Farmacêuticos querem prescrever medicamentos de venda livre

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Proposta de resolução, que deve ser votada pelo Conselho Federal de Farmácia ainda este mês, visa a 'orientar o consumidor e evitar a automedicação'. Conselho Federal de Medicina critica projeto alegando que alteração só pode ser feita por meio de lei

 

Medicamentos isentos de prescrição médica, como analgésicos e antiácidos, terão de ser prescritos por um farmacêutico na hora da venda, caso seja aprovado um projeto de resolução em discussão no Conselho Federal de Farmácia (CFF). A entidade diz que o objetivo é oferecer aos profissionais a oportunidade de orientar o consumidor, diminuindo os riscos da automedicação. A medida promete causar polêmica entre os médicos.

 

Uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em vigor há quatro meses, já determina que os medicamentos de venda livre sejam colocados atrás do balcão (mais informações nesta pág.). Agora, o CFF defende que o consumidor passe antes por uma avaliação do farmacêutico até para comprar uma aspirina. O consumidor, no entanto, não seria obrigado a seguir a prescrição farmacêutica.

 

"Quando o paciente tem um sintoma, o primeiro lugar que ele procura é a farmácia. Mas hoje o farmacêutico pode ser penalizado se indicar um medicamento de venda livre", afirma Jaldo de Souza Santos, presidente do CFF, ressaltando que a medida não vale para remédios tarjados, que necessitam de receita médica.

 

Segundo a proposta de resolução, que deve ser votada ainda este mês pelo CFF, caberia ao farmacêutico avaliar o paciente. Caso se trate de um "transtorno menor, que não necessita de diagnóstico médico", o farmacêutico poderia prescrever o tratamento, dando a orientação por escrito ao paciente.

 

Mas para José Ruben de Alcântara Bonfim, da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime), nem sempre é fácil definir o que é um "transtorno menor". "É preciso experiência e algumas habilidades que se aprendem na faculdade de Medicina", diz. Bonfim defende uma mudança profunda no currículo dos cursos de Farmácia, para deixar os profissionais mais preparados para essa responsabilidade.

 

Já o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Vital, afirma que a legislação brasileira prevê que o diagnóstico e a prescrição são atos que pertencem ao âmbito médico. "Isso só poderia ser mudado por meio de lei e não por uma resolução."

 

Vital diz ainda que, se o projeto for aprovado, o CFM deve tomar medidas para "evitar o diagnóstico e o tratamento feitos por pessoas não capacitadas".

 

Procurada pela reportagem, a Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip) não quis se manifestar.

 

Mais responsabilidade. Os farmacêuticos poderão optar se preferem ou não prescrever medicamentos. Mas caso um paciente tenha problemas com uma droga indicada, o profissional pode ser responsabilizado.

 

A ideia divide os profissionais. A farmacêutica Eliana dos Santos conta que mesmo quando o paciente tem problema com um remédio prescrito pelo médico vai na farmácia reclamar. "Com essa medida, a responsabilidade só aumenta." Já Patrícia Dudas, farmacêutica da Droga Raia, aprova a proposta, mas diz que seria necessária uma sala reservada para o farmacêutico conversar com o paciente.

 

Farmácia pode manipular remédios

 

Drogarias são estabelecimentos autorizados a vender apenas remédios industrializados. Já as farmácias, além de comercializar os industrializados, podem também manipular medicamentos. A diferença é determinada pela lei 5.991, de 1973, que dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos.

 

A mesma norma prevê ainda que, em ambos os casos, os estabelecimentos devem contar com um farmacêutico responsável durante todo o período de funcionamento. Caso o projeto do CFF seja aprovado, farmácias e drogarias poderão praticar a prescrição farmacêutica.

 

Droga atrás do balcão favorece projeto

 

A prescrição farmacêutica só se tornou possível graças a uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que determinou que os medicamentos de venda livre saíssem do alcance dos consumidores e fossem colocados atrás do balcão. A medida proibia ainda a venda de produtos alheios à saúde, como comidas e bebidas.

 

A RDC 44/2009 entrou parcialmente em vigor em fevereiro deste ano, pois mais de 60 mil estabelecimentos contavam com autorização judicial desobrigando o cumprimento das novas regras. Parte dessas liminares perdeu a validade.

 

A reportagem visitou dez drogarias na semana passada, quatro delas de grandes redes, e apenas uma não estava adequada. Em três estabelecimentos, porém, não havia farmacêutico presente no momento da visita ? exigência do Conselho Federal de Farmácia e condição fundamental para que qualquer projeto de atenção farmacêutica funcione.

 

Avaliação. O técnico em desenvolvimento econômico e social Ronaldo Silva aprova as iniciativas que visam a combater a automedicação. "A gente acaba procurando a farmácia quanto tem uma coisinha pequena, pois o hospital demora. Se tem alguém com mais conhecimento para dar orientação, acho ótimo", diz.

 

O técnico em enfermagem Fabrício de Andrade concorda. "Trabalho em hospital e vejo com frequência o agravamento de doenças crônicas pela automedicação. Já vi até casos de choque anafilático", conta.

 

O analista de sistemas Marcelo Guedes critica as medidas. "Não acho que tenha mudado nada o fato de esses medicamentos estarem atrás do balcão. Continuo comprando o que sempre comprei", afirma. / K.T.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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