Eles chegaram ao topo

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Negócios que surgiram no interior crescem em ritmo tão veloz que já  conquistaram um posto no ranking dos maiores vendedores de móveis e eletrônicos do país

 

Nome: Ricardo Eletro
Ano de fundação: 1989
Faturamento: 2,1 bilhões de reais
O mineiro Ricardo Nunes, 40 anos, não sai de casa sem seus seis celulares – que considera "instrumento básico" de trabalho. Os vendedores já sabem: se um cliente quer negociar preço, é com ele que deve falar. Ex-sacoleiro, aos sábados Ricardo sempre dá expediente numa de suas 280 lojas. "O dono precisa estar presente"
 

 
O ex-sacoleiro Ricardo Nunes, 40 anos, já foi motivo de piada em Divinópolis, cidade mineira onde começou a erguer a rede Ricardo Eletro, duas décadas atrás. Hoje líder na venda de eletrodomésticos em Minas Gerais, naquele tempo ele vivia na penúria. Em sua única loja, onde imperavam bichos de pelúcia e outras quinquilharias, era difícil achar os aparelhos anunciados em letreiro reluzente do lado de fora. Ricardo não tinha dinheiro para fazer estoque. Do passado pouco glorioso, o negócio preservou a estratégia que lhe serviu de trampolim: uma política de preços agressiva. É o próprio dono que, contatado pelos vendedores por celular, toma até hoje a maior parte das decisões sobre descontos a clientes. Ele se gaba: "Sacrifico as margens de lucro, mas vendo até dez vezes o número de chapinhas de cabelo que meus concorrentes". Com faturamento de 2,1 bilhões de reais em 2009, a Ricardo Eletro ocupa o terceiro lugar no ranking do setor brasileiro de bens duráveis (veja o quadro ao lado) – que engloba eletrodomésticos, eletrônicos e móveis. A história da rede é ilustrativa de um fenômeno bem mais abrangente. Como ela, um crescente grupo de varejistas do ramo, que se originou de minúsculos estabelecimentos fincados em cidades do interior, passa a ter relevo nacional. Eles chegam a faturar na casa de 2 bilhões de reais e, em certas praças, já desbancam gigantes como Casas Bahia e Ponto Frio, hoje sob o comando do Grupo Pão de Açúcar.

 


Tais negócios são embalados por taxas de crescimento que saltam aos olhos – duas vezes as do mercado, segundo uma pesquisa da consultoria Tendências. Desde 2005, eles avançam 30% ao ano. Dois fenômenos brasileiros explicam a ascensão dessas redes, até há pouco circunscritas a suas regiões de origem. Elas ganharam fôlego, antes de tudo, pelo substancial aumento da classe C – justamente seu público-alvo. "Meu negócio mudou de estatura com a explosão do consumo nessa faixa de renda", avalia Luiz Carlos Batista, 55 anos, dono da rede Insinuante, líder absoluta de vendas no Nordeste. Outro fator crucial para a expansão dela e de outras diz respeito à evolução das regiões nas quais surgiram, que, em geral, crescem mais do que a média do país. Um estudo da Fundação Getulio Vargas mostra que em cidades do interior, onde tais redes são mais fortes, a renda subiu 20% na última década – nas capitais, o aumento foi de 3%. São notáveis os efeitos disso em negócios como o da Móveis Gazin, campeã na venda de eletrônicos na Região Centro-Oeste. A prosperidade de cidades dali que antes não passavam de vilarejos fez o comerciante paranaense Mário Gazin, 60 anos, redimensionar sua operação. "Quando escolhi abrir lojas nesses lugares, fui tachado de louco", lembra. "Hoje, eles se tornaram polos efervescentes, que me dão muito dinheiro."

 

Cabe perguntar como, num mercado em que 60% dos negócios são varridos do mapa em não mais que cinco anos, essas empresas conseguiram sobreviver por décadas. Contribuiu para isso, sem dúvida, o fato de todas terem sido pioneiras na venda de móveis e eletrônicos naquelas regiões em que iniciaram o negócio – uma vantagem decisiva. "Reinei praticamente sozinho durante pelo menos vinte anos no interior do Rio Grande do Sul. Ninguém queria apostar dinheiro em algo que parecia tão arriscado", conta o gaúcho Adelino Colombo, 79 anos, dono de um império de 340 lojas que leva seu sobrenome. Seu negócio, que estreou na cidade de Farroupilha, em 1959, remete a um tempo em que apenas quatro dos 20 000 habitantes de lá tinham poder aquisitivo para comprar televisão. Ele e os outros do grupo ainda têm em comum na trajetória a aquisição de redes menores, a partir da década de 90, estratégia fundamental para o início de sua expansão por outros estados. No comando da maioria dessas empresas estão até hoje seus fundadores, gente sem nenhum verniz no currículo, mas com bom papo de vendedor. Recentemente, eles passaram a recrutar profissionais com experiência no varejo, egressos de redes como Carrefour e Pão de Açúcar.

 

Nome: Lojas Colombo
Ano de fundação: 1959
Faturamento: 1,4 bilhão de reais
Quando quer motivar sua equipe, o gaúcho Adelino Colombo, 79 anos, leva todo mundo para pescar. Com lojas em cinco estados, ele não deixa por nada sua cidade natal, Farroupilha, onde fica a sede da empresa. Filho de imigrantes italianos, foi ali que estreou no comércio, vendendo ferros de passar aos vizinhos. "Vender é meu grande hobby", diz Colombo
 

 
O setor de bens duráveis é bastante pulverizado no Brasil – cenário que a compra das Casas Bahia pelo Pão de Açúcar, duas semanas atrás, não chegou a alterar de forma decisiva. É verdade que, juntos, os dois passaram a deter 28% de um faturamento de 68 bilhões de reais, quase o quíntuplo da rede paulista Magazine Luiza, a segunda colocada. Mas o fato é que os outros 66% estão nas mãos de 1 830 diferentes estabelecimentos comerciais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tirando uma dezena de empresas medianas, como as que aparecem nesta reportagem, o restante tem faturamento médio de 17 milhões de reais ao ano. Calçados na experiência internacional, os especialistas concordam que a tendência é de concentração no mercado brasileiro. "Sou assediado o tempo todo, mas não vendo a Ricardo Eletro por nada", diz Ricardo Nunes. "Meu plano é o contrário: partir para a compra." Ele chegou a estar na mira do Walmart, mas o negócio não foi adiante. Além de ganhos de escala, a aquisição de uma rede como a dele pode significar um atalho decisivo para desbravar um novo mercado – algo que não é exatamente simples num país com as dimensões, a geografia e a variedade cultural do Brasil.

 

Nome: Móveis Gazin
Ano de fundação: 1966
Faturamento: 1,2 bilhão de reais
Quando o paranaense Mário Gazin, 60 anos, abriu suas primeiras lojas em minúsculas cidades do Centro-Oeste, foi tachado de louco. Algumas delas não tinham sequer asfalto. No rastro do agronegócio, hoje são polos efervescentes. "Aproveitei para entrar lá antes que meus concorrentes descobrissem o potencial da região"
 

 
Um dos grandes desafios para ingressar em certas praças é conseguir montar uma logística que contemple condições adversas – um duro aprendizado. A Bemol, uma das líderes do setor na Região Norte, entendeu que era crucial para a própria sobrevivência manter abarrotados os estoques de suas lojas em cidades amazônicas, ainda que isso custasse caro. Era mais econômico do que transportar seguidamente do centro de distribuição, em Manaus, geladeiras e fogões em barcos e aviões, as opções disponíveis numa região de estradas precárias ou inexistentes. Outro complicador brasileiro é a variedade de culturas regionais. Isso atrapalhou as Casas Bahia em sua tentativa – frustrada – de dominar o mercado gaúcho, cinco anos atrás. A principal dificuldade foi livrar-se da imagem de forasteira. "Ter a palavra Bahia no nome espantou os gaúchos, que, bairristas, costumam dar preferência aos negócios locais", diz o economista Alexandre Andrade, especializado em varejo. De 27 lojas, 21 desapareceram. O Magazine Luiza tentou contornar o problema ao comprar uma rede de lá, as Lojas Arno, e preservar o nome dela durante um ano. Só depois acrescentou sua marca ao letreiro – mas ainda em letras miúdas. Passado o longo período de aclimatação, restou hoje apenas o seu logotipo. Leva tempo também para as empresas assimilarem os gostos e hábitos de cada lugar, como ilustra a experiência do paranaense Mário Gazin. "Errei feio ao achar que em cidades mais pobres do Acre ninguém compraria colchão de molas nem televisão LCD."

 

O setor de bens duráveis como um todo sempre se expande quando há aumento de renda da população – como ocorre hoje no Brasil. O caso brasileiro é a prova em tempo real da teoria que o americano Paul Samuelson, prêmio Nobel de Economia, morto na semana passada, enunciou em 1938 para explicar o comportamento do consumidor. Segundo Samuelson, para saber o que ele quer, basta olhar para o que compra (é a teoria da "preferência revelada"). O vigor com que os brasileiros vão hoje às lojas de móveis e eletrodomésticos é um sinal de que havia uma enorme demanda reprimida por eles – algo que o aumento da renda tratou de suprir. Não é a primeira vez que o setor cresce com intensidade no Brasil. Na época do Plano Real, em 1994, praticamente dobrou o número de brasileiros com geladeira, televisão e telefone em casa. Nunca se registrou, no entanto, uma explosão no mercado de bens duráveis como a atual. Embaladas pelo aumento no crédito, que triplicou de cinco anos para cá, as vendas sobem, todo ano, em torno de 15%, mais que o ritmo do PIB chinês. Nenhum outro setor da economia avança tanto. É nesse cenário que gente como Ricardo, Colombo e Gazin deixa de ser conhecida apenas nos rincões de onde despontou.

 

Nome: Insinuante
Ano de fundação: 1959
Faturamento: 2,1 bilhões de reais
No mês passado, o baiano Luiz Carlos Batista, 55 anos, viajou para a Coreia do Sul só para fechar um negócio – e voltou oito horas depois. "Se quero o topo, não posso me dar ao luxo de perder tempo", diz ele, que, em 1967, transformou a sapataria Insinuante, de seu pai, numa loja de móveis e eletrodomésticos, em Salvador. É hoje campeão absoluto de vendas na Região Nordeste
 

 

Veículo: Revista Veja


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