Gérard Mulliez é o Sam Walton da França: um empresário de cidade pequena, simples e sincero, que transformou uma simples loja em um grande império. E assim como fez o fundador do Walmart, ele está sacudindo o mundo do varejo.
Mulliez é o patriarca de uma família reservada que controla uma das maiores operações varejistas do mundo, com mais de 7 mil lojas e vendas anuais de cerca de US$ 95 bilhões. As mais de duas dúzias de empresas da família incluem a Auchan, um hipermercado ao estilo da Walmart; a Decathlon, maior rede de artigos esportivos do mundo; e as operações europeias e latino-americanas da Midas, de serviços automotivos. E elas vêm ganhando espaço sobre as rivais, especialmente nos mercados emergentes, onde se promete crescimento, uma vez que as vendas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental estão estagnadas.
Com uma fortuna estimada em US$ 22 bilhões, os Mulliez são a família mais rica da França. Mas seus líderes vão a extremos para fugir da publicidade. "É surpreendente como se sabe pouco sobre eles", diz o economista Benoît Boussemart, que lançou um livro sobre o clã em 2008, após Gérard Mulliez tentar, sem sucesso, impedir a publicação. Mulliez e os líderes das grandes empresas da família não responderam aos pedidos para entrevistas feitos pela Bloomberg BusinessWeek, ou não quiseram falar.
Até mesmo a maioria dos franceses não tem ideia das posses da família. É verdade que US$ 95 bilhões em vendas é pouco em relação aos US$ 405 bilhões do Walmart. E também é uma boa diferença em relação aos US$ 145 bilhões do Carrefour, o segundo maior grupo varejista do mundo. Mas fica palmo a palmo com a Tesco, do Reino Unido, e a Metro, da Alemanha, que são os cinco maiores grupos varejistas do mundo.
Na China, a Auchan está se saindo melhor que a concorrência, ao se voltar para a classe média crescente. Enquanto o Carrefour projeta suas lojas para que se pareçam com mercados de rua, os pontos da Auchan são mais organizados. Cada uma de suas 145 lojas tem venda anual média de US$ 45 milhões, ante US$ 26 milhões das lojas do Walmart na China, segundo a consultoria Planet Retail. A ênfase do Walmart nos preços baixos "saiu pela culatra com os consumidores chineses", que sempre supõem que itens baratos são piratas ou perigosos, afirma Shaun Rein, diretor-gerente da China Market Research Group em Xangai.
As companhias dos Mulliez também se saem bem na Rússia. Sete anos depois de abrir a primeira loja em Moscou, a Auchan é a principal operadora estrangeira de hipermercados no país, com 34 lojas e vendas que este ano devem atingir US$ 6 bilhões, segundo a Planet Retail. O Walmart e a Tesco não operam na Rússia e o Carrefour acaba de sair do país, semanas depois de abrir suas primeiras duas lojas. Agora, a Decathlon e a Leroy Merlin, também da família, estão entrando na Rússia, com ajuda de outra empresa da família Mulliez, o grupo imobiliário Immochan.
Como a Auchan é a única empresa dos Mulliez a publicar relatório anual, o economista Boussemart debruçou-se sobre os documentos que a empresa é obrigada a encaminhar para as autoridades francesas. Sua constatação: o império é admiravelmente forte. A maior parte das empresas quase não tem endividamento. A Decathlon, a Leroy Merlin e outras têm alta de dois dígitos nas vendas e nos lucros há anos. A Auchan viu um achatamento das vendas este ano, após crescer 7,5% em 2008, para US$ 59 bilhões, mas o Carrefour e a Metro estão se saindo pior.
A rede que une os negócios dos Mulliez é forte mas quase invisível. Embora legalmente separados, todos são controlados por um clã grande de cerca de 550 pessoas. Hoje com 78 anos, Gérard Mulliez retirou-se da administração ativa em 2006, mas seu filho e vários primos, sobrinhos e sobrinhas ocupam altos postos em quase todas as empresas. Todas têm capital fechado e a maioria está baseada na enfraquecida região industrial localizada perto da cidade de Roubaix, na fronteira da França com a Bélgica, onde Mulliez abriu a primeira loja da Auchan em 1961. Um pacto familiar permite aos membros trocarem ações entre si, mas impede vendas para pessoas de fora, de modo que não há pressão de gente de fora por retornos acelerados. Em algumas empresas, os funcionários recebem ações, mas nunca mais que 15% do total.
A família Mulliez começou a trabalhar na área têxtil há mais de 200 anos. Mas na metade do século XX esse setor estava em queda e Gérard, então com 29 anos, abriu a primeira Auchan em uma fábrica abandonada de Roubaix, após se convencer que as lojas suburbanas com grandes espaços para estacionar acabariam com o tradicional comércio no centro das cidades.
O clã é notoriamente avarento. "Você nunca os vê em St. Tropez ou comprando obras de arte caras", diz Bertrand Gobin, escritor que tem um blog que segue os movimentos da família. Gobin, que em 2004 conseguiu uma rara entrevista com Gérard Mulliez, lembra que o escritório do patriarca não tinha calefação e era mobiliado com uma mesa barata, algumas cadeiras, e uma mesa coberta com um lençol para evitar o acúmulo de poeira. A entrevista durou cinco horas, diz Gobin, sem que Mulliez lhe oferecesse um copo de água.
Apesar de sua destreza no varejo, a família é estigmatizada nos EUA e no Reino Unido. A Auchan e a Decathlon abriram lojas nos EUA nos anos 80 e 90, mas depois desistiram desse mercado. A Saint Maclou, do clã, ganhou uma disputa pela Allied Carpets do Reino Unido em 1999, mas a vendeu este ano por causa da queda nas vendas.
Isso não diminuiu o apetite da família pela expansão global. A Auchan está abrindo suas primeiras lojas na Ucrânia e entrando no Golfo Pérsico. E a Decathlon espera aproveitar a Olimpíada de Londres em 2012 e abrir pelo menos cinco novas lojas no Reino Unido.
Veículo: Valor Econômico