Walmart ? A Target reinventou o varejo nos Estados Unidos. Ao democratizar o design, salvou as famílias da estética provinciana dos jeans lavados com ácido. A Target foi uma das primeiras a usar estilistas de moda famosos para criar uma aura em torno de sua marca e atrair consumidores para dentro das lojas. Em pouco tempo, todas as varejistas, da J.C. Penny à Walmart, copiavam a estratégia do "chique barato" da Target.
Agora, a Target está sendo acusada de copiar sua arquirrival e seus executivos estão enfurecidos. Insistem que proporcionam uma experiência superior de compra. Também não têm nenhum plano de abandonar o slogan de 15 anos: "Espere mais, pague menos". "Não estamos tentando ser ninguém", diz Gregg W. Steinhafel. "Estamos trabalhando duro para operar os dois lados de nossa marca."
Ainda assim, um tipo de inversão de papéis está ocorrendo no mundo do varejo. Há muito tempo o Walmart copia a Target. Agora, a Target está perseguindo o Walmart. A mágica da Target sempre foi empurrar com crueldade seu modelo de negócios de baixos custos para a ponta mais sofisticada do mercado. Mas para atravessar a recessão, ela parece se dirigir para o segmento mais popular.
Alguns críticos afirmam que a estratégia cheira a desespero. Outros, apontando para uma recuperação dos preços da ação da companhia e os lucros melhores que os esperados no terceiro trimestre, acreditam que o plano pode estar dando certo. O desafio para Steinhafel é competir nos preços sem que a Target perca sua capacidade de manobra.
A ascensão de Steinhafel ao cargo de CEO em maio de 2008, representou uma mudança de estilo, e não de substância. Seu antecessor, Bob Ulrich, o visionário de botas de cowboy e avesso à imprensa que fez da Target uma gigante do varejo e um fenômeno cultural, era tido como autoritário. (Ulrich não foi encontrado para comentar.) Steinhafel, por sua vez, é um líder com o qual as pessoas podem fazer brincadeiras. Depois de nove anos como presidente da empresa, ele passou a ser conhecido como o "paizão" da Target. Portanto, embora já se esperasse que ele fosse mudar o tom, não estava prevista uma grande mudança no modus operandi de seu antecessor. Afinal, a coisa estava funcionando.
Até que deixou de funcionar. A economia implodiu. Os americanos pararam de consumir e Steinhafel se viu diante de um mundo diferente. "Foi um alarme de despertar", diz ele. "Tivemos que fazer uma autocrítica." Para piorar as coisas, o noticiário começou a mostrar em setembro de 2008 funcionários do Lehman Brothers deixando o banco com seus pertences dentro de caixas de papelão, justo no momento em que a Target lançava suas "pop-up stores" (lojas instantâneas) vendendo 22 novos produtos de 22 novos estilistas da moda. Essas lojas abriam a fechavam em quatro dias, já funcionavam bem antes da crise e saíam-se bem. Mas pela primeira a Target parecia desligada da realidade. Walmart, por sua vez, parecia visionária com suas lojas enormes.
Na sede da Target em Minneapolis, Steinhafel transformou seu espaçoso escritório no 26º andar em uma sala de guerra. Os dados que chegavam eram chocantes: as vendas nas lojas com mais de um ano de atividade caíam 3%, depois 5% e então 10%. Daniel Binder, sócio-gerente da Jefferies diz que com o preço da ação da companhia caindo mais e mais, as pessoas perguntavam: "Será que existe algo errado na Target que tenha mudado sua estrutura?".
Durante muito tempo a Target enfatizou a primeira parte do lema "Espere Mais, Pague Menos". Pesquisas mostravam que os consumidores viam a Target como mais cara que o Walmart, quando na verdade a diferença de preços entre as duas companhias era de poucos centavos na maioria dos produtos. Em função da situação da economia, enfatizar o "Pague Menos" parecia ser a coisa mais racional a ser feita. Mesmo assim Steinhafel hesitou. Se ele forçasse demais nos preços, será que perderia aquilo que Ulrich passou 20 anos aperfeiçoando? Será que a Target iria começar a ficar parecida com o Walmart? "É por isso que no começo eles relutaram", diz Joe Feldman, presidente da consultoria Telsey Research. No entanto, Steinhafel logo viu que os consumidores americanos poderiam nunca mais retornar ao consumo desenfreado registrado antes da crise. Era hora de começar a transformar os preços baixos em um grande negócio.
Com as vendas em queda livre. Steinhafel precisava agir rápido. Felizmente, a Target é rápida na execução. Nos círculos dos grandes grupos varejistas, a companhia é famosa pela habilidade em derrubar e reconstruir lojas em menos de nove meses. Dentro da Target, o processo de reabilitação de lojas é chamado de fênix. Steinhafel precisava colocar uma fênix no marketing. Seu parceiro nessa reforma extrema foi Michael Francis, o elegante diretor de marketing. Francis extrai sua filosofia do livro de 1952 sobre o comerciante varejista Marshall Field intitulado "Give the Lady What She Wants!".
"O que ele diz é que devemos ter certeza de que conhecemos as mulheres para as quais trabalhamos, e de que sabemos o que elas querem", diz Francis. A "lady" do livro é a mulher na casa dos 40 anos que trabalha. E ao longo dos anos, a Target investiu dezenas de milhões de dólares em marketing voltado para ela. Nos anúncios de TV e impressos, a companhia apresenta a mulher como a heroína moderna de sua própria vida. (Até os filhos acham que ela é legal.)
Mas quando Francis analisou seus gráficos e números no fim do ano passado, ele pôde ver que a "fashionista" da Target estava se transformando em uma "frugalista". "Ela não se via mais nos anúncios de gente feliz e resplandecente", lembra. A solução foi o foco nos preços baixos sem fazer com que o público-alvo da Target se sentisse "barato".
Francis e sua equipe encontraram uma estratégia de marketing na qual a Target basicamente representa o "personal shopper" simpático. Em "webisodes" de dois minutos e produção refinada, veiculados no site da Target, a diretora de moda da revista "Marie Claire" Nina Garcia aconselha mães desgastadas e com pouco dinheiro sobre como elas podem ter um visual de gente rica mesmo tendo pouco dinheiro.
Durante anos, a Target concentrou-se na imagem desejada pelos estilistas por trás de suas roupas. Agora, Francis decidiu que a companhia vai enfatizar a noção de que os preços baratos também podem ser chiques.
A decisão de Stainhafel de entrar mais agressivamente em supermercados representa um desafio ainda mais difícil. Walmart vende alimentos há anos. Mas vender alimentos é um negócio difícil e de margens baixas, e a Target vem evitando entrar no setor com o mesmo empenho da Walmart. Portanto, embora a Target venha vendendo alimentos há muito tempo em suas 252 SuperTargets, suas lojas regulares vêm oferecendo principalmente têxteis, latas de sopa e vidros de pasta de amendoim. Mesmo assim, a companhia precisava desesperadamente de movimento. E Steinhafel não podia ignorar dois fatos. A cliente mãe trabalhadora é obcecada não só com botas femininas, mas também com o preço do leite. Além disso, pesquisas internas e do setor mostraram que ela aparecia no mercado duas vezes por semana, mas visitava a loja da Target propriamente dita três vezes por mês.
No quarto trimestre do ano passado, Steinhafel começou a testar um protótipo de mercado que vendia alimentos frescos, que normalmente envolvem margens maiores que os produtos embalados. A empresa desalojou parte de uma loja existente e rapidamente transformou o espaço em um empório despojado de preços baixos com todos os produtos necessários para se encher a despensa da família. Esta primeira loja foi aberta quase sem publicidade.
Quando os grupos varejistas americanos lançam um conceito, normalmente eles o apoiam com uma campanha publicitária nacional. Mas com frequência, os itens estão disponíveis apenas em "lojas selecionadas". Com esse esforço, a Target está adotando uma postura "hiperlocal". Em vez de uma ampliação gradual por todos os EUA, ela está se concentrando em um único mercado, a Filadélfia. Em setembro, ela começou a colocar os mercados ("food marts") em todas as 30 lojas que em na Filadélfia. Assim que eles estavam prontos para operar conectados, em outubro, a Target bombardeou a cidade com sua mensagem de "Alimentos frescos por menos dinheiro" e "Produtos de qualidade, preços enxutos". A blitz aconteceu em todos os lugares: e mail, rádio, folhetos em jornais, TV e o que pareceu ser uma ocupação de quase todos os outdoors da cidade. Ao testar um único mercado, a Target pôde medir imediatamente a eficácia do marketing. Os resultados têm sido promissores, com as vendas superando as expectativas. Steinhafel pretende ampliar o conceito para 350 lojas em 2010.
Na medida em que o diretor-presidente da Target e seus executivos fazem uma avaliação do último ano, eles se arrependem de não ter sido mais rápidos. Mesmo assim, a correção de curso parece ter ajudado a parar o sangramento. Em 17 de novembro, a Target disse que seus lucros líquidos cresceram 18,4% no terceiro trimestre, o primeiro resultado positivo em oito trimestres. Ela também anunciou que suas margens brutas, excluindo a divisão de cartão de crédito, subiram de 30,6% no terceiro trimestre de 2008 para 30,8% no mesmo período deste ano. Enquanto isso, a Target diz que suas pesquisas mostram que os consumidores começam a acreditar que ela de fato está sendo competitiva, em termos de preços, com o Walmart.
"Com base em nossas checagens de preços, vemos que a diferença entre Walmart e Target é a menor já registrada." Embora a Target tenha reduzido os preços de algumas mercadorias, a mudança de percepção dos consumidores ocorreu mais por causa da campanha publicitária maciça.
A Target normalmente não enfatiza os preços durante a importante estação de vendas de fim de ano. Mas este ano ela está fazendo isso. Está dedicando 75% de seu orçamento publicitário para bater nos preços, contra 25% em 2008. A Target está fazendo uma grande aposta neste fim de ano, de que as pessoas irão comprar produtos considerados indispensáveis e voltados para soluções. As principais apostas incluem uma TV de tela plana de 32 polegadas por US$ 246 e uma cafeteira por US$ 3.
Na verdade, o foco da Target nos preços e nos empórios parece menos uma estratégia e mais uma tática para ganhar tempo. "Eles precisam se reinventar", diz Nigel Hollis, da empresa de pesquisas de mercado Millward Brown. "A estratégia do ´pague menos´ pode não ser a única, mas pelo menos eles podem manter território enquanto tentam descobrir a próxima sensação." O truque será executar uma estratégia de cópia sem recorrer a "você sabe quem". Conforme diz Francis, o diretor de marketing da Target: "O mundo não precisa de mais um Walmart".
Veículo: Valor Econômico