Esse pessoal nunca ganhou tanto

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Como o Pão de Açúcar montou um agressivo plano de bônus para 900 gerentes, em que cada um levou pela primeira vez neste ano quase o dobro do que recebia antes

 

Os corredores da sede do grupo Pão de Açúcar, na zona sul de São Paulo, estavam mais barulhentos que o habitual no dia 22 de fevereiro. Naquela manhã, durante a "plenária" (reunião que acontece todas as segundas-feiras pela manhã), a vice-presidente de recursos humanos, Claudia Elisa Soares, estava prestes a divulgar a cerca de 300 executivos o resultado alcançado pela empresa em relação às metas estabelecidas para 2009. Dos números apurados por Claudia dependiam os bônus não apenas de todos os diretores que estavam na sala mas também de 900 gerentes que esperavam, pela primeira vez, receber até sete salários extras, quase o dobro da remuneração variável máxima paga até o ano anterior (o potencial máximo de ganho para eles era de 4,5 salários). Para comemoração geral, Claudia revelou que o valor máximo da bonificação havia sido alcançado por todos os participantes do novo programa. "Foi uma verdadeira festa", diz Nelson Raymundi Filho, gerente comercial nacional da área de carnes das bandeiras Extra, Pão de Açúcar e Barateiro - ele próprio um dos beneficiados pela nova política.

 

A inclusão de 900 executivos nesse modelo de distribuição de bônus é o passo mais largo no sentido de ampliar o plano de incentivo criado há cerca de dois anos, quando o Pão de Açúcar iniciou uma profunda reestruturação. Para estimular os executivos da empresa a buscar mais eficiência, o carioca Cláudio Galeazzi, que assumira a presidência do grupo em dezembro de 2007, decidiu incrementar o programa de remuneração variável. Em maio de 2008 foi anunciado um novo sistema de remuneração para os diretores. Cada um passou a ter um ganho potencial máximo de 42 salários extras por ano (incluindo opções de compra de ações), mais que o dobro dos 17 salários extras da fórmula antiga. Tamanha "generosidade" trouxe bons resultados para a companhia. Entre 2007 e 2009, o lucro líquido cresceu 183%, alcançando 597,5 milhões de reais. "O novo modelo de remuneração tem sido fundamental para a melhoria dos resultados", diz Claudia, sem revelar quantos executivos chegaram a embolsar a bolada
máxima.

 

Formada na escola de gestão da Am- Bev, onde trabalhou por 17 anos, Claudia entrou no Pão de Açúcar em agosto de 2008. Assim que chegou, tratou de estender a filosofia de meritocracia, metas e reconhecimento dos resultados para o médio escalão. Além dos 900 gerentes, 6 000 chefes de seção (profissionais como os responsáveis por determinadas áreas dentro dos supermercados, como carnes ou padaria) tiveram aumento de até 67% no valor do bônus recebido em 2009 em relação ao desempenho do ano anterior e chegaram a levar para casa até 1,5 salário extra. "Sentimos que era preciso melhorar também a remuneração do miolo da companhia", diz ela. "Precisamos de uma base sólida para sustentar o crescimento planejado para os próximos anos."

 

A primeira medida nessa transição foi redefinir a remuneração total dos gerentes, colocandoos no terceiro quartil da escala vigente no mercado - em bom português, pagar mais do que pelo menos 75% dos concorrentes. (No caso dos diretores, o valor pago pelo Pão de Açúcar está acima de pelo menos 90% das demais empresas do setor.) Para mapear esse cenário, foi contratada a consultoria de recursos humanos Hay Group. O passo seguinte foi definir as metas que comporiam a remuneração variável de cada funcionário elegível, trabalho que consumiu mais de dois meses de negociações entre o RH e todas as áreas envolvidas. "A preocupação dos diretores em escutar a realidade de cada área foi crucial para que não fossem estabelecidas metas irreais", diz o gerente Raymundi Filho.

 

Os Bônus ficaram mais agressivos - e os cuidados para distribuí-los também. Em primeiro lugar, criou-se uma espécie de "gatilho" para a concessão dos prêmios, diretamente ligado ao crescimento da margem Ebitda, principal indicador de eficiência operacional. Em 2009, por exemplo, a meta era aumentar a margem em 10%. Caso isso não ocorresse, ninguém receberia as bonificações, por mais que tivesse sucesso no cumprimento das demais metas. (No ano passado, o crescimento da margem Ebitda foi de 15,7%, o que garantiu o primeiro requisito para a concessão do bônus.) "Ao colocar um indicador financeiro como trava para o pagamento da remuneração variável, a empresa não corre o risco de pagar recompensas sem obter um retorno operacional relevante", diz Fernando Pedó, da consultoria Mercer. Nesse novo modelo, a quantidade de metas individuais diminuiu - de até dez em 2007 para no máximo seis em 2009 -, de modo a privilegiar os objetivos coletivos. Por fim, a companhia adotou um sistema de metas em cascata. O método nada mais é que uma forma de atrelar os resultados de cada empregado aos de sua equipe. Se determinado objetivo não for atingido, não apenas o diretor mas também seus gerentes e seus coordenadores perdem a bolada. No concorrente Walmart, que também adota regras rígidas para a distribuição de bônus, esse tipo de "gatilho" deixou todos os funcionários a ver navios neste ano.

 

Embora tenha registrado crescimento nas vendas no ano passado em relação a 2008, segundo pessoas próximas ao varejista, a meta de lucro líquido definida para 2009 não foi alcançada - no caso do Walmart, esse é o indicador financeiro determinante para a concessão ou não das bonificações. Uma das explicações para esse resultado teria sido uma expectativa exagerada sobre o desempenho de operações em mercados emergentes, como o Brasil, já que a empresa precisava se recuperar da crise no mercado americano. "Como há anos a operação brasileira vinha batendo a meta com folga, eles resolveram ser mais agressivos ao defini-la", diz uma fonte próxima à companhia. "Mas, provavelmente, erraram a mão." Foi justamente para evitar esse tipo de surpresa ao longo do caminho que o Pão de Açúcar estabeleceu uma rotina de acompanhamento das metas. "Todos os meses avaliávamos detalhadamente o desempenho da área", diz Walter Zaim, gerente regional de operações da bandeira Pão de Açúcar e responsável por uma equipe de cerca de 120 pessoas. "Assim, sabíamos exatamente o que tínhamos de fazer para alcançar a recompensa."

 

Após implantar o mais ambicioso programa de remuneração de sua história, a equipe de RH do Pão de Açúcar tem outra difícil missão pela frente: levá-lo para os novos negócios do grupo. Desta vez, sem a orientação de Galeazzi, que deixou a presidência do grupo no início de março (em seu lugar assumiu o ex-vice-presidente financeiro Enéas Pestana). No Ponto Frio, o programa começou a ser executado no segundo semestre do ano passado. Ainda não foi definido se o sistema será adotado na Casas Bahia, adquirida no final de 2009. "Cada vez mais queremos recompensar não o esforço, mas o resultado", diz Claudia.

 

Veículo: Revista Exame

 


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