Numa Zona Cerealista em transformação, cerca de 2 mil toneladas do grão são comercializadas por dia
Com as mãos cheias de feijão, compradores chacoalham o produto para saber se está seco, observam a cor para saber a qualidade e frescor. São cinco e meia da manhã no Brás e a "bolsinha de feijão" da Zona Cerealista está cheia, com feijão esparramado pelo chão, e os 27 corretores, que dela fazem parte há 10 anos, espalhados em baias nas extremidades do salão.
"Os pensadores do feijão estão ali", diz Elias Mello Saad José, diretor-tesoureiro da Bolsa de Cereais de São Paulo, órgão oficial do governo que fornece informações de preços de cereais para o governo e compradores, além de classificar e certificar produtos. "O dia em que isso acabar eu quero ver como vão ficar as coisas".
Apesar de não ser oficial, é nesse espaço que corretores expõem amostras de feijão de diferentes partes do Brasil, principalmente variações do carioca, e definem o valor do produto nacionalmente - o preço do feijão preto é definido no Rio de Janeiro.
Tudo funciona na base da oferta e procura. Na bancada de cada corretor, há pequenos saquinhos de papel com diferentes qualidades e o número de sacos de 60 quilos disponível anotado a caneta. Ainda que o consumo de feijão venha caindo nos últimos anos, todos os dias, quase dois milhões de quilos são comercializados na bolsinha.
A partir das 7 horas da manhã, os armazéns de feijão já estão a todo vapor para administrar a chegada do produto. Caminhões estacionam na frente dos grandes portões voltados para a rua e então os carregadores, ou "saqueiros", entram em ação. Boa parte dessa riqueza passa, literalmente, por suas cabeças, que equilibram os pesados sacos de 60 quilos das caçambas até as altas pilhas.
Nascido em Taquarituba, no interior de São Paulo, André Cristiano da Silva, 35 anos, trabalhava, até 2006, como bóia-fria, no meio e no fim de ano, alternando com a atividade de carregador. Apesar da experiência, quando se mudou para a zona cerealista demorou pelo menos uma semana para se adaptar ao ritmo de trabalho. Depois dos primeiros 15 dias parado, procurando emprego, começou a trabalhar tanto que nem sobrava tempo para tomar uma cerveja ou ouvir um samba. Chegava a virar 24 horas de trabalho. "Você apaga e continua andando. Você não sabe o cansaço", lembra.
O corretor Valdemar Ortega, eleito pelos corretores o administrador da "bolsinha de feijão", tem outro tipo de desafio: chegar todos os dias antes das cinco horas para organizar o início do "pregão". Além disso, precisa ficar antenado no decorrer das negociações, vendendo e atendendo o telefone para passar informações sobre preços e quantidades para gente do Brasil inteiro. Na última quinta-feira, a saca do feijão (carioca pérola/rubi/comercial) na bolsinha era cotada por R$ 85,00 a R$ 90,00.
O mercado de feijão é bastante volátil, principalmente por conta dos tradicionais altos e baixos da oferta no país. Na safra 2009/10, que está sendo comercializada, a produção está estimada em 3,34 milhões de toneladas, 4,5% menos que no ciclo passado.
Quando Ortega, nascido no Brás, começou com corretagem, em 1966, não existia um local concentrando o comércio, como a bolsinha, e o feijão era muitas vezes vendido a granel. Ele levava as amostras pelas ruas do bairro, passando nos armazéns e, às vezes, reunia-se com outros corretores em um bar.
Na época, os clientes passaram a procurar os corretores. Em mesas improvisadas para mostrar os produtos em dois ou três bares da rua Santa Rosa, Valdemar começou a dividir espaço com outros dez corretores, como Edison Geraldo Perli, que chegou, também de Taquarituba, em 1971. Perli abriu seu escritório na região em 1999, seguindo um processo de profissionalização que já ocorria havia alguns anos. Só ficou lá até o dia 2 de maio de 2000, quando foi inaugurada a bolsinha.
Como a maioria dos corretores da bolsinha, Perli começou a carreira "puxando feijão" para a zona cerealista. O corretor Nelson Lourenço, ou Topete, era caminhoneiro. Veio de Itapeva - como Taquarituba, também uma região produtora de feijão do Estado - para a bolsinha trabalhar com seu pai e depois substituí-lo. Segundo ele, essa "transição" de caminhoneiro para corretor ocorre pois o caminhoneiro conhece bem o mercado, o produtor e a zona cerealista. "É um cargo de confiança".
Mas o caminhoneiro Wilson Souza Carneiro, 51 anos, não pretende mudar de profissão. Há 30 anos no negócio de venda de feijão, ele gosta da estrada e sempre volta para Itararé para ver a esposa. Até vender o feijão, ele passa o tempo acompanhando o mercado na bolsinha, jogando baralho ou tomando cachaça. "Cheguei a ficar uma semana enroscado aqui", diz.
Quando o caminhão chega a um armazém, o motorista já está impaciente, ansioso para continuar viagem. Mas antes de se ver livre da carga, passa por uma balança destinada a cargas de feijão que chegam à zona cerealista.
Então, os carregadores fazem um furo em cada um dos sacos para comparar a qualidade, tipo, secura, cor do produto com os grãos da amostragem do contratante. Se o feijão é outro e o se o grão escureceu por conta da umidade na viagem, mandam o produto embora.
Quando o trabalho nos armazéns é grande, procura-se carregadores extras numa esquina conhecida como "pedra". André Cristiano da Silva freqüentou o ponto por oito meses até conseguir um emprego fixo com carteira assinada no armazém D. Tradição.
Por enquanto vai se manter como "saqueiro", mas pretende, daqui a alguns anos, mudar-se para Miguelópolis, na divisa com Minas Gerais, e começar um negócio próprio: abrir um lava-rápido.
Sem ter pisado numa escola, o carregador baiano Vivaldo Serafim dos Santos, 32 anos, ex-bóia-fria, não faz muitos planos além de continuar seu atual ritmo de trabalho, morando no dormitório de seu armazém junto com outros três saqueiros. José de Souza já tem 66 anos, é aposentado, mas não pensa em parar de carregar os pesados sacos de batata e cebola, produtos também comercializados nos armazéns da Zona Cerealista.
Veículo: Valor Econômico