Assim como o Pão de Açúcar, que comprou o controle da Casas Bahia, empresas de elite estão de olho em grupos populares
Meta é antecipar conquista do consumidor da classe C; para consultor, movimento reflete amadurecimento da elite empresarial do país
A aquisição do controle da Casas Bahia pelo Grupo Pão de Açúcar, na sexta-feira, é emblemática de um movimento que vem acontecendo em diferentes setores da economia, de alimentos à construção civil.
Para atingir o consumidor da emergente classe C, que hoje responde por mais da metade da população, empresas que nasceram e cresceram focadas no mercado de média e alta renda estão comprando empresas populares.
"O Abílio Diniz [presidente do conselho do Grupo Pão de Açúcar] representa a aristocracia paulistana. Quando ele se une a um cara que veio do nada, um judeu errante como Samuel Klein, é uma demonstração de que a elite está começando a entender o "Brasilzão'", afirma o publicitário André Torreta, sócio-diretor de A Ponte, consultoria especializada em baixa renda. "Uma empresa como o Pão de Açúcar é uma empresa de nicho. Fala com apenas 15% da população, que são os ricos."
No setor da construção civil, esse entendimento já aconteceu. Incorporadoras como Gafisa e Cyrela, voltadas para imóveis de médio e alto padrão, criaram unidades de negócios voltadas para a baixa renda, mas só ganharam musculatura com a compra de empresas focadas no mercado popular.
O empresário Elie Horn, da Cyrela, associou-se à Construtora Cury em 2007, um ano antes de o programa "Minha Casa, Minha Vida" impulsionar o setor com a previsão de construção de 1 milhão de casas para famílias com renda até dez salários mínimos. A Cury, de Elias Cury, conhece de perto esse consumidor. Já construiu mais de 15 mil imóveis populares em São Paulo, na faixa de R$ 50 mil a R$ 130 mil. Seus representantes visitam favelas e bairros da periferia com frequência e, antes de cada lançamento, promovem reuniões com lideranças comunitárias para discutir problemas locais.
Impulsionada pela Cury, hoje a divisão de baixa renda da Cyrela responde por 40% das vendas totais da companhia, fatia que deve chegar a 50% no ano que vem.
A Gafisa já tinha desenvolvido uma marca popular, a Fit, mas alavancou sua presença no segmento ao comprar o controle da Tenda, em setembro de 2008. A Tenda tem como diferencial a venda de imóveis em lojas, localizadas perto de seu público e com atendimento personalizado. Para este ano, a previsão é que as vendas da Tenda (R$ 1,4 bilhão a R$ 1,6 bilhão) superem as da Gafisa ( R$ 1 bilhão a R$ 1,2 bilhão).
"Existe um know-how muito específico para criar produtos e vender para a baixa renda. A aquisição é uma forma de acelerar esse processo."
Na visão de Torreta, as empresas de elite sempre tiveram "um enorme preconceito e um desconhecimento" em relação à baixa renda. Ele acredita que, desta vez, o Pão de Açúcar deverá manter o modelo de negócio, diferentemente do que foi feito com o Barateiro em 1998. "Eles compraram o Barateiro e mudaram o nome para CompreBem, talvez porque "barateiro" seja coisa de pobre."
Outra empresa que tem crescido forte no mercado popular com aquisições é a Hypermarcas, dona de Monange, Niasi, Hydrogen, fraldas Pom Pom, Bozzano, Etti e Assolan.
Veículo: Folha de S.Paulo