Analgésico ''especializado'' invade farmácias

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Remédios com o mesmo princípio ativo se multiplicam em produtos específicos para cada tipo de dor, alimentando mercado de R$ 1,5 bilhão; médicos advertem para uso abusivo

 

Na categoria mais competitiva de medicamentos no Brasil - a dos analgésicos vendidos sem a necessidade de receita médica - não há trégua. E é preciso ser criativo para atrair o consumidor-paciente: nas propagandas, os comprimidos, que como todos os remédios têm riscos, ganham a leveza de balões e o poder de acabar até com situações estressantes, como contas, brigas e o chefe que chama no celular.

 

Outras pílulas tentam conquistar o consumidor se apresentando como um remédio específico para cada tipo de dor. Em outro anúncio, o paciente levita sobre um comprimido.

 

Segundo dados da consultoria farmacêutica IMS Health, em um ano a classe dos analgésicos fez 29 lançamentos no País, o que ultrapassa todas as outras categorias de remédios, que, em média, fazem no máximo dois lançamentos ao ano. Um mercado de R$ 1,5 bilhão no Brasil, que cresceu 14% de 2008 a 2009.

 

Juntas, três drogas de ação analgésica (considerando a mais vendida no País, que também é relaxante muscular) são as que acumulam maior número de unidades comercializadas, à frente de medicamentos contra disfunção erétil, para regular o colesterol e antidepressivos.

 

Os lançamentos não são de novos remédios. São principalmente novas apresentações dos mesmos princípios ativos, como o remédio já conhecido com ação prolongada ou em embalagem mais prática, explica Marcello de Albuquerque, diretor de linha de negócios da IMS Health. A temporada de lançamentos se concentra justamente agora, entre o outono e o inverno, quando as pessoas ficam mais doentes - dores no corpo de gripes e resfriados e dores de garganta são um prato cheio, diz.

 

"Quando as pessoas têm alguma dor, mas não tratamento, há pelo menos o analgésico. Embora a assistência à saúde tenha melhorado, ainda há dificuldade para conseguir acesso", analisa Albuquerque. Desde 2005, a classe é a primeira em valores comercializados no País.

 

Orientação. Profissionais de saúde ouvidos pela reportagem alertam que os analgésicos devem ter uso limitado. Além disso, demandam sim orientação médica, apesar de a legislação brasileira permitir propaganda e venda direta ao público leigo - por serem substâncias com anos no mercado sem problemas graves frequentes.

 

"Há uma vulgarização desse tipo de medicamento. Sendo o mesmo princípio ativo, mesmo que associado a outras substâncias, não se justifica dizer que o analgésico é só para aquela finalidade", afirma o professor titular de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Eliezer de Lacerda Barreiro. "O que mais temos medo é da morte, por isso o pavor da dor. Mas, muitas vezes, a dor é um aviso protetor e pode ocorrer um agravamento dos sintomas se o paciente for empurrando com a barriga."

 

Nos anúncios, porém, o mundo é cheio de novidades revolucionárias que acabam com qualquer desconforto. O Dorflex - analgésico e remédio mais vendido no País, que também relaxa os músculos -, da Sanofi-Aventis, propagou que só robôs conseguem enfrentar sem a droga a dor de cabeça causada por barulho e estresses do trabalho. Uma das peças foi autuada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que fiscaliza abuso na propaganda dos isentos de prescrição. A empresa destaca cumprir a legislação.

 

"Os medicamentos garantiram o aumento da expectativa de vida, mas necessitam de uso adequado", diz Maria Eugênia Cury, chefe do Núcleo de Gestão do Sistema Nacional de Notificação e Investigação em Vigilância Sanitária da Anvisa. "A dor precisa ter alternativa, e não podemos tirá-la do consumidor", acrescenta.

 

Em um comercial do Tylenol, paracetamol da Johnson&Johnson, o locutor diz que "para você fazer o que gosta sempre" existe o remédio, "um para cada tipo de dor". Existe a versão indicada para dores do esporte, a de ação prolongada e outra que se diz específica para dor de cabeça. Essa última foi potencializada com cafeína, substância que pode tornar o paracetamol mais eficaz, mas, se usada abusivamente, pode causar dor de cabeça, como explica o presidente da Sociedade Brasileira de Cefaleia, o neurologista Carlos Alberto Bordini. "Mas os comerciais não deixam isso claro." Também a Neosaldina, da Nycomed, a marca mais célebre vendida para cefaleia - aquela dos balões que levam supostamente o estresse embora -, é uma combinação com cafeína.

 

"Estima-se que 300 mil pessoas sofram de dor de cabeça todos os dias só na Grande São Paulo. Imagine o tamanho do mercado", afirma Bordini, citando estudo publicado por cientistas brasileiros na revista Neurology. A enxaqueca é uma falha nas defesas do cérebro contra a dor, diz o médico, o que faz com que o pulsar de artérias, a contração muscular, a luz e o barulho sejam dolorosos. Os analgésicos só devem ser tomados esporadicamente e após diagnóstico médico. "Quem toma um analgésico torna o sistema mais falho. Cria hábito, tolerância e dependência. E a dor de cabeça só piora", diz Bordini.

 

Empresas. Em nota, a Johnson&Johnson destacou que investe em propagandas que têm como principal objetivo informar os consumidores sobre as indicações corretas e benefícios de seus medicamentos isentos de prescrição médica. "A empresa acredita que os medicamentos isentos de prescrição trazem benefícios para promoção da saúde da população brasileira e, ao mesmo tempo, contribuem de forma séria e responsável para o desenvolvimento social e econômico do País", afirma a nota.

 

Já a Sanofi-Aventis destacou cumprir a legislação de propagandas para isentos de prescrição. A reportagem não conseguiu localizar representantes da Nycomed, também mencionada na reportagem.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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