Considerado um nicho voltado sobretudo ao exterior, o segmento de produtos orgânicos brasileiro começa finalmente a ganhar corpo no mercado interno. A combinação de real forte aliado à pujança da economia brasileira, que impulsionou o consumo, explicam parte desse movimento. O empurrão final veio com a crise financeira mundial, que poupou países produtores (como o Brasil) e atingiu as compras de EUA e Europa, grandes destinos desses produtos.
Um levantamento inédito realizado pela Organics Brasil, entidade para promoção dos orgânicos brasileiros no exterior, aponta uma queda significativa da área certificada para exportação. Entre 2009 e 2010, o país registrou um recuo de 932.116 mil hectares para 331.637 mil. Segundo Ming Liu, gerente da Organics Brasil, grande parte desta redução se deve à decolada do consumo brasileiro. O levantamento foi feito através de dados fornecidos pelas maiores certificadoras que atuam no país - IBD, IMO, BCS e Ecocert, que, juntas, representam 98% do mercado de certificação para exportação, diz Liu.
"O mercado interno está visivelmente fortalecido, o que fez os produtores saírem da certificação internacional e optar somente pela nacional", disse Liu ao Valor.
Um sinal desse movimento está nas gôndolas das principais redes varejistas do país. Há três anos, o Walmart oferecia uma média de 500 itens orgânicos, entre hortifruti e mercearia. No primeiro semestre deste ano, o seu portfólio já apresentava mais de 1.500 itens, com crescimento de vendas de 20% frente ao mesmo período de 2009, resultado similar ao do Carrefour.
"Há dez anos, somente verduras e legumes estavam disponíveis nas lojas. Hoje, além dos itens in natura, temos carne, massas, molhos e todos os componentes para uma refeição completa e saborosa", diz Sandra Sabóia, gerente de orgânicos do grupo. Segundo ela, as vendas no setor crescem cerca de 40% ao ano no Pão de Açúcar. "Em 2009 o faturamento foi de R$ 58 milhões. Nossa expectativa era atingir esse patamar só em 2012. Para 2010 a meta é crescer mais 40% ante ao ano anterior", afirma Sabóia.
A alta no consumo interno, ainda concentrada nas classes A e B, provocou também outro fenômeno paralelo: o da importação de matéria-prima e processados orgânicos. Embora seja um percentual pequeno nas importações totais, a oferta tem crescido anualmente, sobretudo de azeites (Portugal), massas (Itália), frutas secas (Chile e Argentina) e mercearia (França), sem similares nacionais.
Há duas décadas no setor, Angela Thompson, proprietária do Sítio do Moinho, na região serrana do Rio de Janeiro, realizou a primeira importação em 2004, de farinha de trigo orgânica. Hoje, compra da Europa molhos de tomate, azeite, azeitona, grãos, sementes, aveia, granola e o agave, um adoçante natural do México com índice glicêmico baixo. O Sítio tem faturamento mensal de R$ 300 mil, com expansão média de 30% ao ano.
"O mercado interno é uma realidade recente e está servindo de complemento às exportações", diz Daniel Schuplli, diretor da certificadora IMO do Brasil. Segundo ele, o redirecionamento de parte da produção para o mercado nacional é também uma opção interessante que evita as oscilações do câmbio e crises internacionais.
Há 10 anos, diz Schuplli, era pouco comum certificar áreas para o mercado nacional. Isso mudou. Como resultado do próprio amadurecimento do setor, "as empresas estão desenvolvendo estratégias" de atuação. "Hoje, de 80% a 90% de nossos clientes têm certificação para o mercado externo e interno também". Em geral, a certificação para os EUA e Europa custa de 30% a 40% mais que a nacional.
A opção pelo mercado externo pode ser entendida como uma característica dos países latino atrelada ao poder de compra da população. Argentina, por exemplo, exporta 98% do que produz organicamente, afirma Rogério Dias, coordenador de agroecologia do Ministério da Agricultura. "Eles não têm mercado interno pra isso. Mas não dá pra pensar só em exportação porque a chance de quebrar a cara é grande. Além de crises financeiras, há o câmbio e barreiras fitossanitárias. É preciso alternativa de colocação do produto".
Apesar do bom momento interno, há produtores que simplesmente preferiram voltar ao plantio convencional. Para Liu, da Organics, isso se deve a dificuldades técnicas ou econômicas do processo. Para Alexandre Harkaly, do IBD, a rotatividade alta é normal nesta área. "Todo ano entra muita gente querendo aproveitar a onda de orgânicos. Quando entendem que há demanda de tecnologia, de eficiência e rastreabilidade, caem fora", diz Harkaly. "Cortamos grandes projetos por irregularidades".
Consumo ainda é restrito a classes A e B
Um estudo realizado pela GfK, uma das maiores empresas de pesquisa de mercado no país, apontou que 42% dos entrevistados nunca adquirem produtos orgânicos. A diferença de consumo entre as classes sociais é grande: integrantes das classes C e D são os que menos compram alimentos desse tipo (52% responderam negativamente). Nas classes A e B, o índice cai para 33%.
"Embora os orgânicos tenham um apelo de saudabilidade, que é cada vez mais forte junto aos consumidores, a percepção da população é que possuem preços mais altos que os similares não-orgânicos, mesmo que em alguns casos isso já não corresponda à realidade", diz Mario Mattos, diretor de marketing da GfK.
Além das discrepâncias de comportamento entre as classes, a pesquisa revela ainda que aspectos regionais também interferem na aquisição dos produtos orgânicos. No Nordeste está concentrada a maior parte dos entrevistados que nunca compram tais produtos, com uma taxa de 48%. Na região metropolitana de São Paulo (excluindo a capital) a percentagem é de 47%. Na capital, de 39%.
Alimentos orgânicos não têm agrotóxicos, hormônios ou antibióticos, no caso de animais. (BB)
Veículo: Valor Econômico