Rivais bancam oposição para 'matar' lojas Wal-Mart

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Por muito tempo, Robert Brownson acreditou que sua proposta de construir aqui um empreendimento, com um Wal-Mart Supercenter de mais de 18.500 metros quadrados, estava sendo mantida refém pelos proprietários de imóveis. Ele os tinha visto protestando na prefeitura. Os moradores também entraram com uma ação para impedir o projeto.

 

O que Brownson não sabia era que os moradores estavam recebendo muita ajuda. Uma cadeia local de nove supermercados tinha contratado a Saint Consulting Group para secretamente armar uma campanha contra a proposta. A Saint é especializada em combater novos projetos do Wal-Mart e a firma usa táticas descritas como "artes negras".

 

Na medida em que o Wal-Mart Stores Inc. se tornou a maior cadeia de comércio de alimentos dos Estados Unidos, batalhas semelhantes foram travadas em centenas de cidades como Mundelein. Os ativistas locais e os grupos sindicais têm sido a face pública dessa resistência. Mas, num grande número de casos, grandes redes de supermercados contrataram a Saint Consulting para bloquear o Wal-Mart, de acordo com centenas de páginas de documentos revisados pelo The Wall Street Journal e entrevistas com ex-funcionários.

 

Em tom de brincadeira, a Saint já chamou os seus funcionários de "Wal-Mart killers", ou "assassinos do Wal-Mart". P. Michael Saint, fundador da empresa, prefere não falar especificamente sobre campanhas ou clientes. Ao ouvir a leitura de uma lista parcial de supermercados que são clientes do grupo, ele respondeu que "se esses nomes forem verdadeiros, eu diria que tenho orgulho de que algumas das maiores e mais sofisticadas empresas ficaram tão satisfeitas com o nosso sucesso e discrição que nos contrataram por vários anos".

 

Os supermercados que financiaram campanhas para conter o Wal-Mart estão preocupados com a possibilidade de ter que igualar os preços aos da concorrente, para não perder fatia de mercado. Embora tenham conseguido barrar alguns projetos, eles não impediram o vigoroso crescimento da cadeia nos EUA, onde ela já tem mais de 2.700 supercenters - lojas enormes que vendem alimentos e produtos em geral. No ano passado, 51% da receita do grupo nos EUA, um total de US$ 258 bilhões, veio da venda de alimentos.

 

Em muitos casos, as batalhas travadas mais que dobraram o tempo que o Wal-Mart leva para abrir uma loja, diz uma pessoa próxima à empresa. Além disso, as brigas geram uma campanha negativa para a varejista.

 

Um porta-voz do Wal-Mart se recusou a comentar as atividades que o Saint vem conduzindo em nome de clientes.

 

Em Mundelein, cidade com 35 mil habitantes, a cerca de 30 quilômetros de Chicago, foi a Supervalu, uma rede nacional com sede em Eden Prairie, no Estado de Minnesota, que contratou a Saint para trabalhar nos bastidores, de acordo com documentos da consultoria. O objetivo da Supervalu era impedir que o Wal-Mart viesse a concorrer com os nove supermercados Jewel-Osco, que ficam a uma distância de cerca de 5 a 16 quilômetros do proposto shopping center, conforme indicado pelos documentos.

 

Autoridades da cidade dizem que os esforços estagnaram o desenvolvimento por três anos e custaram a Mundelein milhões em impostos sobre vendas e imóveis.

 

Brownson, que em 25 anos já construiu shopping centers em 15 Estados, diz que só recentemente soube do envolvimento da Saint, quando uma pessoa ligou pra ele e deu a notícia. "Uma enorme empresa nacional faz uma campanha com truques sujos visando seus próprios objetivos e a cidade e o empreendedor acabam sofrendo", queixa-se ele.

 

A Supervalu não retornou ligações pedindo comentários. Saint se recusa a discutir o que está acontecendo em Mundelein. Em geral, diz o empresário, "empreendedores sempre falam que o mundo está acabando porque o projeto que lhes daria milhões não foi aprovado".

 

Saint, um ex-repórter de jornal e assessor de imprensa político, fundou a empresa há 26 anos. A especialidade do grupo é usar táticas de campanha política - abaixo-assinados, ligações telefônicas e sites de internet - para conseguir apoio a favor ou contra projetos polêmicos, desde refinarias de petróleo e shopping centers até escavações e aterros. Durante esses anos, o grupo conduziu cerca de 1.500 campanhas em 44 Estados. Saint diz que cerca de 500 delas envolveram a tentativa de impedir um empreendimento, e a maioria foi clandestina.

 

No caso de um ação típica contra um Wal-Mart, um gerente da Saint vai para a cidade, usando um nome falso, para criar ou liderar o movimento local de oposição, de acordo com ex-funcionários do grupo. Eles inundam os políticos locais com telefonemas, usando números diferentes para dar a impressão de que as chamadas estão sendo feitas por várias pessoas, diz o antigo funcionário.

 

Eles contratam advogados, hidrologistas e especialistas em trânsito para impedir ou atrasar o projeto o máximo possível, na esperança de que o empreendedor vá desistir ou que o Wal-Mart vá encontrar um outro local.

 

"Geralmente, os clientes de campanhas de defesa não querem que sua identidade seja revelada porque isso os torna vulneráveis à publicidade negativa e a potenciais ações legais", escreveu Saint, em um livro publicado por sua empresa.

 

Saint diz que "encoraja" seus funcionários a não usarem seus nomes verdadeiros nas campanhas para proteger a identidade do cliente e "para proteger nossos empregados, que já foram seguidos, ameaçados e hostilizados pela oposição".

 

Ele diz que não há nada de ilegal na tentativa de bloquear o projeto de um concorrente. Empresas têm proteções legais, com base na primeira emenda à constituição americana, para usar o governo ou um processo judicial para impedir planos de rivais, mesmo se o fizerem secretamente, diz ele.

 

A proteção é conhecida como doutrina de Noerr-Pennington, que nasceu de uma série de casos levados à Suprema Corte dos EUA. Alguns juristas dizem que, pela doutrina, a empresa tem de ter uma expectativa razoável de que vai ganhar o processo ou disputa em torno da lei de zoneamento - ela não pode usar o processo para interferir no negócio da concorrente.

 

"Se uma empresa rotineiramente abre processos e faz isso para atrasar uma concorrente, existe um padrão de excessão nas decisões da Suprema Corte", diz Timothy Muris, ex-presidente do conselho da Comissão de Comércio Federal e professor de Direito na Universidade George Mason. "Se uma concorrente nesse exemplo está gastando milhões [de dólares] para processar repetidamente, é difícil acreditar que esteja fazendo isso porque está preocupada com o zoneamento."

 

Ex-funcionários da Saint dizem que o objetivo de muitas disputas legais e políticas era meramente atrasar os projetos.

 

"Este pode ser o resultado", responde Saint. "Mas nosso objetivo é matar Wal-Marts."

 

Em Mundelein, onde a Supervalu queria proteger suas lojas Jewel-Osco do Wal-Mart, Saint focou inicialmente a estratégia na votação do desenvolvimento da uma área de 40 mil hectares pela Comissão de Planejamento da cidade, agendada para 27 de maio de 2007, como indicam documentos da Saint. Jay Vincent, diretor regional da consultoria, que tem sede em Chicago, delegou o trabalho a um gerente de projeto, indicam os documentos da Saint. O gerente, que é fã de beisebol, usou grandes nomes do esporte como pseudônimo para cada uma de suas tarefas. No caso do trabalho em Mundelein, ele usou o nome de um antigo jogador do time de beisebol Minnesota Twins chamado Greg Olson.

 

"Para este projeto, o atraso é uma arma importante", escreveu o gerente do projeto em um relatório. Ele enviou panfletos para os vizinhos do projeto proposto, enfatizando os eventuais males de um Wal-Mart nas redondezas, incluindo mais chamadas para a polícia e mais trânsito. O panfleto continha seu pseudônimo e endereço de e-mail, segundo vários moradores.

 

Tom Budwick, um operador de guindaste aposentado que mora em Mundelein, respondeu. O gerente de projeto lhe disse que um Wal-Mart construído atrás da casa dos seus próprios pais tinha impedido que eles vendessem o imóvel e tivessem uma aposentadoria confortável, relembra Budwick.

 

Vários antigos colegas do gerente que adorava beisebol dizem que ele frequentemente contava esta história, que é falsa, em conexão com projetos do Wal-Mart.

 

Budwick diz que o gerente de projetos lhe disse que a briga em Mundelein seria longa e cara, mas que não custaria nada aos moradores porque ele era envolvido em política e contava com o apoio de doadores sensíveis à causa para financiar a campanha.

 

"Eu não sabia de onde vinha o dinheiro, e não queria saber", diz John Abraham, dono de uma empresa de paisagismo e cuja casa espaçosa fica ao lado da área do empreendimento.

 

O gerente de projeto conseguiu um advogado, William Graft, que tinha experiência em casos envolvendo o uso de terrenos, para representar os vizinhos contrários à construção, de acordo com documentos da Saint. Embora a audiência pública sobre o empreendimento estivesse lotada de opositores, segundo o curador Ed Sullivan, o conselho de administração da cidade aprovou o projeto em julho de 2007.

 

Graft iniciou um processo em nome de quatro residentes com imóveis próximos da área do empreendimento, apelando da decisão do conselho e alegando que seus direitos tinham sido violados. Ele enviou contas mensais, com valores entre US$ 20 mil a US$ 55 mil, para o gerente do projeto, que as repassou à Saint, de acordo com cópias das contas que foram vistas pelo WSJ. Graft confirma que a Saint pagou essas contas.

 

O processo permaneceu na Justiça por dois anos e meio - até 26 de março deste ano, quando um juiz deu parecer favorável à cidade, dizendo que a decisão de aprovar o projeto não foi irracional, arbitrária ou um capricho.

 

O empreendimento ainda está num limbo. Os demandantes pediram ao juiz que reconsiderasse a decisão. O empreendedor, Brownson, diz que seus sócios já gastaram mais de US$ 3 milhões em custos legais, testemunho de especialistas e outras despesas. Ele perdeu quase todos os inquilinos que tinha conseguido em três anos, incluindo lojas das redes Kohl's, de confecções e produtos para o lar, e Petsmart, de produtos para animais de estimação, de acordo com documentos que ele entregou à prefeitura. Todos menos o Wal-Mart.

 

O administrador público de Mundelein, John Labaido, diz que a cidade e o distrito escolar perderam estimados US$ 6 milhões por ano em receita de impostos sobre vendas e imóveis.

 

"É desalentador saber que um concorrente empresarial estava atrás de tudo isso", diz ele.(Colaborou Dionne Searcey)
 


Veículo: Valor Econômico


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