Laticínios locais acusam companhia gaúcha de vender longa vida a preço abaixo do custo de produção
A política de preços da Laticínios Bom Gosto no mercado da região Nordeste levou o Sindicato das Indústrias de Laticínios e Produtos Derivados do Estado de Alagoas (Sileal) e o Sindicato da Indústria de Laticínio de Produtos e Derivados no Estado do Ceará (Sindlaticínios) a entrarem com uma denúncia de "concorrência desleal por prática de preço predatório" contra a empresa no Ministério Público Federal de Pernambuco. A Associação das Indústrias de Laticínios do Norte/Nordeste (Ailane) também apoia a ação.
Os sindicatos, que representam laticínios como Betânia, do Ceará, e Ilpisa, de Alagoas, e a Ailane acusam a gaúcha Bom Gosto de praticar "underselling", vendendo leite longa vida "a preços abaixo do preço de custo ou bem próximo do preço de custo" no mercado nordestino. Isso poderia, segundo a ação, "causar prejuízos insuportáveis aos concorrentes, levando o mercado a uma crise sem precedentes".
De acordo com os laticínios nordestinos, a Bom Gosto estaria praticando preços predatórios desde abril de 2009, logo depois de entrar no mercado do Nordeste com a compra da fábrica da Parmalat em Garanhuns (PE), em março do ano passado.
Um relatório da Nielsen, feito a pedido dos sindicatos e anexado à ação entregue ao MPF de Pernambuco, mostra que no bimestre abril-maio de 2009 a Bom Gosto estava vendendo leite longa vida com preço 15% abaixo do valor médio de mercado no Nordeste. No bimestre agosto/setembro estava 14% abaixo. Procurada, a Bom Gosto não respondeu ao pedido de entrevista.
Os preços competitivos também garantiram à Bom Gosto uma fatia expressiva do mercado nordestino. No bimestre agosto/setembro, seis meses depois de entrar no Nordeste, a empresa já era líder de mercado, com 21,5% dos volumes, segundo o mesmo relatório. No bimestre outubro/novembro, a fatia havia caído para 18,3% em volume , segundo dados Nielsen obtidos pelo Valor.
A fábrica de Garanhuns, porta de entrada da Bom Gosto no Nordeste, foi uma das sete aquisições da empresa gaúcha desde julho de 2007. Com o apoio do BNDES, que por meio da BNDESPar tem participação de 34,6% em seu capital, a Bom Gosto comprou, além da unidade de Garanhuns, os mineiros DaMatta e Santa Rita, os gaúchos Corlac e Nutrilat, uma unidade que pertencia à Nestlé em Barra Mansa (RJ. Também incorporou a paranaense Líder Alimentos numa operação de troca de ações. Sua última compra, em novembro passado, foi a catarinense Cedrense. As aquisições somaram investimentos da ordem de R$ 232 milhões.
Em entrevista em novembro, o presidente da Bom Gosto, Wilson Zanatta, estimou um faturamento de R$ 2,3 bilhões para a companhia este ano. Para 2009, a receita bruta prevista era de R$ 1,7 bilhão.
"As empresas [nordestinas] verificaram que os preços da Bom Gosto nas gôndolas eram bem mais baixos do que os delas", diz o advogado André Tavares de Melo, que representa os sindicatos.
Também eram inferiores ao custo de produção, segundo Melo. Um dos documentos anexados ao processo é a planilha de custos do setor, que mostra um custo final médio de R$ 1,42 por litro de leite longa vida no Nordeste. "(...) Não há como vender leite abaixo de R$ 1,42 sem ter prejuízo", diz a ação. No intuito de comprovar o "underselling", foram anexadas cópias de planfetos da rede de varejo Bompreço mostrando que o leite da Bom Gosto foi vendido a R$ 1,17 por litro entre os dias 15 e 17 de janeiro deste ano.
Jorge Parente, presidente da Ailane, diz que em dezembro, leite da Bom Gosto chegou a ser vendido por R$ 0,98 no varejo nordestino. Cópias de fotos do produto a esse preço nas gôndolas também foram anexadas ao processo. "Só um verdadeiro milagre para vender a esse preço", ironiza Parente. Em sua opinião, "uma empresa financiada com recurso público não poderia fazer concorrência predatória".
Procurado pelo Valor, o BNDES preferiu não comentar a ação.
Os autores da ação também apresentam cópias de notas fiscais de venda de leite, fornecidas por produtores, mostrando que a Bom Gosto pagou, em setembro de 2009, R$ 0,83 pelo litro de leite ao produtor, R$ 0,13 acima da média de mercado. Portanto, seria ainda mais difícil vender o produto final por preço inferior ao custo de R$ 1,42, diz a denúncia.
A ação chega até a estimar em R$ 2,5 milhões mensais, em cálculos preliminares, supostos prejuízos da Bom Gosto por conta de sua política de preços para "alavancar a marca no Nordeste". Os cálculos foram baseados nos custos médios das principais empresas de laticínios do Nordeste, considerando produto com qualidade, peso e especificações semelhantes aos de outras empresas, gastos com fornecedores, embalagens, logística e impostos.
De acordo com advogado André Tavares de Melo, caso a denúncia seja comprovada o Ministério Público pode pedir à Bom Gosto um termo de ajustamento de conduta (TAC), na qual a empresa se comprometeria a não vender abaixo do custo. Outra possibilidade, diz, é a abertura de uma ação civil pública contra a empresa. O MPF também poderia oferecer denúncia contra a Bom Gosto à Secretaria de Direito Econômico (SDE), segundo Melo.
Veículo: Valor Econômico