Malha ferroviária é mal aproveitada no transporte de carga

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Até o ano passado, apenas dez produtos somavam 91% de tudo o que era transportado por trilhos; concentração aumentou nos últimos anos

 

Poucos setores da economia conseguem aproveitar a malha ferroviária brasileira. Até o ano passado, apenas dez produtos, quase todos granéis para exportação, somavam 91% de tudo que era transportado pelos trilhos. Só o carregamento de minério de ferro representou 74,37% da movimentação total das ferrovias.

 

Apesar dos investimentos, de cerca de R$ 20 bilhões desde 1997, a concentração piorou nos últimos anos. Em 2006, por exemplo, os dez principais produtos transportados representavam 88,91% da movimentação total. Além disso, esse volume está concentrado em apenas 10% da malha total, de 28 mil quilômetros (km), completa o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo.

 

Ele explica que é para eliminar distorções como essa que um novo modelo está em desenvolvimento para começar a funcionar a partir de 2012. A ideia é estipular metas de produtividade por trechos e produtos, que obrigarão as empresas a buscar novos mercados. "A capacidade excedente (entre a meta e a capacidade da ferrovia) será oferecida a um novo operador logístico."

 

Outra medida para ampliar o transporte ferroviário é recuperar trechos abandonados em locais onde há demanda. No momento, as concessionárias avaliam se continuam com as linhas ou não, diz Figueiredo. Em caso de devolução, a ANTT pode optar pelas short lines (pequenas linhas que complementam as grandes ferrovias), usadas nos Estados Unidos.

 

O objetivo das mudanças é atender um número maior de empresas, que hoje querem usar o transporte ferroviário mas não conseguem. Uma pesquisa feita pelo Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos) mostra que, para cada dez empresas hoje plenamente atendidas pelas ferrovias, há outras nove que tentam transportar produtos, sem sucesso.

 

Idade da pedra. O vice-presidente do Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Saturnino Sérgio da Silva, diz que regularmente recebe queixas de indústrias que buscam levar seus contêineres ao Porto de Santos por trilhos e são frustrados com a negativa das concessionárias.

 

O executivo reconhece o avanço conseguido nos últimos anos pela ferrovia brasileira, como o aumento de 56,1% na movimentação total e de 48,1%, na carga geral. Mas destaca que o serviço ainda está muito aquém das necessidades da indústria. Segundo o professor da Coppead/UFRJ, Paulo Fleury, diretor executivo do Ilos, hoje o transporte por contêiner representa 1% da movimentação total das ferrovias. Quase tudo vai para o porto por caminhão.

 

"Nesse quesito ainda estamos na idade da pedra", diz o professor. Ele comenta que, para atender uma parcela maior da economia, haveria necessidade de uma ampla rede de terminais intermodais ou polos de concentração de carga. Mas isso exige investimentos elevados, seja da concessionárias ou das empresas interessadas no transporte.

 

Há, porém, quem avalie a atual concentração de cargas no setor ferroviário como opção das empresas. O professor da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, lembra que as empresas pegaram a malha brasileira num estado lastimável: 80% da infraestrutura estava sem condição de uso e 90% do material rodante precisa ser recuperado.

 

O professor não acredita que haja mudança no mix do transporte ferroviário no médio prazo. Para ele, ainda há muito a ser explorado no agronegócio, por exemplo. "Em Mato Grosso, maior produtor de soja, a ferrovia está chegando somente agora. Só depois de explorar esse potencial entraremos numa terceira fase, que é o transporte de produtos de maior valor agregado."

 

O diretor da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Rodrigo Vilaça, diz que a mineração e o agronegócio continuarão a ser a base de sustentação da ferrovia brasileira, mesmo com uma diversificação do transporte. "A carga em contêiner ainda passa por um aprendizado."

 

O diretor explica que, do jeito que está, nem sempre compensa transportar esse tipo de carga por ferrovia. Às vezes, o custo chega a ser superior ao do caminhão. Ele destaca que o setor tenta encontrar uma fórmula para conseguir resolver o problema e atender um número cada vez maior de empresas. Uma delas é empilhamento de contêineres, que tem atraído atenção dos estrangeiros.

 

A empresa americana TTX, que administra e mantém uma frota de 200 mil vagões na América do Norte (mais do dobro da frota brasileira), está de olho nas oportunidades brasileiras. O maior entrave para adotar o sistema, porém, é a infraestrutura inadequada. Túneis e pontes não estão preparados para o tráfego de contêineres empilhados.

 

Opção é mais cara por falta de infraestrutura, dizem concessionárias

 

Traçado mais antigo e alguns gargalos tornam o transporte de algumas cargas inviável do ponto de vista econômico

 

A falta de infraestrutura da malha ferroviária é a grande vilã da concentração de cargas no setor, justificam as concessionárias. Segundo elas, o traçado mais antigo aliado a uma série de gargalos (como passagens de nível e invasão da faixa de domínio) torna o transporte de algumas cargas inviável do ponto de vista econômico. Esses entraves também reduzem a capacidade das ferrovias para explorar outros mercados, que não seja mineração ou agronegócio.

 

É o caso da MRS Logística, que opera a malha de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Segundo o presidente da empresa, Eduardo Parente, um dos maiores entraves é a travessia da cidade de São Paulo para o Porto de Santos. O compartilhamento da linha com o transporte de passageiro da CPTM não permite que a companhia eleve o volume de carga. "Hoje não tenho competitividade para transportar contêiner por causa disso. Demoro muito para chegar a Santos. Cada passageiro a mais da CPTM significa menos carga para nós."

 

O executivo diz que a solução seria o Ferroanel de São Paulo, que há anos está em estudo pelo governo. Mas há outras opções que estão em desenvolvimento.

 

Uma delas está sendo tocada pela empresa, que é a segregação de linhas entre Itaquaquecetuba e Suzano, em São Paulo, e substituição de locomotivas da cremalheira, na descida para Santos. "Com isso, resolvemos uma parte do problema do Vale do Paraíba."

 

Outro projeto é a segregação entre Ipiranga e Rio Grande da Serra, que precisaria de uma solução financeira para sair do papel. "Ali (no Ipiranga) tem mais de 350 pequenas metalúrgicas que poderíamos atender. São quase 3 milhões de toneladas de aço. A empresa só transporta 1 milhão."

 

Já em relação à carga de Campinas, ele afirma que hoje não a ferrovia não é competitiva em comparação com o caminhão por causa do tempo do transporte.

 

Situação semelhante é relatada pelo diretor Fabiano Lorenzi, da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), tradicional no escoamento da soja e do farelo de soja. Ele conta que há demanda na área de concessão da empresa não atendida por causa do tempo de viagem. "As empresas precisam de resposta rápida. E nosso trajeto às vezes não permite isso. É longo e demorado."

 

Além disso, diz Lorenzi, a ferrovia depende de escala. Se não houver carga suficiente para transportar, o custo também não compensa. Na avaliação de especialistas, no entanto, isso seria resolvido com os polos de concentração de carga.

 

Aposta no industrializado. A América Latina Logística (ALL) apostou nisso para iniciar o transporte de produtos do setor sucroalcooleiro, no Estado de São Paulo. Em parceria com a Rumo Logística, ela fará o transporte de açúcar até o Porto de Santos. Segundo o diretor de industrialização da empresa, Sergio Nahuz, o objetivo da companhia, que administra a maior malha ferroviária da América Latina, é elevar o volume de cargas de maior valor agregado. Hoje o segmento de industrializados já responde por 30% do transporte da empresa.

 

"Fomos a primeira ferrovia a transportar carga frigorificada no País. Hoje fazemos quase 1.500 carregamentos por mês." A empresa está iniciando o transporte de leite em pó, do Rio Grande do Sul para São Paulo. Nesse início de testes, o volume será de mil toneladas por mês, mas chegará a 10 mil toneladas. Ele comenta ainda que a ALL tem auxiliado empresas na instalação de fábricas próximas da linha ferroviária.

 

Veículo: O Estado de São Paulo


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