Apenas nos três primeiros meses deste ano, preços subiram 4,97%. Famílias estão aproveitando as promoções nos supermercados para estocar produtos em casa. Analistas não veem recuo tão cedo e projetam inflação maior
Os preços dos alimentos estão pesando cada vez mais no orçamento das famílias. Somente nos três primeiros meses de 2010, a inflação da comida que vai para a mesa dos brasileiros atingiu 4,97%, segundo o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), superando o centro da meta perseguido pelo Banco Central, de 4,5%, para todo o ano. O pior, no entender dos especialistas, é que não há sinais de trégua à vista. O grupo alimentação continuará sendo um dos principais fatores de pressão inflacionaria. “As pessoas devem se preparar, pois não haverá alívio tão cedo nos preços da comida. Os sinais atuais são de aceleração”, afirmou o economista-chefe da Máxima Asset Management, Elson Teles.
A lista de produtos alimentícios com preços em alta não para de crescer. E, neste mês, foi engrossada pelo leite. Dos fabricantes para o comércio — caminho que os analistas chamam de atacado —, o produto ficou 8,03% mais caro. Do comércio para os consumidores, porém, o reajuste chegou a 10,57%. Quer dizer: o varejo não só repassou todo o seu custo maior como ainda embutiu boa margem de lucro. “Estamos na época de entressafra e, por isso, o preço só vai avançar. O volume de captação de leite pelos produtores foi reduzido mais cedo neste ano, o que também está pressionando os preços”, explicou André Braz, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Tal redução no ritmo de produção de leite afetou diretamente o bolso da dona de casa Vilma Batista, 28 anos. Com um filho de quase dois anos, que consome 36 litros por mês, precisou mudar a estratégia de compra do produto. “O leite está muito caro. Quando tem promoção, compro uma quantidade maior para estocar. Quando não tem, vou comprando um pouquinho a cada dia, até achar um supermercado com alguma oferta”, contou. “Se tivesse a R$ 1,29, seria ótimo, me deixaria muito mais aliviada”, emendou. A caixa de um litro de leite não é encontrada atualmente por menos de R$ 2,20.
Safra menor
De acordo com Elson Teles, o orçamento de Vilma e do restante dos brasileiros não terá folga. “Tivemos, neste ano, a alta do álcool e do açúcar em função da quebra de safra da cana na Índia. O Índice de Preços por Atacado de produtos agrícolas (IPA, taxa que faz parte da formação do IGP-M) está subindo muito em função das chuvas, e a alta logo chegará aos consumidores”, disse.
Se essa tendência de alta nos produtos do campo se confirmar, mais elevações de preços não tardarão a chegar. As carnes, por exemplo, já começaram a encarecer. O aumento das exportações dos produtos e a redução dos abates de animais reduziram a oferta no mercado interno. Apenas a produção de carne bovina registrou, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), recuou de 2,5% na produção em 2009 frente o ano anterior. Na mesma base de comparação, a da carne de frango caiu 2,4%. Em consequência disso, em alguns açougues, tanto a carne de boi quanto a de aves estão até 20% mais caras do que no ano passado.
Diante desse quadro, o pesquisador André Braz sentenciou: “Os preços dos alimentos continuarão a pressionar a inflação, principalmente, os in natura, mais sensíveis a fatores climáticos. Não são todos os produtos que estão com altas, mas todos os que ficaram mais caros têm peso maior no bolso do consumidor”.
"As pessoas devem se preparar, pois não haverá alívio tão cedo nos preços da comida. Os sinais atuais são de aceleração”
Elson Teles, economista-chefe da Máxima Asset Management
Em disparada
Não está fácil para as famílias arcarem com os reajustes da comida
Produtos - Alta em março
Tomate - 48,54%
Laranja-pêra - 14,91%
Ovos - 13,05%
Açúcar refinado - 9,51%
Batata-inglesa - 8,50%
Leite in natura - 6,04%
Leite longa vida - 6,00%
Fonte: IGP-M da FGV
Leite e ovos, os vilões
Justificativas não faltam para explicar a alta dos alimentos, especialmente para os vilões da vez, o leite e os ovos. Segundo os especialistas, as vacas passam por um momento de “entressafra”, produzindo menos leite. Já as galinhas estão no período de mudança de penas, também botando menos ovos. Em março, segundo o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), os preços do leite registraram elevação de 6%, enquanto os ovos encareceram 13,05%. Com isso, os valores de iogurtes, bolos, biscoitos e de outros derivados desses dois itens estão em ritmo de alta.
Outro fator a jogar os preços para cima é a quaresma, pois é comum a troca da carne vermelha pela proteína de ovos. Além disso, a fabricação de produtos típicos do período, como a colomba pascal e o chocolate, demandam tanto leite quanto ovos. “Com a demanda maior por esses produtos e a entressafra, é natural que o consumidor encontre preços maiores”, avaliou André Braz, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Para a servidora pública Cláudia Barros, 48 anos, o custo dos ovos está exagerado, principalmente os do tipo caipira. “No mercado, encontro a dúzia a R$ 6, é um absurdo. Por isso, evito os ovos de granja, prefiro os vendidos em chácara e fazendas. Os preços são melhores e os ovos, mais saudáveis”, argumentou. “Tanto o ovo quando leite têm subido demais por causa do consumo excessivo. É demanda demais”, ponderou o engenheiro agrônomo Ipérides Leandro Farias, 67anos, que lembrou do aumento do poder aquisitivo do brasileiro e a expansão da classe C no país. “A mesa dos brasileiros está mais farta, assim como as dispensas”, acrescentou. (VM)
Veículo: Correio Braziliense