O Capitán del Espacio não faz propaganda, não muda o sabor, não aumenta a produção - e não pára na gôndola
Em uma sociedade de antagonismos como a da Argentina, o alfajor é um dos poucos consensos existentes. Essa especialidade de origem árabe com toque espanhol transformou-se no principal quitute dos argentinos, que devoram diariamente 7 milhões de unidades (um terço da população come alfajor). Embora seja quase unanimidade no conceito geral, o doce tem inúmeras subespécies - com cobertura de chocolate negro ou branco, açúcar de confeiteiro, camada de maisena... Existem marcas produzidas por grandes, pequenas e médias indústrias, e outras artesanais, que em vez do tradicional recheio de doce de leite trazem compotas de frutas da Patagônia e de diversas regiões do país.
Mas a ampla variedade foi derrotada pela ortodoxia hiperfundamentalista do Capitán del Espacio, vencedor do recente Campeonato Mundial de Alfajores, organizado por um blogueiro argentino. O tradicionalíssimo produto - com apenas duas versões (chocolate e doce de leite) - superou todos os demais, desde marcas populares como Jorgito até o sofisticado Havanna.
Esse alfajor, low profile, que nos últimos anos transformou-se em cult, é elaborado no município de Quilmes, na Grande Buenos Aires. No entanto, apesar do sucesso que faz seu produto, a empresa não demonstra o menor interesse em vendê-lo na própria cidade de Buenos Aires, o maior mercado consumidor do país.
Os donos da marca atendem - com sua máxima capacidade - à demanda de Quilmes e estão satisfeitos com isso, descartando qualquer espécie de ampliação de suas instalações para suprir os insistentes pedidos provenientes da capital argentina. A procura é tamanha que alguns quiosques em Buenos Aires costumam colocar cartazes com o aviso: “Não temos Capitán del Espacio”. A placa evita que os vendedores tenham de explicar aos clientes a ausência dessa marca cobiçada.
Capitán del Espacio mantém a mesma embalagem desde que foi lançado no mercado, há mais de 40 anos. O marketing é um conceito praticamente desconhecido pela empresa, que também desafia sistematicamente a lei de mercado - que, como se sabe, faz com que um produto muito procurado aumente de preço. Não quando se trata desse produto cult. Seu preço costuma ser 60% mais baixo que a média dos alfajores.
Sem contar com assessores de imprensa, a empresa não se interessa em atender aos pedidos de entrevistas da mídia. Além disso, não investe um centavo sequer em publicidade. Site de internet? Nem pensar.
Anti-herói dos alfajores, o segredo de seu sucesso - afirmam os alfajorólogos - é que, ao contrário de outras marcas que ao longo do tempo substituem ingredientes de qualidade por outros mais baratos, o Capitán del Espacio mantém o mesmo sabor nas últimas quatro décadas. Os especialistas sustentam que ele deve ser degustado frio, depois de, pelo menos, uma hora na geladeira.
Embora o Capitán del Espacio seja famoso em Buenos Aires, poucos portenhos já tiveram a chance de prová-lo, fato que o elevou à categoria de “lenda urbana”, pois muita gente pensa que tal produto - alvo de inúmeras e sempre enfáticas apologias - simplesmente não existe.
O turista brasileiro que quiser experimentar o quitute terá de dedicar-se com insistência a sua busca nos quiosques, além de precisar de grande sorte, pois sua escassa distribuição é errática. Ou, no caso de extrema curiosidade e gula, o jeito é se deslocar até Quilmes e comprar diretamente na fábrica, na Rua Gran Canaria, 350. Telefone: 4253 5224.
Veículo: O Estado de S.Paulo