"Sherazade" dá uma mão na hora de combinar mídias

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Companhias contam a mesma história em diferentes meios

 

Daniel tem trinta e poucos anos, gosta de cozinhar e reunir os amigos em casa. Boa-praça e boa-pinta, é daqueles sujeitos que os outros "caras" gostam de ter como amigo e as mulheres, como namorado. Prova dessa popularidade é que em poucos dias ele reuniu mais de 100 amigos no Facebook e 200 seguidores no Twitter, sem falar nos milhares de acessos a seus vídeos no YouTube. Mas o que chama a atenção nessa história é que Daniel não existe. Ele é um personagem criado para a Whirlpool divulgar a marca Brastemp e um dos melhores exemplos da transmídia, um conceito que está redesenhando os negócios de mídia e publicidade.

 

"A transmídia ainda engatinha no Brasil, mas é a palavra de hoje nos Estados Unidos", diz Marcelo Tripoli, presidente da agência de publicidade digital iThink.

 

Basicamente, trata-se da criação de conteúdo - uma série de TV, um desenho animado, um filme de cinema - criado desde a origem para ter vida própria em vários meios diferentes. A ideia é fazer o cruzamento entre todas as mídias disponíveis, das mais tradicionais, como a TV e o rádio, até as mais recentes, a exemplo da internet, do telefone celular e dos jogos de videogame.

 

Divulgação
 


Garoto-propaganda da Brastemp, 'Daniel' ganhou vida na TV e na internet
Inspirado no livro "Feijoada no Paraíso", do escritor Marco Carvalho, o filme "Besouro" é mais um exemplo de como a transmídia funciona. O filme chegou às telas no fim de outubro, mas a carreira do personagem - um capoeirista extraordinário que viveu na década de 20 - está longe de acabar. Uma série de animação, voltada ao público infanto-juvenil, está em desenvolvimento, com planos para ser exibida na TV e na internet. Outro seriado, desta vez com atores em carne e osso, tem início de produção previsto para o segundo semestre, podendo ir ao ar em 2011, na TV aberta. Existe até a chance de o projeto se internacionalizar, com episódios gravados em inglês. "Estamos negociando com um parceiro estrangeiro", diz João Daniel Tikhomiroff, diretor de "Besouro" e presidente da produtora Mixer, uma das empresas responsáveis pelo filme. A Mixer também negocia com uma empresa de videogame o lançamento de um jogo baseado na produção, conta o executivo.

 

Na busca pela transmídia - que muitos preferem chamar de multiplataforma - a Discovery Communications chegou até um dos meios mais antigos de que se tem notícia: o teatro. A companhia americana já levou aos palcos de São Paulo e do Rio uma peça com o cãozinho Doki. Originalmente uma espécie de mestre-de-cerimônias do canal Discovery Kids, o personagem acabou ganhando uma série própria na TV paga, além de virar tema jogos on-line, vídeos disponíveis na internet e material educativo. "O conceito [da transmídia] já existia, mas com a internet ganhou força", diz Fernando Medin, presidente da Discovery no Brasil.

 

Vários profissionais de mídia e publicidade enfatizam que o fenômeno não é um modismo alimentado pelos departamentos de marketing. Ao contrário, ela seria mais uma exigência a que as companhias de entretenimento - mas não só elas - têm se rendido para acompanhar duas mudanças comportamentais do mercado. "Uma delas é a fragmentação da mídia, que passou a incluir novidades como o computador e o celular", diz Tripoli, da iThink.

 

Não se trata, portanto, de trocar um meio pelo outro, já que o mesmo consumidor tanto assiste à TV, como ouve rádio e navega na internet, para ficar em alguns exemplos. "Não é substituição, é complementação", resume Tikhomiroff, da Mixer.

 

A segunda razão representa praticamente o outro lado da moeda: já que a mídia se fragmentou, por que não levar o mesmo produto para vários meios, maximizando o investimento feito em sua criação?

 

É um raciocínio a que o setor de publicidade está cada vez mais atento. Grandes anunciantes e agências de propaganda vêm debatendo como alcançar seu público em meios recentes, nos quais os hábitos de consumo são mais difíceis de rastrear e as interrupções para a mensagem do nosso patrocinador são pouco toleradas. Ninguém, afinal, quer ver comercial enquanto fala com o amigo no Facebook ou vê vídeos no YouTube.

 

Para superar esse desafio, as empresas tem investido cada vez mais numa estratégia que tem nome em inglês - "storytelling" - mas é uma velha conhecida de qualquer um que já ansiou ouvir a história dos três porquinhos antes de dormir quando criança: transformar o intervalo comercial em uma história na qual as pessoas tenham interesse de acompanhar.

 

É por isso que uma das melhores definições da "storytelling" e, por extensão, da transmídia, é aquela que evoca a mítica princesa Sherazade. No fundo, trata-se de manter o interesse do espectador em torno de uma boa trama, com a diferença de que agora ela se desenrola em vários canais de comunicação ao mesmo tempo.

 

"Contar histórias é da natureza humana", diz Abel Reis, presidente da AgênciaClick, de publicidade digital. Os grandes grupos, afirma o publicitário, perceberam que mais do que vender as qualidades de seus produtos, é preciso criar espaços ao redor das marcas aos quais as pessoas queiram pertencer. É isso que explicaria por que muitos consumidores da Apple passam dias na fila para ser os primeiros a comprar um novo produto da marca ou por que os fãs de Harry Potter costumavam ir às livrarias à meia-noite só para adquirir o volume mais recente da série.

 

O "storytelling" entra no jogo como a maneira mais eficiente de criar esse guarda-chuva ao redor da marca. O personagem Daniel, da Brastemp, é um exemplo. "Tínhamos 17 itens da linha 'Gourmand' [para anunciar], mas não queríamos comunicar só o produto. Queríamos era falar com o público que gosta de cozinhar", diz Daniela Cianciaruso, da gerente-geral de marketing da Whirlpool. A decisão foi criar uma série de sete episódios, de dois minutos cada um. Na web, o seriado ganhou desdobramentos em blogs e vídeos.

 

Daniel não é o único de sua espécie. A Fiat ganhou um empurrão transmídia do ex-piloto Tony T. Interpretado por um ator brasileiro de 2,10 metros de altura, na ficção ele era um milionário que veio ao Brasil selecionar pilotos para sua escuderia. A campanha teve um de seus pontos altos numa prova da edição passada do Big Brother Brasil, acompanhada por 32 milhões de pessoas. Na web, 170 mil pessoas se candidataram ao jogo on-line que levaria o escolhido para o mundo (de mentirinha) das corridas profissionais.

 

Já a Philips escolheu um piloto real - Nico Rosberg, então na AT&T Williams -, mas o envolveu numa trama fictícia. Na história, o capacete de Rosberg desaparece misteriosamente em São Paulo, o que dá início a uma corrida para encontrá-lo. Os participantes tentavam achar o capacete por meio das imagens de uma câmera que supostamente mostrava, ao vivo, os locais para onde ele era levado. "O retorno foi incrível", conta Gabriel Aleixo, diretor de marketing e serviços da Philips. O sumiço ganhou chamada em um noticiário da ESPN e virou tema de contas no Twitter e vídeos no YouTube, muitos deles feitos pelos fãs.

 

Com o interesse crescente pela transmídia, algumas empresas estão sendo criadas para atuar especificamente sob esse conceito. A portuguesa beActive já vendeu para mais de 20 países o "Diário de Sofia", sobre uma adolescente com problemas típicos da idade. No Reino Unido, o seriado começou na internet, mas virou um programa de TV nas mãos da Sony Pictures. "A operação global já dá lucro", diz Luís Ochôa, diretor-executivo da Aitec, empresa de tecnologia que controla a beActive. No Brasil, a mais recente aposta é "Castigo Final", série transmitida pela Oi TV, com episódios também no celular.

 

Uma das vantagens da transmídia, diz Ochôa, é a possibilidade de criar finais alternativos para as séries. Ao mesmo tempo em que aumenta a chance de remuneração, o modelo agrada o espectador. Quem já não quis mudar aquela história em que a mocinha morre no final?
 

 

Veículo: Valor Econômico


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