Existem renegociações em andamento e há atrasos de até 20 dias na entrega da pluma às tradings
Com a disparada dos preços do algodão, que neste mês já subiram 23% no mercado interno, produtores e tradings estão sentando à mesa para renegociar contratos. A diferença de pelo menos 30% entre o valor vendido antecipadamente pelo agricultor e os valores de mercado alcançados agora, na hora da entrega do produto, abriu margem para essas revisões. No entanto, o movimento acontece mesmo envolvendo contratos que não podem ser renegociados, o que alimenta o temor de que haja, por parte dos produtores, cancelamentos unilaterais de contratos - os chamados "defaults".
Em torno de 65% da safra brasileira, estimada em 1,15 milhão de toneladas, foi vendida antecipadamente aos preços médios de 65 centavos de dólar por libra-peso na bolsa de Nova York. No entanto, agora que 90% da colheita está finalizada, as cotações estão na casa dos 85 centavos de dólar por libra-peso, ou seja, 30% mais valorizados do que os acordados fechados antecipadamente.
Algumas renegociações de contratos estão ocorrendo em comum acordo entre as partes, segundo um trader de médio porte que atua no mercado doméstico. O movimento começou em agosto, com a escalada dos preços da commodity. "Eles começaram a acontecer, mas nem todos estão sendo concedidos. Em alguns casos, até compensa financeiramente, mas o importador não pode renegociar pois a entrega do volume físico já foi acertada", explica o trader.
Na avaliação da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea) o volume renegociado é pequeno e tende a continuar assim. Isso porque a maior parte dos importadores são indústrias têxteis e de fiação que precisam do produto físico.
Ontem, a libra-peso da commodity fechou em 85,22 centavos de dólar em Nova York, valorização de 1,34%. No mercado interno, a libra-peso encerrou o dia em 199,32 centavos de real, alta ainda maior, de 1,92%, segundo o Indicador Cepea/Esalq. "Depois do algodão chinês, o brasileiro é o mais caro do mundo", diz Tim Kuba, diretor de abastecimento da Tavex Corporation (antiga Santista Têxtil). Segundo o Valor Data, no mês de agosto, a alta do algodão acumula 22,9% e no ano, de 47,93%.
Por isso a preocupação da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) de que a cada valorização da commodity aumente o risco de descumprimento de contratos. Segundo estimativa da Anea, esse atraso está entre 15 a 20 dias. No entanto, ainda é cedo para afirmar se trata-se de uma consequência do atraso na colheita ou se é um indicativo de 'default'. "De fato, o primeiro mês com grande quantidade de entrega da pluma é agosto. Como o mês ainda não acabou e há ainda muita coisa a receber, é preciso esperar um pouco para saber a origem exata dessa demora", diz Marcelo Escorel, presidente da Anea.
O risco de defaults é alto, diz Haroldo Cunha, presidente da Abrapa. 'A associação criou um conselho de ética para coibir essa prática, mas sempre que há uma forte oscilação, os defaults acontecem".
O problema, continua ele, é que quando o produtor não cumpre contrato, afeta a reputação de todo o setor. "Quando o Brasil começou a exportar, há mais de dez anos, o preço do algodão brasileiro tinha um desconto de 16 centavos por libra-peso em cima do preço Nova York. Agora, esse desconto é de 2 centavos e, algumas vezes, é nulo, devido à qualidade, mas também à regularidade e confiabilidade da oferta", completa Cunha.
Segundo ele, os atrasos na entrega podem estar ocorrendo também porque o produtor pode estar recontando sua safra para checar o que não está comprometido e poderá ser vendido aos altos preços.
Veículo: Valor Econômico